CAPÍTULO 3 - DECLARAÇÃO DE GUERRA

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De fato, as rotinas no Colégio Militar Pracinhas eram massacrantes. A exigência era alta e as tarefas diárias idem. O terceiro ano assim acabava tendo menos tempo de nos passar mais trotes nas madrugadas, o que em certo ponto foi bom. Pelo menos para a maioria.

Pois comigo, Siqueira vivia na cola. Ao longo das semanas, mandava eu servir ele no refeitório, carregar seus livros pelos corredores. Era só me ver passar nos corredores e dava uma bronca com relação ao meu uniforme. Podia estar impecável, que ele arrumava um jeito de criticar, ou criar algum defeito, já que uma vez foi ele mesmo quem amarrotou minha blusa.

Conversei com Pedro e Elias e todos concordaram que eu era de longe o calouro que mais sofria ataques. De acordo com eles, nenhum outro veterano os obrigava a fazer as coisas que Siqueira me obrigava. Nesse momento, tive de reservar meu olhar de censura para Pedro, pois me lembrava muito bem o tipo de coisa que Soares o obrigava a fazer. Não comentei nada, pois não queria expor meu colega daquela forma. Quando ele quisesse falar, eu ouviria. Não antes.

Pelo menos as noites não eram interrompidas. Mas era lógico que esse momento de trégua pouco ia durar.

E os dias vieram de fato, passamos por alguns novos trotes. Eram exercícios físicos intensos. Corridas em torno de toda a dependência do colégio, barras, flexões, polichinelos e uma nova modalidade de queimado em que só um lado arremessa a bola enquanto ao outro cabe apenas fugir. Não preciso entrar em detalhes de quais participantes estavam em cada lado.

Mas até ai, trotes que eu podia considerar leves. Sem grande humilhação ou violação. Porém, o dia chegou. Foi numa noite que a sirene de nosso alojamento tocou e o terceiro ano adentrou. Siqueira, obviamente a frente.

- Bem recrutas, hoje os camaradas aqui resolveram fazer uma brincadeira diferente, com alguns selecionados apenas. Então, por favor, os felizardos que eu anunciar irão nos seguir, e os demais, voltem a seus aposentos e descansem. Santos, Pascoal, Albuquerque, Lima, Pereira e Mendes

E saíram. Pedro havia se safado, mas Elias, cujo sobrenome era Pascoal, teve de ir comigo e os demais recrutas eleitos. Fomos até a quadra, fortemente iluminada pelos holofotes. Lá, os do terceiro ano fizeram um círculo em torno de nós. Então, chegou Siqueira, com as mãos para trás, relaxadamente.

- Muito bem, novatos. A brincadeira hoje, diferente de todas as outras, vai trabalhar um elemento muito importante para qualquer soldado, em especial em situações de guerra: a sorte

Ele mostrou dois dados de seis lados.

- Esses dados, irão escolher as duplas, e esses... - Ele ergueu a outra mão mas não a abriu - irá traçar seus destinos.

Os caras do terceiro ano seguraram os risos.

- Mathias, apresente-se - Pediu e um rapaz alto e esguio chegou com uma bandeja.

- Mendes, meu subordinado, venha aqui - chamou e eu obedeci. Siqueira pôs os primeiros dados em minha mão - lance.

Eu fui e joguei os dados na bandeja. Tirei um 1 e 3. - Muito bem - Siqueira consultou na lista - Santos e Albuquerque, cheguem mais

Eles vieram ao centro e ficaram de frente um para o outro. Siqueira pôs em minha mão mais dois dados, mas a manteve fechada.

- Lance - e sorriu maliciosamente

Eu joguei e os resultados foram. Beijar e cabelo

- Porra, Mendes. Tu é sem graça até na sorte. – ralhou comigo - Bem, vamos lá. Santos, você viu. Pode fazer no Albuquerque

A cena em si foi engraçada, pois Albuquerque tinha a cabeça raspada, então não sobrou nada a fazer além de Santos dar um beijo na testa dele.

Todos riram, inclusive eu.

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