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Quando meu pai voltou, veio com poucas informações sobre a Stephanie, me dizendo que a lavagem estomacal já havia terminado e agora ela estava no quarto do hospital com o médico conversando com os pais. Eu fico pensativa, percebendo que até então nunca tinha visto os pais dela, nem mesmo na escola.

- Então ela já pode receber visitas? - Eu pergunto mais calma, com o remédio fazendo efeito.

- Creio que sim, filhota. Podemos esperar na porta do quarto. - Eu levanto da maca junto de Lexi.

Saímos em direção ao quarto de Stephanie, poucos minutos depois que chegamos a porta é aberta e o médico sai com alguns papéis na mão.

- Senhor! - Eu o chamo - Nós podemos entrar? Queremos vê-la. - O médico ajeita o óculos e nos encara, assentindo.

- Claro, só tentem ser compreensivos. Casos de tentativa de suicídio são delicados. - Nós assentimos e o doutor se vira, indo embora.

- Vocês podem entrar, eu vou ficar aqui fora e caçar algum café. - Meu pai diz.

- Tudo bem. - Eu respondo e ele também sai pelo hospital. Encaro Lexi, meio com medo, ela faz um sinal pra quê eu respire fundo e entramos juntas.

O quarto tinha uma luz branca bem forte, com uma maca no meio e uma televisão bem em frente a mesma. De decoração, não havia muita coisa além de uma planta no canto do quarto e um quadro meio abstrato pendurado. Stephanie, estava em cima da maca pálida e encolhida, seus pais estavam ao seu lado falando alguma coisa baixa.
Ao entrarmos, eles olham em direção à porta. Seu pai se afasta da maca com os braços cruzados nos analisando, enquanto sua mãe simplesmente vira novamente pra ela e sussurra alguma coisa antes de passar por nós de forma grosseira saindo do quarto.

- Suas amigas? - O pai dela pergunta e ela assente, com a cabeça baixa - Hm. Vou ir atrás da sua mãe. - Ele dá uma última olhada em direção à Stephanie e se retira do quarto da mesma maneira que a mulher.

Me surpreendo com essa postura dos dois, esperava alguma cena de pais chorando e perguntando o porquê do filho ter feito o que fez. Ou os filmes que tenho visto me deixaram dramática.

- Oi. - Eu digo, meio sem jeito agora que vejo ela, ela me encara e depois olha pra Lexi, não dizendo nada - Como você tá?

- Frustrada por terem me encontrado. - Ela solta uma risada sem graça, nos aproximamos da maca e ela ainda mantém a cabeça baixa.

- Seus pais estão bravos? - Lexi pergunta e Stephanie dá uma risada baixa.

- Quase isso. - Ela coloca a mão na cabeça e não consigo mais ter visão dos seus olhos.

Eu olho pra Lexi e ela percebe, saindo da sala deixando eu e Stephanie sozinhas. Assim que a porta bate, com calma eu toco a mão de Stephanie que leva um leve susto mas não se afasta, eu seguro a mão dela a tirando do rosto, ela levanta a cabeça me olhando e eu sorrio fraco.

- Sinto muito por não ter notado e não ter te ajudado. - Eu começo mas ela afasta a mão dela que eu segurava, balançando a cabeça negativamente.

- Não é culpa sua. Eu faria isso de qualquer maneira, mesmo que você percebesse.

- Por que você fez isso? - Eu pergunto e ela desvia o olhar.

- Tô cansada, Ce. - Ela diz encarando a planta no cantinho - Todos os dias eu sinto uma agonia crescente dentro de mim e eu não consigo mais dormir direito a noite pensando em tudo que eu fiz com você e com sua amiga. Não suporto mais ter lembranças e viver carregando um fardo que eu nem mesmo escolhi carregar, e mesmo que o Naithan já tenha ido embora a muito tempo, eu não consigo fazer ele ir embora da minha mente. Todos os toques forçados, todas aquelas palavras e manipulações...toda essa minha estupidez que foi capaz de cair em tantas mentiras e esse meu medo ridículo de não fazer nada pra acabar com tudo isso e os meus pais...eu só... - Ela desabafa e posso perceber ela se auto beliscando pra libertar toda a raiva, seguro sua mão novamente e seus olhos lacrimejam. Ela me olha, antes de levantar a roupa que usava e me mostrar as mesmas manchas roxas e amareladas nas costelas, mas dessa vez estavam muito mais aparentes - É isso aqui que eu vou ganhar quando chegar em casa por não ter conseguido me matar e ainda ter dado tanto trabalho e despesas pra eles. Além de levantar suspeitas de abuso.

