O começo

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PRÓLOGO

As orbes escuras dele me atraem mesmo do outro lado do cômodo, e sei que se o encarar por tempo demais todos ao redor sumirão, como se houvesse apenas ele para admirar, para me focar. Não posso ser atraído por ele, não posso o deixar ganhar esse jogo que teimamos em jogar, não posso perder, mas também não posso ganhar, não quero ver isso acabar, mesmo que eu saiba que não podemos continuar. Estou tentando fugir de seu olhar, mas de canto posso ver sua figura alta, jaqueta de couro e calça colada, posso ver seu corpo, acho que veria mesmo de olhos fechados, como se eu houvesse decorado. Não consigo enxergar seu sorriso, mas algo me diz que seus lábios se levantam de lado enquanto ele ainda não desiste de se focar em mim. Não devo ceder, não devo me permitir por ele ser guiado, controlado, dominado. Não é o lugar certo, o momento correto. Não olhe para mim, não faça com que eu pense no seu toque, na sua voz, no seu corpo, no desejo que temos, a fome que nunca saciamos, do corpo que vivemos tomando, da relação da qual nos alimentamos. Por favor, não me atraia agora, me deixe voar um pouco mais antes de ficar preso em sua teia.

— Há uma questão que não sai da minha cabeça, professor. — A voz rouca me causa arrepios, e mesmo que todos os alunos ali estejam atentos a ele, me recuso a o olhar.

— E o que seria esta questão senhor Noppanut?

— Essa redação da qual o senhor tanto fala que deseja passar, ela será narrativa ou dissertativa?

Ele sabe que eu já disse isso diversas vezes, ele sabe a resposta de sua suposta questão inquietante, e ainda sim ele busca pela minha irritação ao ter que repetir, pela minha atenção.

— Dissertativa, como eu já havia dito e repetido. — Eu enfim o olho ao fim da frase, o olho rápido o bastante para ver seu sorriso crescente de vitória.

— Perdão professor, o senhor sabe o quanto sou desatento para isso.

Sim, desatento para tudo relacionado a aula, mas atento para cada movimento que faço, cada reação à própria fala, cada olhar dirigido e sentimento tão arduamente escondido. Atento a mim, mas nunca ao que ensino.

— Sim eu sei, nunca atento ao que eu tão veemente me esforço a ensinar nesta faculdade, certo senhor Boun?

— Errado senhor Warut, eu entendo cada palavra dita e não dita pelo senhor, meu desempenho fala por si só, não acha?

Sei que há duplo sentido em cada palavra, e me odeio por não notar primeiro o real significado de sua frase. As notas de Boun eram boas, mas não tanto quanto o desempenho que ele propunha quando estamos sós.

— De certo modo sim, mas há o que melhorar!

— Nada que umas aulas extras não consertem, professor.

Encarando o loiro a minha frente, e suas nada sutis investidas em frente a toda sala que se vê achando presenciar uma sutil discussão entre aluno e professor, e não uma clara provocação entre parceiros, amantes ou o que quer que fôssemos, eu me pergunto se me arrependo da escolha que nos fez chegar até este momento, ou se este não foi o único erro mais correto que já cometi.

CAPÍTULO 1 - O começo

Seus fios loiros quase brilham diante a luz neon, e seus olhos escuros ainda chamam a minha atenção, mesmo que haja tantas coisas brilhosas a se admirar nesta boate, eu ainda recorro a seus olhos hipnotizantes. Ele sabe que o desejo, seu sorriso o entrega e sua postura além de se mostrar dominante, me diz que não sou o único a querer isso. Meu corpo todo treme pelo pensamento de o ter perto, a ansiedade que em mim habita quer correr até ele e perguntá-lo se ele não gostaria de ir a um lugar mais reservado, o dizer que esta noite estou disposto a tudo. Não estou desesperado, não sou tão solitário quanto a ansiedade de o ter me faz parecer, eu apenas nunca me senti tão atraído por um homem em toda a minha vida, não como agora. Quero saber tudo sobre ele, desde seu nome ao porquê dele ter escolhido uma camisa preta para uma boate neon. Quero saber tudo, mas o que mais quero saber é o que ele fará comigo, se souber que posso lhe dar tudo, mesmo que só hoje.

— Por que você não vai até ele? — Kao que estava ao meu lado sentindo a eletricidade de nossos olhares, questiona quase tão impaciente quanto eu.

— Não quero parecer desesperado ou algo assim, é melhor esperar que ele venha até mim.

