XI: O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde

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Morgana Lispect puxou seus óculos quadrados de leitura e forçou seus olhos para tentar apurar a vista, mas de pouco adiantou. Tinha uma leve sensação de desconforto, e um enorme peso em suas costas, o peso do mundo.

O de uma consciência pesada.

Ela havia saído de seus aposentos com uma dor de cabeça que além de altamente irritante, ainda estava lhe enchendo o saco. Todavia, isso não importava muito para a professora, porque era apenas uma simples dor de cabeça. Não havia nada de mais comum.

ㅡ Anaha ㅡ ao notar a presença da diretora no corredor, Morgana chamou-a.

Anaha era, na verdade, muito, muito bonita. Qualquer pessoa que a conhecia dava-lhe uns trinta e sete anos, quarenta, no máximo. Mas, aquele aspecto neutro e indefinido lhe trazia uma aparência que a situava em qualquer ponto dos trinta a cinquenta anos. Seus cabelos louros e corpo maduro davam a impressão de que a diretora havia saído diretamente das páginas de uma renomada revista de roupas íntimas.

Anaha também era boa de se conversar. Sua presença era irrefutavelmente agradável. Morgana acreditava que conversas tinham uma única utilidade ㅡ me diga como eu posso chegar no bar da esquina ou onde é que eu encontro um grimório em promoção? ㅡ, porém, com a diretora Azniv era diferente.

Morgana também confiava em Anaha. E confiava o suficiente para dizer, por exemplo, o que lhe incomodava.

ㅡ Eu estou preocupada ㅡ Morgana confessou. Anaha, vista de longe, poderia ser acusada de não estar prestando atenção na conversa; para falar a verdade, ela estava inteiramente atenta ao o que a amiga estava dizendo. ㅡ Algo me incomoda. É como se, sei lá. Não sei dizer.

ㅡ Há algo de errado?

ㅡ Existe sim algo de errado acontecendo.

ㅡ Quer me dizer o que é? ㅡ Anaha perguntou, mordendo seus lábios.

ㅡ Até diria ㅡ Morgana falou, unindo as sobrancelhas ㅡ, mas eu não faço ideia do que seja.

Morgana mentia.

ㅡ Que pena. ㅡ Anaha deu uma palmadinha amigável no ombro da amiga. ㅡ Bom, nós descobriremos juntas.

Mentia, porque ela sabia exatamente o que estava por vir. O princípio do fim de toda vida.

Morgana não acreditava em profecias. Para ela, charlatanismo puro. No entanto, quando há vinte anos e uma cigana mortal lera suas mãos, acreditara nela.

ㅡ Você não é daqui ㅡ disse a cigana, olhando Morgana atentamente. Era um dia chuvoso em Amsterdã, capital da Holanda e cidade em que Morgana resolvera passar suas férias.

ㅡ Não ㅡ confirmou ela, achando graça da coisa. ㅡ Eu sou americana.

ㅡ Americana? ㅡ a cigana riu para ela. ㅡ Não é.

Morgana a olhou cuidadosamente.

ㅡ O que quer dizer?

ㅡ Você é fruto de outra terra.

Morgana estava intrigada.

ㅡ Quando eu olho pra você, vejo uma ilha. Vejo maldade e bondade.

ㅡ Há maldade e bondade em todos nós ㅡ Morgana respondeu.

ㅡ De fato ㅡ a mística assentiu. ㅡ É mais intenso em você. Você está quebrada por dentro e você quem escolheu isso.

ㅡ Você diz isso para todos? ㅡ Morgana inquiriu.

ㅡ O tom de ironia em sua voz disfarça seu medo, feiticeira.

Morgana estava perplexa.

ㅡ Você está pensando em me matar agora, não está? ㅡ a mulher riu. ㅡ O conselho diria que isso seria o mais recomendável, quando uma mortal descobre sua natureza bruxa.

Le Fay e MontreauxOnde histórias criam vida. Descubra agora