Capítulo Dezessete

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21 de Dezembro de 2009

Acordei no sofá da sala, com o sol das sete da manhã em meu rosto. O cheiro de pão torrado preenchia todo o local, junto com alguma música do Paramore que a minha irmã vivia ouvindo dia e noite.

Quieta e um pouco sorridente fazendo uma jarra de suco. Parecia satisfeita. Fazia tempo que não a via assim, fazia um tempo que não a via na verdade, tinha virado uma estranha dentro de casa. As vezes acho que ainda é, mas está tentando se acomodar de novo. Talvez nossa conversa ontem tenha ajudado a acalmar o que estiver deixando-a triste. Me ajudou também.

— Bom dia, feia — Digo ao sentar na bancada da cozinha.

— Bom dia... Quer suco?

— Quero sim. Dormiu bem?

— Não... — Responde sem jeito, entregando o copo — Fiquei assistindo filme com você no meu colo até as quatro e pouca. Depois levantei e fui pro meu quarto ler. Dormi só uma hora e meia eu acho.

— Agatha, sério, o que tá rolando? Você dormia pra caralho todo dia, agora parece que vive a base de café, só que sem café.

— Não é nada de mais, só faculdade — Diz evitando me olhar nos olhos — Fico sem sono preocupada com trabalhos e provas...

— Sei... O que vai fazer o que hoje?

— Tenho aula até as quatro da tarde, depois vou ficar deitada até o dia seguinte.

— Vou tentar falar com a Emma. Ela ainda é o problema mais fácil de resolver.

— Pois é, nunca vi alguém pra arranjar tanto problema igual você.

— É isso que dá ser o personagem principal da minha vida né — Respondo rindo, mas na real faria de tudo para não ser.

Agatha entra em seu quarto depois de comer e não a vi saindo mais. Não acho que tenha acalmado ela tanto quanto me acalmou.

Como todos os outros dias procuro alguns de meus amigos. Emma ainda cercada de pessoas como sempre, Daniel em nenhum lugar visível e Miguel provavelmente deve estar com os amigos dele — seja lá quem forem.

Mas por incrível que pareça, o vejo em frente a sala do diretor. Com uma folha em mãos e um olhar cabisbaixo.

— O que aconteceu? — Pergunto ao chegar perto. Ele esconde sua folha.

— Oi Ben, como você tá? — Ele fecha sua mochila se virando em minha direção — Ía mandar mensagem ontem mas fiquei ocupado com algumas coisas... — Ele tenta mudar de assunto.

— Não tem problema, eu também fiquei ocupado com algumas coisas, então não ia poder ficar conversando — Sorrio, ele claramente não quer falar sobre esse assunto.

— Que aulas você tem agora?

— Tenho matemática e você?

— Inglês, nossas tabelas devem ser de seções diferentes — Comenta mostrando um papel com sua tabela.

— Como assim seções diferentes? — Pergunto, por que nunca ouvi falar disso já que aparentemente Daniel, Emma e eu estamos na mesma sessão — E você realmente não vai me contar o que tava fazendo na diretoria?

— Sim, são quatro seções olha: A, B, C e D. Pra dividir os alunos pra não ter superlotação de sala. Você tá aqui a quase um ano e nem sabe disso? — Ele com certeza não vai me contar o que estava fazendo lá. Melhor parar de perguntar mesmo agora.

— É, nunca falei com ninguém de outra seção.

— Entendi — Ele diz com um olhar meio julgador — Você vai passar o intervalo sozinho de novo? — Pergunta, começando a andar para sua sala e fazendo menção para acompanha-lo.

— Provavelmente... por quê?

— Por que não senta comigo e meus amigos então?

— Não sei, não sou o tipo de pessoa que conversa com pessoas de outra seção — Brinco.

— Isso é preconceito sabia? — Ele ri de volta, ajeitando sua mochila

— Vou sim. Procuro vocês no refeitório, okay?

— Tudo bem! — Ele pisca antes de se virar. Ele piscou para mim?

Para minha sorte, Emma também tinha matemática no meu horário, mesmo que sentasse um pouco distante e estivesse conversando com uma amiga. Tomei coragem e andei até sua mesa. Estava de costas, então não me vê chegando.

— Oi Ben... — Ela me cumprimenta com um sorriso fraco mas genuíno quando se vira na cadeira — Como você tá?

— Eu tô bem. Faz tempo né?

— Pois é, você fez novos amigos — Acho que se referia a Miguel, estranho ela notar, estava sempre rodeada de pessoas.

— Sim. Vamos almoçar juntos hoje com alguns amigos dele. Só queria saber se podíamos conversar antes disso.

—  Claro que sim, no início do intervalo pode ser? Agora eu tô um pouco ocupada com uns probleminhas.

— Okay, eu passo lá — Retorno pra minha cadeira com  sensação de ter lavado um fora.

Passei a aula sentindo uma tensão horrível. Nunca tinha conversado com Emma assim, nem no meu primeiro dia. É como se ela estivesse me evitando ou, sei lá, incomodada comigo. Pelo menos vou poder esclarecer tudo hoje, pelo menos com ela. Preciso pensar no que dizer.

Duas aulas que mais pareciam dois anos se passaram e pude finalmente ir atrás de Emma. Por mais desinteressada que ela parecesse antes, já estava em pé em frente a porta da sala me esperando.

— Como foi a aula pra você?

— Muito chata. Sobre o que queria conversar? — Pergunta em um tom apressado, direto ao ponto.

— Queria pedir desculpas. A gente não se fala mais, eu afastei a gente sem perceber e--

— Ben, quem afastou a gente fui eu.

— O que? — O choque do que ela fala passa pelo meu corpo. Por essa não esperava.

— Fui eu quem parou de te procurar, de andar atrás de você por tudo quanto é canto — Solta como se fosse a coisa mais óbvia do mundo

— Mas, mas como assim? Por que?

— Por que? Ben, as pessoas tem jeitos diferentes de seguir a vida delas. Eu tenho muitos amigos e gosto de passar meu tempo com todos eles. Andei muito com você quando chegou por que era novo e precisava da ajuda. Não me entenda mal, você é muito divertido e tem muitos problemas pra resolver e isso é muito interessante. Mas eu também tenho outros amigos aqui e preciso dar atenção a eles também.

— Eu...

— Você entende? Não é você. Te afastei por que não precisava mais de mim, mas ainda somos amigos.

— Entendo... — Nossa. Definitivamente não esperava por isso.

— Relaxa, eu tô aqui ainda se você precisar de mim – Ela sorri e acena indo embora.

Que balde de água fria recebi agora. Mas faz sentido, Emma nunca foi de compartilhar muito da sua vida, talvez por que já tivesse um amigo para isso. Talvez já tivesse um amigo para muitas coisas e eu era só o garoto novo que ela queria ajudar. Foi bobo da minha parte achar que a garota que sempre estudou aqui não ia ter nenhum outro amigo além de mim. E não é como se ela não tivesse me avisado quando cheguei aqui, é encarregada de ajudar alunos novos a se sentirem mais confortáveis na escola...

Não vou reclamar. Ela foi uma ótima amiga quando eu estava sozinho e não mudaria isso. Agora tenho o Miguel que já conheço e talvez faça amizade com os amigos dele. A ideia disso me deixa muito nervoso, conhecer pessoas novas, mas vou me esforçar para não ser como fui com Daniel no começo. Me abrir mais.

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