Capítulo 22 - Pergunte Depois

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Eu nunca gostei de hospitais. Eles têm cheiro de produtos de limpeza, ar-condicionado esperando urgentemente por manutenção e morte. Na verdade, não sei qual o cheiro da morte, nunca senti tão de perto. Mas ela é como um perfume agridoce impregnado em ternos moribundos.

Eu senti esse cheiro quando o meu pai foi embora. Senti esse cheiro quando Karen me tirou daquela calçada e me levou para casa. Senti esse cheiro quando cheguei lá e o lugar estava todo quebrado. Senti esse cheiro um bom tempo depois, como se o meu pai tivesse capotado com o carro na beira de uma rua qualquer e por isso não poderia voltar para casa. E essa possibilidade que não passou de uma invenção da minha própria cabeça sumiu um tempo depois, assim como o odor agridoce.

Era e é melhor fingir que aconteceu alguma coisa. É melhor fingir do que pensar que nada aconteceu. Que meu pai apenas... não. É melhor fingir.

Não posso responder com certeza do porquê estar pensando nisso agora. Pensei que estaria cansada demais para sequer raciocinar ou ir atrás de um copo de água. Mas, aparentemente, meu cérebro continua funcionando a mil por hora, e ele não para nem por um segundo. Não me deixando pregar o olho vagamente, apenas para que eu tenha um vislumbre do que é tirar um cochilo em um horário que normalmente eu deveria estar dormindo. Não precisei levantar para buscar a água, ela veio através de pensamentos compartilhados de melhores amigos.

Daniel senta ao meu lado nas poltronas desconfortáveis do corredor do hospital, "Aqui, Reese." Ele me entrega o terceiro copo de água da madrugada, da última vez veio com uma barrinha de cereal.

"Obrigada." Agradeço sem muita animação, até porque não consigo ver ou sentir nada disso.

Coloco o copo na poltrona vazia ao meu lado, sentindo os olhos pesados, mesmo sabendo que isso não me levará a um sono duradouro, e os músculos tensos. Meu corpo está exausto, mas a minha cabeça não quer descansar.

"É para beber, não deixar de lado." Daniel diz, e sei que me observa mesmo que já tenha passado horas que não encaro nada além do chão liso que reflete as luzes de led do teto.

"Eu sei." A respiração do meu amigo começa a ficar audível, o que significa que tenho que responder ou fazer algo a mais do que isso. "Só um minuto, ok? Daqui a pouco eu tomo."

"Quer falar sobre isso?"

Apoio os cotovelos nos joelhos, deixando a minha postura mais carregada possível.

"Não." Respondo, baixo demais.

"Reese..."

"Só um minutinho, ok?" Peço novamente, mordendo o lábio inferior até sentir o rastro do gosto do sangue.

Pisco algumas vezes, observando minhas mãos pálidas manchadas de sangue seco. Não meu, e sim de Colin. Quando toquei em seu rosto e pedi que ficasse quieto, quando subi na ambulância e vi os paramédicos fazerem coisas que não mostram em Greys Anatomy. Levanto tão rápido que fico tonta, ou talvez seja as lágrimas que voltaram a me ameaçar para serem derramadas. Porém eu não quero chorar. Isso me deixaria ainda mais cansada.

"Tem sangue nas minhas mãos." Tento limpá-las com a barra da blusa, mas não consigo, ele simplesmente não sai.

"Reese." Daniel é mais firme quando toca a mão no meu ombro, tentando chamar a minha atenção. Mas não posso olhá-lo agora, preciso me limpar. Preciso tirar isso daqui urgentemente.

"Não está saindo." Digo, finalmente o encarando, como se ele tivesse a resposta do meu problema. Meu coração bate mais forte, parecendo prestes a escapar do meu peito.

O sangue não está saindo.

O sangue não está saindo.

O sangue não está saindo.

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