Ela abaixa a roupa e eu fico chocada.

- Stephanie por que você...

- Eu não contei nada porque era o melhor a se fazer, Cecília. E por respeito a minha mãe, aquele é meu padrasto. - Ela olha pro lençol branco fino que estavam sob suas pernas.

- Quem fez isso com você? - Eu pergunto, fechando as mãos em punhos sentindo minhas unhas pressionando a pele da mão. Tão forte, que posso sentir arder. Stephanie me encara, percebendo minha expressão fechada.

- Não diga nada, Cecília. Por favor. - Eu não respondo e ela suspira - Foi ele. Quando minha mãe se casou com ele, ele ficou meio controlador. Ele era legal antes, durante o namoro. Mas quando começou a morar com a gente, fez minha mãe mudar drasticamente, sabe? Não lembro direito da última vez que ela me abraçou. - Ela ri fraco, e posso ver ela segurando as lágrimas - A primeira vez que ele bateu foi quando eu mudei o canal que ele tava vendo na TV. Ele deu um tapa na minha mão, na hora eu ri, mas quando olhei pra ele, percebi que não era brincadeira então me afastei. Ele veio no meu quarto depois pedir desculpas dizendo que estava tendo um dia estressante, que foi reflexo...eu perdoei. Mas você sabe bem como essas coisas acabam, quando notei, isso virou rotina. Ficando cada vez mais pesado, mais dolorido...Nas primeiras vezes, minha mãe intervia dizendo que se ele fizesse de novo, ela jogaria ele pra fora de casa. Mas acho que com o tempo ele foi fazendo a cabeça dela, como se isso fosse uma forma de me disciplinar.

Eu escutava tudo calada. A raiva só crescendo dentro de mim, eu queria correr e poder contar tudo aquilo para uma assistente social, policial, qualquer pessoa que pudesse ajudar e salvar Stephanie daquele inferno diário. Mas tenho medo de que ela não me perdoe.

- Naquela noite do baile, nem eu sei como estava de pé. - Ela abaixa a cabeça - Eu levei tantos socos nas costas quando mostrei meu vestido, fico surpresa de ter conseguido sair de casa. - Ela sorri simples. - É tão engraçado, o jeito que as coisas mudam. Que as pessoas mudam. - A voz dela falha no final e ela cobre o rosto com as mãos - Me desculpa, Cecília. Por tudo aquilo que te fiz, me perdoa...

Ela começa a chorar compulsivamente, eu chego perto dela e a abraço.

- Eu já te perdoei, meu amor. Não se martiriza por isso, a única coisa que eu quero é que você fique bem. Que seja feliz. E só. - Eu acaricio seus fios, e meus pensamentos sussurram bem no fundo "Mesmo que você me odeie depois de tudo isso"

Eu me afasto suspirando e ela me encara, sua expressão confusa por eu ter me afastado, fazendo meu coração doer.

- Eu preciso ir, volto depois, tudo bem? - Ela seca as lágrimas com calma, assentindo.

- Volta logo... - Ela pede - Por favor. - Diz meio baixo, parecendo envergonhada. Eu sorrio, chegando perto da mesma e segurando seu rosto, ela coloca as mãos sobre minha cintura me puxando pra perto e nossos lábios se encontram em um beijo cheio de saudade, mas calmo.
Ao se afastarmos, deixo alguns selinhos sob seus lábios. Ela deixa um beijo em minha testa e eu sorrio feliz - Até. - Ela fala sorrindo mínimo.

- Até. - Eu também digo e saio da sala, sorrindo bobo.

Respiro fundo, não podendo esquecer o que eu estava para fazer. Seria arriscado, e um tanto audacioso, mas eu não podia mais só ficar olhando outras pessoas desgastarem a minha menina. Ficar esperando que ela se vá. Eu não deixaria que eles acabassem com a minha chance de ser feliz ao lado de Stephanie, e mesmo que tenha a chance dela não me perdoar por ter feito isso, eu precisava agir e ser egoísta, dessa vez.
Era o que eu pensava enquanto minhas pernas caminhavam até um segurança.

Eu odeio amar você.Onde histórias criam vida. Descubra agora