Capítulo 3

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Chegando em casa, a primeira coisa que recebo é uma almofada no meu rosto. Luísa tende a ser  um pouco agressiva mas sei que é só de implicância porque não contei a ela o que ela queria saber.
– Você não pode fazer isso com a minha ansiedade. Me conta tudo –
Respondo jogando a almofada de volta para ela e até penso em fazer charme e enrolar mais, mas para ser sincera eu só quero dividir com ela o que aconteceu hoje. 
Luísa torce o nariz e arregala os olhos a cada novo detalhe da aula, principalmente quando contei sobre a forma de Ethan encarar sem medo. 
– Mas você ficou olhando de volta?
– Você queria que eu olhasse para onde? Além do mais é uma sensação estranha... – Busco em minha memória os momentos durante a aula para tentar definir melhor – Não é um olhar que intimida, mas aquece. Só dá vontade de olhar de volta e continuar olhando por muito tempo! – digo sem pensar. Luísa levanta as sobrancelhas em surpresa com a minha fala.– Não que dê vontade de continuar olhando. – tento melhorar a minha fala – Mas é que não é tão ruim quando ele encara. –
– Acho que essa segunda explicação não ajuda em nada. – ela diz com um sorriso debochado, mas muda de expressão me encarando com afeto –  Viu? Não foi tão ruim e você não chegou traumatizada e dizendo que nunca mais vai dar aula. Agora você ganhou um extra e nem tem mais que dar aula para ele. – 
Mexo em um cacho solto do meu penteado 
– Na verdade ele quer mais aulas. Disse que vai pagar a mais para furar a lista de espera– 
Me levanto em direção a cozinha e espero sua reação. 
– O QUE? – 
Como imaginei Luisa surta com a informação e pela próxima hora passa imaginando não só o porquê dele querer tanto as aulas, mas também o porquê dele estar disposto a pagar a mais por elas. Tento não criar expectativas, mas confesso que é ótimo fantasiar alguém como ele interessado por alguém como eu. 
Não que minha autoestima seja ruim. Já passei da fase de querer mudar meu corpo ou alisar meu cabelo, não que tenha algo errado com isso, mas realmente me acho linda como sou. Mas, mesmo tendo consciência e estando satisfeita com a minha aparência, entendo que a mente das pessoas não foi construída para me achar atraente. Até consigo ter alguns encontros com uns caras legais e até atraentes, mas um cara como Ethan se interessar por mim ainda parece ser algo impossível de acontecer. 

Como ainda é cedo, depois de conversar, Luísa e eu nos arrumamos para sair e lanchar em algum lugar já que não temos trabalho para fazer a ambas estávamos entediadas. Saímos e vamos até lá em nossa lanchonete favorita para comer. O local é lindo! Sou apaixonada pelas paredes de tijolinhos, mesas quadradas e algumas com sofá e opções variadas de lanches com preços medianos que permitem que eu coma aqui mais do que eu deveria.
Chegamos em um bom horário em que o lugar ainda não se encontra muito cheio, permitindo que eu e Luisa nos sintamos mais à vontade para ficar por bastante tempo. Sentamos no nosso banco favorito que é um sofá com mesa um pouco afastada, mas que ainda permite ver todo o salão. Tal conforto não dura muito tempo. Não é incrível como, às vezes, quanto mais fugimos de uma situação, mais a situação aparece para nos enfrentar? 
Eu estava em paz! Depois de fazermos nossos pedidos, ouço um alvoroço e a paz vai para o ralo quando vejo o time de futebol americano entrando na lanchonete. Uma dúzia de jogadores e líderes de torcida, fazendo tanto barulho que o ambiente, que antes estava tranquilo com música, agora só se ouvem gritos e gargalhadas. E é claro que Ethan e Adam estavam incluídos nessa algazarra. Como estamos mais afastadas é difícil que nos vejam e aproveito tal distância para observar sem pudor o jogador.  
Apesar de estarmos longe, dá para ver bem seu jeito. Ele é naturalmente incluído na roda e o pessoal não o exclui em momento algum. Mas é curioso como, diferente das outras pessoas do grupo e até do próprio Adam, Ethan não tem aquela expressão até suave que mantemos com amigos que a qualquer momento podem nos fazer rir. Sua feição parece calculada para a multidão, como se estivesse pensando o tempo todo e suas sobrancelhas estão tão tensas como quando nos conhecemos. Mas, diferente como foi na ocasião, sua tensão permanece por todo o momento. Ele conversa com as pessoas, ri, fala uma coisa ou outra, mas sua perna não para de tremer e ele a todo momento passa as mãos pelas pernas como se estivessem transpirando. 
