Vida para um

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Há dias em que acordo naquele quarto cinza, aquelas paredes que possuem a cor que representa tanta apatia me rodeiam, mas não me sinto como deveria, o quarto não possui a melancolia prometida por sua cor, porque o sol reflete o cômodo e tudo fica amarelo alaranjado através dos raios refletidos através da cortina, tudo fica tão vivo, e então eu o encaro deitado ao meu lado, com seus olhos fechados e lábios curvados em um pequeno sorriso, como se dormir ao meu lado fosse o que trazia sonhos. Ele está sempre ali, com as cobertas cobrindo apenas parte de seu corpo, deixando o torso exposto, a pele macia a vista, esperando para que eu o abrace com a desculpa de sonambulismo, ou talvez temendo que eu o faça, pois assim teríamos que pensar no que isso significa. Mas ele está sempre ali, e meus braços sempre teimam em o tocar, sempre teimo em me encaixar em seu corpo, em tocar seu rosto, o observar de perto, perto o bastante para o beijar, para o desejo se instaurar.

— Você sempre faz isso. — Ele diz baixo, soando preguiçoso, sonolento.

— Sempre faço o que?

— Fica me encarando quando acorda primeiro.

— Você é diferente assim.

— Diferente como?

Diferente como quando cuidou de mim bêbado semanas atrás, diferente como o primeiro beijo que não levou a sexo, diferente como a conversa que tivemos. Diferente ao ponto de me confundir sobre o que temos.

— Parece mais sereno, mais bonito. — Ele sorri, ainda não abriu os olhos, não parece planejar o fazer.

— Apenas diga que fico mais beijável, não precisa fazer rodeios.

— Deus Boun, eu não sou um príncipe e você não é a bela adormecida.

— É claro que você iria associar isso a algo assim, professor.

— Idiota. — Digo baixo, resmungando, torcendo para que ele não ouça, porque ele está sempre me fazendo agir como se eu fosse muito mais novo, fazendo eu me sentir assim.

— Apenas deite direito e durma, está cedo.

— Estou deitado direito.

Ele suspira, com sono demais para discutir, para me provocar, então ele apenas me puxa para mais perto, se encaixa ao meu lado. Seu braço me segura perto, apertado. Seu rosto está em frente ao meu, com nossas testas coladas.

— Só dorme Prem.

— Preciso acordar em algumas horas e ir para casa.

— Não, você precisa calar a boca e dormir.

— Boun, não posso passar o dia todo aqui de novo.

— Apenas fique a manhã toda então

Ele se movimenta de novo, delicadamente move minha cabeça para ficar embaixo de seu queixo e me abraça mais forte.

— Por favor… — Ele sussurra, e não posso o dizer não, na verdade, não consigo, não quero.

— Tudo bem.

Então fecho os olhos, passo meus braços por seu corpo também, e tento não pensar em como as manhãs são sempre diferentes como aquela noite, em como são sempre brilhantes sob a luz amarela alaranjada que as cortinas proporcionam, como é sereno, tão confortável.

diferente, tão diferente…

Diferente de quando acordo em meu quarto, com uma cama grande demais para uma pessoa, travesseiros demais para um só corpo, sinto que minhas paredes brancas são melancólicas, uma cor de saudade, de falta de algo que não me pertence, mas é meu. Quando acordo sozinho me sinto diferente, como quando achei que o tinha perdido, que as minhas falas de afastamento ele tinha ouvido, fazer o que eu mandava havia resolvido. Mas não posso pensar nisso, moro em um apartamento feito para um, vivo uma vida montada para mim, sem companhia, sem distração, apenas eu e meu coração, esse que não se acelera, não fica lento, quase para, quando próximo de algo tão hipnotizante, instigante como o coração de boun. Vivo uma vida para um e pretendo manter as coisas assim, mesmo que viva prometendo as últimas noites com companhia.

One more night Onde histórias criam vida. Descubra agora