conto: O Rio

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O Rio

        Foi enquanto morava em uma fazenda distante as margens do rio Paraíba que conheci aquele Sábio, era 14 de agosto, numa manhã fria, levantamos cedo para recolher as emalhas, e por conta da escuridão da madrugada, não notamos nada de anormal, saímos as 4 horas da manhã e havia um cheiro embriagador de algo apodrecido no ar, mas não conseguimos discernir o que era. Voltamos uma hora depois com uma quantidade um pouco amena de peixes do que o comum, contudo, era como qualquer outro dia. Os rapazes subiram para levar os peixes e as mulheres logo viriam para o rio para lavar a louça e pegar água para preparar o alimento. Por conta de ser uma região muito pobre as pessoas viviam do Rio, da pesca, da água para a limpeza dos utensílios, do preparo de comida, da própria água para beber,  tomar banho e as crianças também desciam no final de semana para brincar e nadar. Mas nesse dia encontrei algo que me deixará dias em total reflexão, e tormenta. 

Sobre o Rio, a uns 20 km havia uma avenida movimentada e era já conhecida como um ponto em que as pessoas davam fim as suas vidas. Em algumas noites anteriores duas pessoas cumpriram a promessa da ponte e pularam. Acabou que no dia anterior foram parados por algumas vegetações há 20 km descendo o rio sem que ninguém notasse, justamente, onde nós atracamos o pequeno barco. 

Demorei a ver o que causava tanto mal cheiro até que os encontrei. A princípio a vertigem e o terror me tomaram conta, nunca havia visto corpos sem vida e senti vontade de correr e pedir ajuda. Mas logo o sábio apareceu e o vi pela primeira vez, o senhor corcunda, da pele franzida e fina, dos olhos negros e de uma barba branca e bem grossa, tocou no meu ombro e me indagou:

— Você está com medo, meu rapaz?

Disse que sim.

Ele virou os corpos de face para cima e sentou-se ao lado deles.

A princípio imaginei que se tratasse de um louco, mas logo ele começou a falar.

— Essas pessoas são suicidas, sofrem a vida toda por tormentas que nem eu, nem você aguentariamos passar sem que assumissemos o mesmo lugar onde estão agora.

Ele mexeu no bolso com muita delicadeza e respeito aos corpos e tirou de suas carteira, seus documentos, e disse:

— Veja que esse homem era já bem velho, 42 anos, e esse outro 23. Idades um pouco distantes uma das outras não acha?

Não respondi, e ele prosseguiu falando: 

— Você tem quantos anos? 

Disse que tinha somente 19, e o velho consentiu, e me disse que eu era muito novo ainda para entender. 

—Veja bem. O velho começou. Não me lembro mais quantos anos eu tenho, mas posso dizer que vivi muito mais que esses jovens rapazes, e muito mais ainda que você...

Cortei o que o velho dizia. Estava um pouco enojado pelo cheiro que aquilo exalava, e perguntei se ligaria para alguém para polícia ou algo do tipo, o velho me respondeu que não que aquelas pessoas queriam se afastar de tudo dos homens, dos trabalhos, das contas, das decepções, das responsabilidades, da família, das doenças, das brigas, da fome, do frio, de tudo aquilo que a vida deles constituía. E ainda mexendo nos documentos dos rapazes me disse que o mais idoso era médico, e o mais novo policial, disse que as pessoas fazem isso constantemente naquela região, eu disse que então aquela região era amaldiçoado, ele consentiu, mas completou dizendo que não por almas ou demônios, e sim por pessoas também como nós. Disse que carregavam algo mais pesado do que qualquer outro ser poderia imaginar. E logo quando a aurora se levantou, ele colocou a mão no ombro dos rapazes e deu um impulso, fiquei irritado e o xinguei por não ter feito nada, ele se levantou e olhou nos meus olhos com um olhar paterno e me disse:

— À vida garoto precisa seguir seu curso, como o rio, quando eles pularam eles queriam se livrar de tudo aquilo que lhes pesavam, queriam que o rio os ajudasse a carregá-los por estarem cansados de mais. E não podemos trazê-los de volta à terra, por que todo esse peso, serão retornados para eles mesmo no estado atual, precisamos que o rio os levem, e levem juntos toda a mágoa, a tristeza, e tudo que eles carregaram. 

Olhei para os corpos que desciam o rio até que já não os distinguia mais. Quando olhei para trás não vi mais o velho e pensei que tivesse ido embora, e logo fui também sem entender muito tudo aquilo.

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