Fico tão absorta  observando o moreno que Luísa, que sabia da chegada do grupo, mas ignorou, vira para trás para saber para onde estou olhando. Quando consegue ver o que tanto chama a minha atenção ela volta seu rosto para mim com uma cara de deboche. Sorrio para ela fingindo indiferença e sigo observando o jogador.
– Acho que você precisa de um babador– ela diz ainda debochando – Nem eu que gosto de jogadores estou desse jeito! – Continuo  indiferente para com sua fala. Ela ri e volta a mexer no celular, mas eu sigo encarando por tanto tempo que me assusto quando de repente o jogador vira seu rosto exatamente para a minha direção.   
  Meu coração quase para com a ação repentina e jogo meu cabelo que está solto, cobrindo meu rosto com os cachos. Pego meu celular para dar uma olhada nas redes sociais e fingir naturalidade.
– Ele olhou para você? – ela pergunta porque sabe meus hábitos quando sou encarada.
– Olhou para cá, mas vou fingir que não vi. – ela ri de mim mas não questiona minhas atitudes.
Luísa deixou de criticar alguns dos meus hábitos a muito tempo porque entende meus limites. Ao contrário de mim, nessa situação, ela provavelmente iria continuar encarando sem medo quando fosse descoberta. Mas eu não sou assim. Nesse momento minha timidez ganha e eu prefiro fingir que a pessoa nem existe. Até porque não sei como é a burocracia para falar com alguém que tive contato apenas uma vez. Detesto essas burocracias com quem não tenho intimidade e não sei como agir.   
Nossos lanches chegam, comemos em um silêncio confortável, mas já quero sair daqui. A atenção de Ethan não se prende aqui então volto a observá-lo sem a menor discrição.
  O grupo está fazendo uma bagunça extrema. Antes apenas faziam barulho, mas agora estão jogando embalagem de lanche no chão, cuspindo bebida para o alto e até fizeram uma mini guerra de comida. O tumulto está tão grande  que o outro pequeno grupo e os dois casais que estavam aqui quando chegamos vão embora quase que correndo. Mas nem tanto barulho chama tanto a minha atenção como quando uma das líderes de torcida se aproxima de Ethan com muita intimidade. Eu já esperava que um cara com sua fama não teria dificuldade de conseguir um rabo de saia qualquer para levar para a cama, mas me impressiona como ele nem precisou se esforçar. Ela é linda. Alta, cabelo liso e loiro batendo na altura  da bunda. De longe não posso ver bem a cor dos olhos, mas parecem ser azuis. O auge do padrão de beleza. Apesar de implicar com esse padrão, não posso negar que a menina realmente é bonita. 
Ela se aproxima de Ethan com um sorriso meigo, pisca constantemente, senta ao seu lado e a todo momento toca em seu braço para chamar sua atenção. Ele por sua vez parece se forçar a dar atenção à garota sem realmente querer, voltando o tempo todo a falar com Adam ou a mexer no celular, porém nunca corresponde ao flerte da menina. Ethan que antes sorria e conversava vez ou outra, fecha a cara de vez e mantém assim por muito tempo.  
– Vamos dar uma volta? – Sugiro 
– Acho que quero ir para casa. Esse pessoal me deu dor de cabeça. – 
Concordo com sua fala, pego minha bolsa e me levanto. Luísa faz o mesmo e vamos em direção ao balcão pagar nossa refeição. Infelizmente tenho que passar muito perto dos jogadores que estão se comportando como animais e pela minha visão periférica vejo a garota que antes sorria normalmente, abrir um sorriso ainda maior com alguma coisa que Ethan diz. Parece que sorrir não é o suficiente e quase tropeço nos meus próprios pés quando vejo que a menina se senta no colo de Ethan. O jogador que antes sorria e respondia, parecendo  decidir parar de fingir conforto, diz algo em seu ouvido com uma expressão muito séria, mas garota não se intimida e continua a sorrir.  
Fico surpresa com sua atitude. Achei que um cara com sua popularidade iria amar uma líder de torcida como ela sentada em seu colo sem que ele precisasse fazer nenhuma investida. A garota praticamente se jogou para cima dele e ele pareceu querer jogá-la no chão.
