CAPÍTULO 19 - ESTRUTURAS E DESEJOS

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O tempo há de curar as coisas que não podem ser remediadas. Essa frase feita me serviu muito bem, e resume meu estado de espírito conforme os dias foram passando. Acabei conversando com Pedro e com Elias a respeito dos meus tios. Eles foram bastante solidários. Pedro, como eu imaginei, ficou mais sentido. Afinal, aquele era um risco ao qual ele e Soares se colocavam todo o dia, ao viverem suas fantasias.

Mas a ele e ao noivo, havia algo que faltava em meu tio na época: a consciência dos próprios desejos.

Passamos muito tempo juntos naqueles dias. Além de nossa amizade, os professores do Pracinhas pareciam ter combinado de que todos pediriam trabalhos em grupo para suas turmas. Acabamos montando o mesmo trio em todos. Então, ficávamos juntos todo o momento. Na biblioteca, no pátio, no refeitório ou no dormitório. Se não discutindo o trabalho, conversando besteira. As vezes as duas coisas se misturavam.

Tivemos trotes nesses períodos, obviamente. Mas nenhum digno de nota, do ponto de vista de pôr em cheque nossos desejos. Foi em uma discussão sobre trabalhos, que acabei falando com eles a teoria que debati com Siqueira em Verão Vermelho.

Pedro, mais experiente no assunto, foi logo ao ponto.

- Ao longo dos meus ficantes, peguei vários caras que usavam diversas alegações para não se definirem como gays. 'não gosto de viado, só de comer viado', 'só como, não dou', 'sinto tesão só se o cara tiver jeito de macho' e blá, blá, blá - e fez cara de impaciência. - Eu nem discutia isso. Até porque, não queria nada sério com nenhum deles. Estava só com tesão, então não me importava com os problemas psicológicos deles.

- Pera aí, você está dizendo que, na sua opinião, somos um bando de viados enrustidos? - Perguntei, erguendo a sobrancelha.

- Eu não disse isso - e fez cara de inocente.

Eu olhei para Elias e ele pra mim, pensamos e concluímos que a resposta era 'sim'. Então demos de ombros e continuamos o assunto.

- Mas eu devo concordar que uma 'desculpinha', ajuda muito algumas horas. - Elias ponderou - digo. Não dá pra negar que somos de forma geral educados a sermos héteros. Por mais liberais que nossos pais possam ser, a ideia é centrada na vida hétero. Família tradicional, filhos e tudo mais. E quebrar isso, de repente, é difícil

- Nem fala - Pedro comentou - Henrique mesmo, pra dizer que me amava a primeira vez, foi quase um parto. Ele simplesmente não conseguia. Tinha um bloqueio.

Eu completei.

- Mesmo aqui no Pracinhas, onde praticamente vivemos em uma Sodoma, ainda assim temos essa... Sei lá... 'estrutura' que nos impede de irmos além da putaria - falei.

- Acho que é mais complexo que isso, Fábio - Pedro se mostrava mais eloquente - essa 'estrutura', como você chamou bem, é em parte repressora, mas em parte libertadora. Ela impõe limites, mas também é o fio condutor que nos permite explorar outras coisas. Por exemplo - e pegou um papel e desenhou um círculo. - Pois dentro dela...- E apontou para o centro - você tem liberdade de atuação, mas desde que não ultrapasse essas linhas - e demonstrou a circunferência. Depois foi desenhando setas que iam da borda ao centro, em diversos tamanhos e formatos - essas são os trotes, a repressão, a hierarquia, a violação. Essas são partes fundamentais da estrutura. Que auxiliam em sua regulação. Empurram você para o centro e o impedem de sair do círculo e de chegar no campo dos sentimentos. - E indicou o lado de fora do círculo.

- Entendi. Elas são os pretextos para que todas nossas experiências sejam nada mais do que brincadeira ou obrigação - Elias concluiu.

- Isso. Encare a linha como sendo algo como um Tabu. E as setas como os ritos ou preceitos que nos impedem de passar pelo tabu

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