Capítulo 4

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Ethan M.: Você não fala com seus 'alunos' fora de aula?

Levo um susto tão grande ao ver de quem se trata a mensagem que procrastino uns bons 40 minutos para responder. Respiro fundo novamente, vou na cozinha beber água, vou na pequena varanda do apartamento olhar para rua e passo no quarto de Luísa mas ela já está dormindo e roncando. 
Esfrego meus olhos novamente de nervoso e resolvo responder sem pensar muito 

Íris G.: Não quando não tenho certeza se vão responder.

Respondo e largo o celular quando vejo três bolinhas que mostram que ele já está digitando uma resposta.

Ethan M.: Mas eu nunca ignoraria você, professora.

Mas eu ignoraria você exatamente como fiz só em nome da minha timidez. Afinal, nada me garante que ele iria responder, principalmente estando rodeado dos seus amigos atletas. Resolvo guardar essa informação para mim porque ele não precisa saber das minhas paranóias.

Íris G.: Achei que não tinha me visto. E mesmo assim vocês estavam fazendo a maior bagunça  no lugar.

Ethan M.: Os jogadores estavam fazendo bagunça.

Íris G.: Você é um jogador.

Ethan M.: Mas não era eu quem estava fazendo bagunça, professora.

Íris G.: Ethan, eu tenho nome.

Ethan M.: Por que não gosta de ser chamada de professora se você dá aula? 

Íris G. : Porque não quero ser professora

Resolvo limitar minha explicação até aí porque a conversa está caminhando para um terreno muito íntimo e que eu não quero que ele tenha acesso. Já basta essa conversa casual e aleatória. 
Ethan manda um gif  de gatinho confuso e respondo  com um outro gif. Nossa estranha interação acaba aí e consigo finalmente ficar em paz e dormir. 

