Conto: Poeta da Madrugada

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Quando a conheci, estava no horário de almoço do Serviço, ela chegou em silêncio sentou-se na minha frente e comprimentou-me.

Ela era linda, tinha um cabelo ruivo, sardinhas no rosto, um óculos grande que era quase cômico, um sorriso e um corpo que prendia a atenção de qualquer homem, e uma voz que aquecia meu cerne e arrepiava minha pele.

A respondi com um sorriso e perguntei se estava bem? Ela sorriu, e notei que suas bochechas haviam ficado vermelhas.

Ela me disse que eu tinha uma voz muito bonita, parecia a de um locutor de rádio, eu sorri e disse que talvez de um poeta da madrugada, ela franziu as sobrancelhas e me perguntou o que era isso?

Não podia deixar a oportunidade de me tornar mais íntimo com aquela conversa escapar, mas não imaginava o quão íntimo me tornaria. 

Disse a ela:

— Vou lhe mostrar, feche os olhos.

Naquele momento em minha cabeça meus pensamentos estavam a uma velocidade quase incalculável, e então quase como um estampido de uma bala, a inspiração veio:

— É madrugada e você está em casa sozinha a ouvir no rádio algumas músicas românticas. Solitária com saudades de qualquer afetuo ou carinho verdadeiro que se recorda, surge a ideia de ligar para alguém, e minha voz ressoa no rádio recitando uma poesia, você não pensa duas vezes e liga para a emissora. Seu coração bate na mesma velocidade que a do bip do telefone, ansiosa para ouvir minha voz e eu logo atendi. Você me cumprimenta e diz que estava me ouvindo no rádio e que queria conversar comigo, eu paro tudo o que estou fazendo, ponho uma música para tocar, Luis Armstrong La vie en Rose.

Nesse momento eu coloco para tocar no meu telefone quase no mesmo instante, tentando fazer com que ela entrasse em uma espécie de transe. E consigo.

Logo eu continuo:

— Eu digo, Pois bem querida. Sobre o que quer conversar? E você diz Não sei só fale comigo estou me sentindo solitária. Assim eu começo: estou indo até você, e vou abaixando minha voz quase até sussurrar no telefone.

No mesmo momento levantei e fui caminhando até ela. E a história e o presente caminhava junto como se fosse um só 

Cheguei próximo do seu ouvido e disse:

— Dance comigo.

Peguei em sua mão e o toque da pele parecia sensibilizar todo o meu corpo. Percebi que fazia o mesmo com ela pois sua respiração havia se alterado, e nesse mesmo momento um solo de saxofone com a voz grave do cantor havia se homogeneizado com o ambiente e já não sabia quem estava em transe se eu ou ela, fechei os olhos, encostei meu rosto ao dela, e sussurrei em seu ouvido:

— Você não está mais sozinha, estou aqui com você.

Ela encostou a bochecha macia em meu rosto áspero e tudo a minha volta havia desaparecido estávamos em uma sala escura, ao fundo a vitrola tocava e nós dançávamos e adentravamos na imaginação cada vez mais fundo, seu coração palpitava junto ao meu e éramos um só. Até que ela sussurra em meu ouvido

— Me recite uma poesia.

Então aquele soneto surgiu do fundo das minhas lembranças quase como se aguardasse aquele momento e se transbordasse em amor como em votos de casamento.

Era o soneto de fidelidade de Vinicius de Moraes, e o recitei.

E minha voz saia de uma forma que nunca havia saído, eu estava tão dentro da minha própria fantasia, que temia quando saísse. A música logo terminou e o transe se foi junto dela, quando abrimos os olhos outras pessoas do Serviço haviam se reunidos no ambiente, ela timidamente me beijou. E naquele momento o poeta havia encontrado sua maior poesia, e havia adentrado tão fundo nela, que já não sabia se era criador da história ou criação dela.

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