VII: Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll

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Amybeth Marie-Anne Campbell não esperava que, dentre todas as coisas que poderiam acontecer, ela acabaria se apaixonando pela arte da necromancia. Sim, por necromancia! A arte de se comunicar com os mortos parecia-lhe interessantíssima. O porquê que ela usava de justificativa por tal interesse era bem lógico, na verdade: fascinava-lhe a possibilidade de comunicar-se com pessoas de outro mundo, que poderiam fornecer-lhe informação e conhecimento inacessível.

Sua aproximação com a necromancia, se sua mente se lembrava bem, há alguns dias. Era dez de setembro e ainda não fazia nem uma semana que as aulas começaram.

Na Vila de Shitrembade, lugar onde os alunos se reuniam para ir à universidade, ela encontrou um certo livro intitulado: Diga-me se fala com fantasmas, e eu digo quem tu és. Era uma óbvia alusão a um ditado de cunho popular, "diga-me com quem tu andas, e eu digo quem tu és".

O subtítulo, no entanto, era bem menos irônico: Um manual bem prático de necromancia e outras parafernálias. Tal livro era, na verdade, uma versão de bolso de uma espécie de enciclopédia de necromancia escrita por algum bruxo sul-africano.

Estava no jardim. Era meio-dia, e a maioria dos alunos estava no salão principal para almoçar. Não sentia muita fome no momento, entretanto. O sol estava a pino, mas o dourado de seus raios jamais poderia se igualar à intensidade do vermelho de seus cabelos.

O vento mudou de repente, soprando o cheiro do aroma floral diretamente no rosto de Amybeth, que acolheu tal perfume com imensurável prazer. Ainda era uma brisa suave, enroscava suas madeixas e agitava quase que imperceptivelmente a relva que se espalhava ao seu redor.

O jardim, tão espetacular para alguns, empalidecia perto da magnificência de Amybeth. Ela era linda demais para ser real. As pálpebras pálidas como lavanda estavam fechadas, por mais que ela, evidentemente, não estivesse dormindo. Uma perfeita estátua, entalhada em alguma pedra desconhecida, lisa como o mármore. Os lábios rubros e cheios da jovem moviam-se uma vez ou outra, tão rapidamente que aparentavam tremer. Estava cantando para si mesma; mas infelizmente num tom baixo demais para que o resto do mundo ouvisse.

De grosso modo, estava em paz. Afinal, em momentos como aqueles, de silêncio, acabava encontrando a si mesma nos seus próprios pensamentos. A primavera se aproximava nos territórios da universidade; um calor real já se mostrava presente, e a relva tencionava a uma coloração mais viva, ao mesmo tempo que algumas flores se desabrochavam.

Não somente flores desabrochavam com a chegada da estação primaveril. Com a passagem do tempo, os estudantes faziam algo além de desmanchar o cérebro em livros. Em seu tempo livre, a maioria fazia o que era de se esperar: divertiam-se e enturmavam-se uns com os outros.

Nessa mesma linha de pensamento, o inevitável também acontecera com a menina do cabelo com a cor de fogo. Querendo ou não, estava formando laços com outros estudantes e formando amigos. Era difícil para ela definir quando era ou não amiga de outra pessoa, mas mesmo assim, conseguia perceber que tinha uma certa intimidade com Drogo. Drogo era amigo de Thomas, então ela acabou também se tornando consideravelmente íntima.

Amybeth admirava imensamente como Drogo conseguia se manter calmo perto de qualquer pessoa. Não era extrovertido, muito menos a encarnação da animação, todavia, sua personalidade era tão marcante ㅡ de um jeito único ㅡ que conseguia a impressionar.

Thomas era, não-obstante, dono de traços comportamentais que (dizendo de forma branda) não eram idênticos aos seus. Era reservado, na maior parte do tempo, mas possuía uma certa forma diferente de se expressar. Divertia-se como ninguém em toda a parte do tempo e procurava estar de bom humor a todo momento; quando tinha algo pra falar, dizia na cara e sem rodeios. Poderia se considerar feliz em relação a essas amizades que estava construindo.

Le Fay e MontreauxOnde histórias criam vida. Descubra agora