No dia seguinte, apesar de acontecer só de vez em quando, consigo sair de casa no horário certo. Infelizmente, tenho o péssimo hábito de estar sempre atrasada por dormir demais, mas hoje não preciso ir correndo ou pegar um carro por aplicativo para chegar na aula.  De longe consigo ver Cecília me esperando na entrada do prédio. 
Cecília foi a segunda pessoa que realmente me aproximei da faculdade. Ela e Luísa são minhas companheiras constantes, sendo Luísa em casa e Cecília nas aulas. Estudamos o mesmo curso de Literatura e por isso fazemos a maioria das aulas juntas. Ela tem o hábito de chegar cedo nos lugares e como eu costumo me atrasar, geralmente ela já está esperando. Já tivemos algumas discussões sobre isso, mas agora temos o combinado de avisar quando estamos saindo de casa para calcular o tempo em que vamos nos encontrar. 
– Bom dia! – Digo sorrindo de bom humor. No fundo estou levemente orgulhosa de mim mesma por ter saído cedo.
– Olha só – ela responde sorrindo de volta – Que bonito ver você chegar cedo– ela  me entrega um chocolate. – Trouxe para você – 
Ela me olha com uma cara inocente que quem não a conhecesse como eu conheço acharia seu gesto um simples ato de afeto. 
– Você está querendo alguma coisa, não é? –  ela assente com uma cara nervosa– E é algo que eu não vou querer fazer não é? – ela assente novamente e suas bochechas redondas ficam vermelhas mostrando que está constrangida.
– Esbarrei com Archie hoje e ele me falou do sarau em que vai se apresentar no sábado. Eu disse que iria. – começamos a andar quando ela começa a me explicar com cautela o que está por trás de seu presente interesseiro. – Ele perguntou de você e eu disse que iria te convencer a ir comigo 
– Ceci... eu já avisei que vou para outro lugar. Eu vou na festa da fraternidade com a  Luísa. Por que não vai com a gente? – Por mais que ele não seja uma pessoa ruim, falar de Artie logo cedo já  me deixa irritada. 
– Ele pediu para te convencer. Sabe que ele gosta de você
– Você sabe que ele me irrita 
– Íris, ele irrita todo mundo. Mas ele gosta de você – Ela diz. 
Cecília é uma das pessoas mais pacientes que conheço e às vezes tal paciência faz com que ela faça coisas que realmente não quer fazer. Ao contrário de mim, ao invés de fugir do que a incomoda ela apenas sofre em silêncio e com uma cara simpática. Luísa diz que ela acaba sendo feita de trouxa por isso. E a prova disso é ela se comprometer com uma ocasião que eu sei que não quer participar, mas vai porque deu a sua palavra. Mas pelo visto não quer sofrer sozinha e tenta me levar junto. 
– Olha...  – tento controlar minha agonia – Eu vou, mas não vou ficar a noite toda. Eu passo lá, dou um abraço no Archie, fico no máximo 15 minutos com você e vou embora. Pode ser? – ela balança a cabeça freneticamente em concordância  comigo.
Seguimos pelo corredor e nos afastamos para que eu vá ao banheiro antes do início da aula. Quando saio do banheiro  uma figura grande o bastante para me cobrir com a própria sombra para bem na minha frente. 
– Bom dia, Íris. – O loiro me aborda com uma alegria que já reconheço como sendo tipicamente sua
– Bom dia, Adam – sorrio de volta para sua simpatia –  
– Soube que estava na lanchonete ontem. – diz com um tom de lamento –Por que não veio falar com a gente? – 
– Sabe que seu amigo perguntou a mesma coisa? – Começo a andar e vejo que o loiro me segue. Abro minha bolsa e pego o chocolate que Cecília me deu.
– Ele falou? – ele pergunta em um tom mais alto
– Sim!
– Ele falou com você? – ele salienta a pergunta 
– Sim, Adam! – digo achando graça de sua surpresa, apesar disso, verdade seja dita, sua mensagem me surpreendeu também. – Quer um pedaço? – Ofereço por educação, mas esperando que ele recuse. Não gosto de dividir doces. 
– Está oferecendo de verdade ou por educação?
– Então...por educação. Mas se quiser divido mesmo com você. – Minha resposta o faz gargalhar alto chamando a atenção de algumas pessoas ao redor e ele diz não ser muito fã de doces. 
Por fim o jogador acaba me deixando na sala e se despede dizendo me ver na próxima aula.
O dia passa tranquilo, almoço na própria faculdade e dou mais uma aula de monitoria. Quando chego em casa, no final da tarde, falo com Luísa sobre o sarau em que Archie vai se apresentar. Ela ri quando explico a situação
– Íris, eu te amo, mas estarei pleníssima na festa te esperando. Me recuso a ir em um negócio chato desses. Aliás, sabe que tenho 0 tolerância para esse garoto. – 
O ranço de Luísa por Archie se tornou mais forte no ano passado quando ela, no auge do estresse com uma nota ruim em uma prova e com seus pais passando por um divórcio difícil, Artie achou que seria um bom momento para começar a exaltar seu sucesso acadêmico como primeiro da turma e como seus pais estavam tão orgulhosos que o presentearam com um carro novo.  A inconveniência foi tanta que até Cecília, que é sempre a que tende a ser a mais tolerante com ele, perdeu a paciência com sua falta de noção e tentou chamar a atenção dele com humor para ver se ele se tocava. Ele nunca se toca. Ele seguiu descrevendo como seus pais se conheceram e como faziam para ter um casamento bem sucedido. O que era para ser um almoço calmo para que déssemos apoio à Luísa, acabou com minha amiga mandando ele se fuder e voltando para casa deixando o músico surpreso e constrangido. Desde então eles apenas se tratam com educação e Artie sempre foge de Luísa. 
– Eu não vou demorar lá. Vai ser só para dar um apoio e depois vou para a festa. 
– A festa é longe do café.
– Vou pedir um carro. 
A conversa se encerra e Luísa segue rindo de mim e me chamando de coração mole.

Reconhecendo o AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora