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Eu estava feliz voltando pra casa dessa vez, diferente de ontem. Depois daquele drama todo, tivemos que voltar para sala e tomamos uma baita bronca do professor por chegarmos atrasadas, mas ele não deu nenhuma advertência, acho que percebeu meus olhos inchados. Bem, não só ele percebeu como a turma toda. Acho que a pior parte de entrar na sala foi todos os olhares cercando eu e Lexi, bom, acho que essa foi sempre a pior parte, não importando o dia.

- Cheguei mãe! - Eu aviso enquanto fecho a porta de casa, tiro meus tênis e deixo perto da porta. Posso escutar o som da televisão em uma novela que eu não conhecia.

Sigo o som e vejo minha mãe sentada no sofá de braços cruzados e uma taça de vinho em cima da mesa de centro, estranho ela estar tão quieta e me aproximo lentamente enquanto observo a televisão.

- E essa novela aí? É sobre o quê? - Ela nem sequer me encara.

- E desde quando você se interessa por novelas? - Eu não respondo.

Suspiro cansada e me sento ao seu lado, largo minha mochila no chão e encaro minhas mãos em uma tentativa falha de lidar com aquele silêncio desconfortável na sala.

- Bem, como foi seu dia então...? - Eu tento novamente iniciar um novo assunto. Ela suspira pesado e pega a taça na mesa de centro tomando o resto do vinho, podia ver as pontas dos dedos dela ficando brancas de tanta força que ela segurava.

- Cecília, não me perturbe. Peça logo o que você precisa e me deixe em paz. - Eu levanto e pego minha mochila.

- Posso dormir na casa da Lexi?

Depois de alguns segundos em silêncio, ela finalmente me encara. Virando a cabeça de uma forma totalmente robótica e estranha. Ela me encara por longos minutos, ou talvez tenha sido só alguns segundos que com certeza pareceram mais longos do que deveriam. Ela ri de lado e vira o rosto para a televisão novamente.

- Faça o que quiser.

Eu fico quieta e vou para o meu quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Quando minha mãe estava nesse estado, eu evitava fazer qualquer coisa que pudesse irrita-la, eu tinha muito medo do quê ela era capaz de fazer, ou até mesmo dizer para mim.

Eu pego tudo o que precisava, pijama, escova de dentes, dinheiro (pro caso da gente escapar pra algum lugar durante a noite) e mais alguns itens. Saio do quarto e percebo minha mãe da mesma maneira, passo pela sala com esperança de que ela me deixe sair sem dizer nada, mas isso não acontece, claro.

- Cecília.

Ela me chama e eu dou meia volta, paro na porta da sala e sorrio pequeno tentando apaziguar qualquer coisa que possa sair da boca dela.

- Sim, mãe?

Ela coloca mais vinho na taça e posso ver também na mesinha de centro o telefone dela tocando com uma ligação do meu pai, ela ignora e encara a TV segurando a taça com a mesma força desnecessária de sempre. Eu podia sentir, que ela estava se segurando para não jogar aquilo em mim.

- Vê se não envergonha a nossa família.

Eu fiquei quieta, a encarando.
Tentando entender o que ela queria dizer com aquilo.
De qualquer forma, qualquer sentido que tenha essa frase, eu com certeza vou ficar mal. Então deixo isso pra Cecília de amanhã se preocupar e pensar. Hoje foi um dia bom, e eu preciso que ele continue assim pelo resto da noite.

- Tá bom. - Eu digo mas antes que eu deixe a sala, eu comento - E vê se a senhora atende o papai.

E posso ouvir finalmente a taça rachando enquanto me retiro da sala.

[...]

- Me conta tudinho!! - Eu entro no quarto da Lexi rindo de sua animação. O quarto dela era bem bagunçado, tipo, mesmo.

Era tão colorido que me deixava tonta, eram tantos pôsteres de anime. Tantos funkos. E sempre tinha alguma coisa passando na TV, ou no notebook, ou até na JBL na mesinha de canto dela. Dessa vez ela via uma coisa chamada RPG, o que é isso? Eu não faço ideia. Ela sempre tenta me explicar mas eu nunca entendo nada, ela até tentou fazer eu ver mas eu não tenho paciência alguma. Mas eu deixo ela falar sobre isso, ela parece gostar e sinceramente não é como se tivéssemos outros amigos que possamos comentar sobre as coisas que curtimos.

- Calma! Fecha a porta primeiro. - Ela fecha e pula na cama do meu lado sorrindo.

- Fala!

- Ok, calma, deixa eu respirar. - Eu rio e ela revira os olhos - Bem, não teve um começo. Eu só percebi que gostava da Stephanie, como nunca gostei de outra pessoa.

- Que broxa. - Eu dou um tapa nela - Aí! Mas sério, não teve nada de incrível na hora que você percebeu isso?? Tipo, quando eu me liguei que eu tava gostando do Naithan, foi quando eu vi ele jogando basquete com os garotos e tudo ficou em câmera lenta. Não teve nada assim??

- Bem, não. Eu tava preocupada demais em entender se o que eu sinto é errado pra focar em coisas clichês assim. - Dessa vez é ela que me bate - Aí! Bom, de qualquer jeito, não é como se fosse rolar algo entre mim e ela. Eu nem mesmo sei se ela gosta de mim, nem mesmo como amiga!

Ela fica em silêncio por um tempinho, o que me preocupa. Porque se a Lexi tá em silêncio, é porque ela tá pensando, se ela tá pensando é porque ela teve uma ideia e geralmente não é uma ideia boa.

- Cecília...

- Não.

- Mas você nem me deixou falar!

- Mas a resposta já é nã-Ai cacete! - Ela me bate novamente - Aí que saco, fala Lexi.

Ela levanta e me puxa pra levantar da cama, fico confusa mas levanto, ela anda comigo até o espelho e ficamos encarando nosso reflexo juntas.

- Ce, eu sei que talvez você possa não curtir essa ideia. Mas, e se a gente fosse no tal baile de inverno? - Eu encaro ela com a pior expressão possível - Eu sei que a gente combinou de ficar o dia todo vendo 50 tons de cinza e rindo do quão tosco esse filme é, mas sabe, pode ser legal! Vai que a Stephanie te nota e vai que o Naithan me convida pra ir junto sabe? Pode ser divertido e abrir várias portas pra gente!

Eu suspiro pesado e cruzo os braços negando com a cabeça, já preparando o que eu dizer pra Lexi pra negar toda aquela ideia boba. Eu nunca iria naquele baile estúpido.

- Sabe, eu realmente não queria passar meu ensino médio sem viver nada. - Ela cruza os braços também e ajeita o óculos.

Penso um pouco depois do que ela diz. Respiro fundo.

- Bem...eu acho que tudo bem. - Ela sorri feliz - Mas se tudo for uma merda, a gente vai embora e nem adianta insistir que eu fique! - Ela me abraça e eu rio.

- Ótimo! Vai ser super legal e eu tenho tanta coisa planejada! - Ela me solta e vai direto em uma gaveta do armário, tirando várias revistas e jogando tudo na cama. O que me deixa com medo de novo.

Eu me aproximo das revistas e percebo que são sobre moda, maquiagem, skin care e, sinceramente, tô começando a me arrepender muito dessa ideia. Eu encaro Lexi e ela sorri.

- Só você pra aceitar isso, Ce.

- Só você pra ter uma ideia dessa, Lexi.

Eu odeio amar você.Onde histórias criam vida. Descubra agora