— Quer que eu te ajude a chamar a atenção dele? — Assim que encaro o mais alto, vejo um sorriso que nunca tem por consequência algo bom, e ainda sim como o ingênuo que sou, eu aceno que sim, seguindo o seu plano. — Só faz o que eu faço.

E então lá estava meu amigo de longa data, com as mãos em minha cintura, me conduzindo junto a música, tão perto que poderia citar a colônia que ele estava usando. Não tinha nada ali, não realmente, Kao nunca me tocou com desejo e eu nunca quis algo assim dele, mas encarando o loiro de longe, eu fingi que sim, dancei como se pudesse sair dali com Kao, e ri de mim mesmo ao fazer isso, sendo acompanhado pelo mais alto. Não sabia se o que quer que estivéssemos fazendo funcionaria, mas ao menos teríamos nos divertido ao fim de tudo.

— Ele está vindo para cá, vou fingir que estou indo buscar algumas bebidas. Boa sorte! — Ele diz baixo em meu ouvido antes de sair e me deixar só na pista de dança.

Não querendo parecer tão tolo quanto me sentia, finjo ainda estar me divertindo e danço sozinho, como se a boate fosse realmente o tipo de lugar que frequento, e não um local onde tenho que ser arrastado por amigos todas as vezes. E antes que eu pense em desistir de estar ali, e aceite que irei sozinho para casa, sinto mãos grandes em minha cintura, me conduzindo em uma dança lenta, e só naquele instante percebo que a batida mudou.

— Seu par não é lá muito esperto, não é? — A voz que chega aos meus ouvidos é calma e bonita, e quase me deixo derreter com a risada que dela vem seguida, provavelmente em resposta ao tremor de meu corpo ao o escutar. — Digo, quem deixaria um homem tão bonito sozinho?

Lentamente, ainda tentando acompanhar a dança em que ele me guiava, eu me viro com o pouco de força e controle que ainda possuo em meu corpo, para enfim ver a figura que eu tanto observei de longe.

— Talvez ele volte, disse que só buscaria uma bebida. — Digo baixo, enquanto colocava meus braços ao redor dos ombros largos do loiro.

— Bom, você me deixou com um dilema agora garoto bonito. — O sorriso que recebo é de tirar o fôlego, e por alguns segundos acho que realmente não respiro.

— E qual dilema seria esse?

— Não sei se te deixo a espera dele ou te levo para longe. — Sua mão magra saí de minha cintura para tocar meu rosto suavemente. — Devo ser um cara legal ou um egoísta?

Estou à mercê dele, não sei seu nome ou que tipo de pessoa é, mas se ele me dissesse o que quer que fosse eu faria, eu permitiria, o seguiria de olhos fechados. Talvez seja seus olhos e sorriso, talvez não, mas algo nele me deixava bambo, e eu sentia que não poderia o dizer não.

— Caras legais não fazem o meu tipo. — É tudo o que consigo dizer antes de ser puxado para perto e tirado de órbita pelo toque de lábios daquele à minha frente.

Não é rápido, desesperado e bagunçado como eu achei que seria, é lento e sensual, como se dancacemos até o outro. Sua boca é macia e o gosto de gim não me incomoda, me excita. Ele não coloca suas mãos por todo lugar  obsceno como os caras em lugares assim fazem, ele as mantém na minha cintura, às vezes em minha nuca, em meu pescoço, no meu rosto. E pode ser o melhor beijo da minha vida, mas espero que não seja apenas isso.

— Talvez devêssemos levar isto para outro lugar. — Eu digo quando consigo espaço para respirar e colocar meus pensamentos no lugar.

— Onde você quer ir? — Ele pergunta próximo ao meu ouvido, e depois atiça meu pescoço com o raspar de seus lábios.

— Qualquer lugar, onde você quiser que eu vá. — Irei me arrepender disso mais tarde, me sentirei sujo ou pior, mas não há tempo para isso agora, não posso ser covarde.

— Meu nome é Boun, se quiser me conhecer, podemos ir para minha casa. — Agora ele encara meus olhos, e mesmo que eu queira desviar o olhar, não consigo.

— O meu é Prem, e eu adoraria te conhecer!

Ele sorriu, e quando sua mão foi até a minha para me tirar dali, eu soube que não importaria se eu me arrependeria de manhã ou daqui uns dias, naquele momento, eu aproveitaria cada segundo do que parecia ser o erro mais correto de minha vida.

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