Capítulo 14 - Mentirosos

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O pânico é inevitável quando tudo que pedem é para que não entremos em pânico.

Meu pai sempre falava que o pânico tem um poder destrutivo de acabar com a vida das pessoas. Sempre me perguntei se ele sentia esse pânico, se foi isso que o levou a sumir para sempre. Talvez ele sentisse medo, talvez a minha mãe sinta, mas eu tento não senti-lo. Porém, estar parada no meio da estrada, à noite, traz lembranças indesejadas de um medo que faz um nó no meu estômago.

Estávamos a caminho de McClellanville. Estávamos a caminho de Hill Davis. O pneu do ônibus escolar deu algum problema. Algo no motor do carro pifou. O treinador começou a pedir a nossa calma e paciência. Minha mãe e meu pai começaram a brigar.

"Eu já assisti muitos filmes de terror para saber como isso vai acabar." Dylan começa, olhando de um lado para o outro com os olhos azuis arregalados. Desconfiada de qualquer barulho suspeito. "O idiota do Travor vai inventar que essa é uma boa hora para fazer xixi no mato e alguma coisa vai fazer com que ele suma. Nesse meio tempo o pneu já vai ter sido trocado, mas cadê o Travor? Ele sumiu! Vamos procurá-lo! E assim todos começam a morrer, um por um. Sobrando apenas um grupo de amigos inteligentes em que apenas um sairá vivo."

"Você não está ajudando, Dylan." Daniel murmura, de cara amarrada pela situação.

Floresta de um lado, floresta do outro. A estrada até McClellanville é um pouco escura, assustadora para falar a verdade. Digna de um daqueles filmes de terror que Dylan tanto gosta de assistir. Ela até fez uma lista enorme desses tipos de filmes, desde os mais engenhosos até os mais toscos, maratonando-os desde o verão passado. Por isso sua imaginação anda fértil e cheia de péssimas ideias. Mas não tenho medo de filmes de terror, eles não me incomodam. O que me inquieta são as lembranças furiosas da minha cabeça.

Na maioria das brigas dos meus pais, eu nunca conseguia lembrar os motivos. Eram tantos, mas ao mesmo tempo pareciam ser apenas um. Aparentemente, essas são mais das memórias bloqueadas pelo meu cérebro, assim como acontecia com o Colin. Mas aquela discussão foi estranha, foi especial. O estopim para uma série de acontecimentos que levou meu pai a desaparecer. Era algo sobre uma galeria de arte, e em como todas as outras brigas, era culpa da minha mãe.

Estar nesta situação, mas em um contexto diferente, engatilhou uma arma que disparou uma memória que fere mais do que uma bala. Me pergunto até quando continuarei sentindo essa raiva, esse rancor. Pergunto-me se algo irá mudar ou piorar se eu finalmente responder de forma sincera as mensagens da minha mãe. Eu até poderia bloquear o seu contato, porém não consigo, deixando que suas perguntas e explicações sem lógicas inundem a minha caixa de mensagens.

Deixo os meus amigos em uma discussão boba para trás, caminhando com os braços cruzados rente ao peito para mais perto do ônibus. Passando pelo motorista e o treinador, agachados olhando um mísero pneu à meia hora. Subo novamente no veículo, com as luzes apagadas e os fumês das janelas deixando o ambiente mais escuro.

Recuo um pouco no espaço estreito entre os bancos quando barulhos estranhos saem lá de trás. Contudo, tomo coragem para continuar andando, com as premonições de Dylan começando a parecer cada vez menos idiotices. Será que a possibilidade de Travor estar agonizando de dor por ali é real? Será que somos protagonistas de um filme de terror? Será que eu sou figurante!? Que a minha participação neste filme é suficiente para apenas quinze segundos de fama?

Uma cabeça loira sendo bagunçada por mãos grandes aparece, e rapidamente reviro os olhos quando Adam e Jane param de se beijar ao notarem a minha presença. De certa forma fico aliviada, mas por outro lado isso parece bem pior do que ver Travor agonizando. Depois do jogo de vôlei, ele me seguiu no Instagram e falou comigo como se fôssemos amigos. O que não somos. Todo o meu ódio está direcionado ao Lockwood, não quero ter que compartilhá-lo com outro cara.

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