Monstros do mar

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A água salgada batendo em seus pés velhos e enrugados era uma das melhores sensações do mundo. Não tinha morado a vida toda na cidade como muitos dos seus amigos e colegas, mas amava aquele pequeno pedaço de terra mesmo assim. Hoje era seu dia de folga, amanhã teria que navegar novamente. Tinha que aproveitar ao máximo aquela tranquilidade, ainda mais que estava acontecendo algumas mortes estranhas. Como toda cidade pequena, sempre há lendas, então muitos moradores acreditavam na lenda da Lula Gigante, Bruxa da Gruta, etc. Alguns pescadores e marinheiros tinham parado de se aventurar no mar, pelo menos, até que as coisas se acalmassem.

No dia seguinte, estava no barco de pesca. Quando passou pelo quarto de Cláudia não soube o que sentir. Já estava tão acostumado com o luto que dificilmente chorava, mas o caso de Cláudia, o caso dela lhe rendeu várias lágrimas. Se pelo menos ela tivesse tido uma morte menos... dolorosa, porém tinha que lembrar que o mar não poupava ninguém.

Desembarcaram do caís uma hora depois. Fizeram a rotina de sempre. Pescar, comer, descansar, pescar, comer e dormir. No jantar, quando todos se reuniam, o assunto não podia ser outro. As mortes misteriosas rondavam a mente de todos, afinal, um dos próprios membros tinha entrado para a lista dos falecidos. Se eles também estavam com medo de entrarem na lista? Com toda certeza. Parentes, maridos, esposas, e filhos tinham implorado para que não fossem ao mar, mas todos no barco tinham pensado nas prateleiras vazias e nos estômagos de suas crianças roncando. Como poderiam ficar em casa?

Alguns dias se passaram e durante a madrugada, quando já estava totalmente sem sono e entediado se revirando na cama, decidiu ir lá fora fumar um cigarro. Na proa, a brisa soprava quente e podia sentir o gosto do sal nos lábios. As nuvens no céu deixavam a noite mais escura, escondendo a luz da lua. Por isso, enquanto fumava seu cigarro, não viu que do mar estavam observando-o e, em menos de um minuto, subiram a bordo do barco sem serem percebidos. Quando terminou de fumar, estava sozinho na proa.

Pela manhã, um dos membros foi encontrado sem vida em seu próprio quarto, mas essa não era a parte mais chocante. Seus olhos, nariz, lábios, língua e coração tinham desaparecidos, ou melhor, pareciam que foram devorados. Aquilo foi o suficiente para causar pânico nos cinco membros restantes da tripulação. Talvez as lendas fossem verdadeiras, a Bruxa da Gruta deve ter amaldiçoado-os e agora eles estavam sozinhos no imenso mar ao redor. Todos concordaram em retornar imediatamente para a costa, mas não foi o suficiente. Nos próximos dias, a capitã foi encontrada nas mesmas circunstâncias que o outro membro no dia anterior. Agora, sobraram quatro membros desesperados, pois faltava muito para chegarem à costa. Nos próximos dias, os membros da tripulação morriam pouco a pouco. Eles achavam que estavam fugindo, mas não tinham percebido que estavam sendo acompanhados, agarrando-se na parte de baixo do barco.

Os dois últimos membros sobreviventes decidiram dormir no mesmo quarto por segurança, assim como comer e descansar juntos. Esse foi o combinado, uma vez que os falecidos tinham sido atacados quando estavam sozinhos, mas o acordo foi quebrado durante a noite quando um deles saiu para fumar. Mesmo com todo o estresse e o medo, o vício não parava. Talvez esse tenha sido o seu pior erro. Ao contrário dos dias anteriores, a noite estava clara, então conseguiu ver o exato momento que o piso do barco criou vida. Seu coração deu um pulo quando percebeu que o piso estava se mexendo. Demorou dois segundos para descobrir que, na verdade, eram aranhas se movendo. Centenas delas. Quando deixou o cigarro cair da sua boca, isso chamou-lhes a atenção, movendo-se direto para o humano na proa.

Reuniu coragem o suficiente para sair do estado de choque e agiu antes de pensar no momento em que viu o bote. Lançou-se com tudo no pequeno barco e desceu o mais rápido que pôde. Quando sentiu a água embaixo de si, empurrou com uma perna para afastar-se do barco, sua mente estava tão acelerada que única coisa que conseguiu pensar foi em fugir. O medo dominando-o completamente. Chegou à costa exausto, assustado e inquieto gritando para todos que a sua tripulação tinha sido amaldiçoada. Essa era a única frase que ele conseguia falar. Pelo resto de sua vida, era a única coisa que os moradores o ouviam falar. 

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