Mantenho minhas pernas firmes e miro no balcão sem desviar mais minha atenção para lugar nenhum. Apesar de manter minha atenção firme na direção em que quero ir, sinto um arrepio de arrastar por toda as minhas costas me fazendo arfar levemente. Tenho quase certeza de que estou sendo observada e isso só aumenta minha vontade de sair correndo.   
 Terminamos de pagar e eu me recuso a olhar para trás para confirmar minha suspeita de que estava sendo observada. Ou talvez eu só quisesse ter sido vista e a sensação tenha sido coisa da minha cabeça.
– Você sabe que nunca é coisa da nossa cabeça. – Já em casa, Luísa responde. Quando chegamos, aproveitei para contar da estranha sensação que tive quando estávamos saindo. – Você pode não verbalizar isso, mas sempre sente quando é encarada por alguém de perto. Principalmente alguém com quem já teve contato, mesmo que mínimo. –  
–Luísa?! –  eu falo em repreensão – Mesmo que seja verdade não deve ter sido ele. – digo mais para mim mesma do que para ela. Luísa faz um estalo com a boca como se minha fala não fosse verdade.
– Acho que era porque só ele sabe quem você é. Pelo o que você contou, acho que se o tal Adam tivesse te visto, teria vindo falar com você. Já o Ethan eu não sei, mas eu sei que ele viu você . –
– A loira sentou no colo dele. Não deve ter visto mais nada. – 
– Íris, eu não sou cega. Você pode fingir que não viu um conhecido para não sentir a obrigação de falar com a pessoa, mas sabe que eu estou cagando para essas coisas.  Eu vi ele olhando para você quando estávamos no balcão. Fez contigo  a  mesma coisa que você fez a noite toda: aproveitar que a pessoa não está olhando para olhar sem um pingo de vergonha. A garota estava no colo dele e parecia que ele queria tirar um pedaço seu. – Luísa solta as palavras com uma naturalidade que me assusta. 
– Talvez só tenha ficado na dúvida se falava comigo ou não – novamente minhas palavras são mais para mim do que para ela. Querendo ou não, me agrada saber que um cara como Ethan Miller estava prestando atenção em mim. Apesar de ser uma massagem no ego, não vou deixar que tais atitudes me confundam e me façam criar expectativa para uma coisa que nunca irá acontecer.   
Ela revira os olhos e não fala mais nada. Ela conhece os mecanismos que eu uso para não me iludir com qualquer sinal de atenção masculina.  
Já passa de 21 horas e, depois de arrumar minhas coisas para as aulas do dia seguinte, deito e analiso as fotos que tirei mais cedo. Decido quais eu vou postar e mando mensagem pedindo a opinião de Luísa que está em seu quarto e eu no meu. Ela manda de volta quais achou boas para que eu postasse nos stories e eu subo as fotos na plataforma. Quando saio da câmera do instagram, vejo a notificação de que tenho um novo seguidor que, além de já ter curtido minha última foto, já visualizou a imagem que vai sumir em 24 horas.  
Não entra em pânico! Não entra em pânico! Respiro fundo uma, duas, três vezes na tentativa de acalmar as batidas no meu peito. Como esse cara me achou? Por que resolveu me seguir se não temos nada em comum?  
Largo meu celular na cama e passo as mãos pelo rosto em sinal de cansaço. Eu só queria o mínimo de contato possível e agora tenho ele como meu aluno, indo na minha lanchonete favorita e me seguindo na rede social que sou mais frequente e exposta. 
Resolvo pegar um livro qualquer para passar o tempo, mas minha mente volta o tempo todo para o arrepio que senti quando Ethan me secava na lanchonete e nas aulas. A sensação quente que se espalhou pelo meu corpo volta com a lembrança porém afasto o pensamento me concentrando no livro em minhas mãos. 
Por um tempo, minha mente se tranquiliza com o início da narrativa de um clichê. Os protagonistas se conhecem, ela claramente tem sentimentos por ele e ele por ela, mas ela tem medo de admitir seus sentimentos e ser rejeitada e ele só percebe os seus próprios quando ela volta sua atenção para um outro alguém. A leitura segue fluindo naturalmente, quando meu celular apita  alertando uma nova mensagem. Volto a tremer por dentro e o mesmo calor se espalha novamente pelo meu corpo quando visualizo a mensagem e de quem se trata.
 
Ethan M.: Você não fala com seus ‘alunos’ fora do horário de aula?

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