Capítulo 4

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Ressaca. Era a única palavra que rodou minha cabeça durante o domingo, enquanto eu acordava tomando um café preto e sem açúcar, já mandando para longe o enjoou.
Passava da uma da tarde e eu tinha perdido o almoço na casa da tia Nena, não que a essa altura eu me importasse, preferia ficar em casa do que lidar com toda gritaria enquanto minha cabeça latejava a cada segundo.
Mas foi graças a perder o almoço que eu consegui pensar melhor na noite passada. As imagens de tudo o que aconteceu voltaram como um flashback, tudo pareceu tão corrido no sábado que mal tive tempo de raciocinar o perigo que corri.
A cena em que eu estupidamente atacava um dos assaltantes esquecendo os outros, então o herói tatuado entrando em ação, para me ajudar, e toda a bebedeira no bar depois. Porque eu tinha misturado tanta coisa? Mas então a cena do beijo voltou a minha mente, para coroar a noite eu tinha atacado o homem. E mesmo que só estivesse relembrando a noite, senti seus lábios macios contra o meu em contraste com a barba áspera, que arranhou minha pele, para em seguida eu sair correndo como uma louca.
Onde eu estava com a cabeça? Não tinha ideia se o homem tinha alguém na vida dele, ou se ele no mínimo gostava de mulher. Parabéns Maria, você arrasou na noite de ontem!
Nem ao menos tinha sido capaz de agradecer pelo que ele fez. Teria batido a mão na minha testa como repreensão se minha cabeça não estivesse doendo tanto. Mas foi pensando nisso que tive a brilhante ideia de ligar para o bar, eu tinha quase certeza de que o bar não abria de segunda. Quais as chances de alguém me atender? Mas eu deixaria um recado mostrando o quão bem intencionada eu estava.
- Alô? - a voz feminina soou do outro lado da linha e eu quis me socar por isso.
- Oi, é a Maria... do restaurante aqui em frente... sabe, do assalto de sábado.
- Oi mulher, como você está? É a Débora aqui! - ela respondeu com a voz alta e alegre, como eu me lembrava.
- Eu estou ótima. Estou ligando pra convidar o Miguel pra almoçar... na verdade todos vocês ai do bar! - ratifiquei na mesma hora não querendo dar a impressão errada.
Eu queria mesmo agradecer a ele por ter me salvado, mas depois da cena ridícula de fugir eu não sei se teria coragem de encará-lo sozinha, e como todos foram tão legais comigo, eu ia unir o útil ao agradável. A última coisa que esperava era me sentir tão a vontade com eles, como se estivesse no pagode que vou há anos.
- Ai que ótimo, eu vou com certeza! - ouvi um farfalhar de folhas do outro lado e então ela gritando com alguém, mas não consegui entender o que estava falando. - Esse número é whatsapp? Vou te mandar o número do Miguel agora mesmo! Nos vemos depois, tchau.
Antes mesmo que eu pudesse protestar e dizer fazer o convite ela mesma, a mulher já tinha desligado. Então lá fui eu com rabinho entre as pernas pegar o número dele e mandar mensagem.
Mas ele não respondeu meu simples "oi". Passou dez minutos, vinte e eu encarava o fundo branco sem foto, trinta minutos e nada, nem mesmo visualizou a mensagem. Vocês sabem que meu nome é Maria, o segundo nome deveria ser impulsiva seguido de sem paciência, foi por isso que não aguentei o silêncio e liguei.
Chamou a primeira e ele recusou a chamada, liguei a segunda vez e a mesma coisa, já estava começando a achar que era alguma coisa do universo contra mim ou ele achava que eu era doida e não queria falar comigo.
Mas como ele podia saber que era eu, não é mesmo? Então irritada com meus próprios pensamentos liguei novamente!
- Alô...
- Não desliga, é a Maria! - gritei interrompendo a voz impaciente do outro lado.
Bem se ele não me achava louca antes agora ele com certeza pensava isso de mim. Ate eu estava começando a pensar.
- Está tudo bem? - sua voz soou devagar, quase como se questionasse minha sanidade mental, e pra falar a verdade era algo que deveria ser questionado.
- Tá tudo ótimo. Só estou ligando pra convidar você e sua família a almoçar aqui, hoje, por conta da casa. - o silêncio me saldou do outro lado. - Precisava agradecer de algum jeito tudo o que você fez ontem... - tentei novamente deixando minha voz baixar aos poucos. Não sabia mais o que falar, teria sido tão mais fácil se Débora tivesse só avisado a ele e pronto.
Pareceu levar uma eternidade sem que ele dissesse nada, eu cheguei a afastar o celular apenas para conferir se ele não tinha desligado na minha cara. Então uma voz infantil soou do outro lado da linha e o ouvi cochichar algo em resposta.
- Vou adorar, Maria. - ele fez meu nome soar como algo obsceno e eu me perguntei quanto ele pensou sobre ontem a noite. - Posso levar um companheiro?
Meu Deus ele era gay? O que o companheiro dele pensaria se soubesse que agarrei seu homem e o beijei? Parabéns Maria, não tinha como sua vergonha ficar ainda maior! Você agarrou o homem que te ajudou e fugiu, sem nem dar tempo dele dizer que era comprometido e que era gay!
- Claro, quanto mais gente melhor. - senti minha voz sair esganiçada, ficando irritante até mesmo para os meus ouvidos. - Por favor traga quem quiser, a família toda. - tentei novamente com um tom mais contido.
Já parecia uma louca, não precisava soar como uma gralha também.
- Até mais tarde então. - a voz, novamente grossa de mais para um humano normal, me alcançou do outro lado da linha e eu me peguei mordendo o lábio e fantasiando com ele me dizendo sacanagem ao pé do ouvido.
Antes que falasse alguma besteira eu desliguei rapidamente, me afastando do celular como se ele pegasse fogo. Eu estava enlouquecendo, só podia ser!
- Está tudo bem, Ma? - perguntou Eric um dos cozinheiros, que já estava apostos na cozinha apenas esperando minhas ordens.
Ele me encarava com uma cara engraçada, como se eu fosse a palhaça nova do picadeiro, que atraia risadas e olhares curiosos. Eu precisaria me concentrar, antes que ficasse por ai dando na cara o quanto estava incomodada com a situação.
Acenei concordando e fui até o estoque, com a desculpa de pensar melhor sobre o que faria para o almoço. Estava esperando que viessem várias pessoas e eu adorava a casa lotada e mais ainda pratos cheios.
Lugar bom é quando tem gente com sorriso no rosto e barriga cheia, já dizia minha vó!
Mas enquanto eu deslizava minhas mãos sobre alguns tomates escolhendo os mais bonitos meu pensamento fugiu para a noite de sábado.
O rosto em baixo da luz amarelada do poste, deixando os cabelos ainda mais dourados, os olhos incrivelmente azuis me encarando, como se não estivesse pronto ainda para dizer adeus. Então aqueles lábios tentadores entrando em meu campo de visão, a barba emoldurando seu rosto.
E por fim eu estava sobre ele, beijando-o, sugando a maciez dos lábios dele entre os meus.
Seu beiço fino em contraste com os meus mais cheios, se moldando com perfeição. E as mãos grandes me segurando, me puxando mais para ele, tateando minha coluna, apertando minha cintura... E ploft o tomate maduro estourou na minha mão.
Não tinha nem me dado conta que estava apertando-o, o suco e as sementes escorreram em meus dedos enquanto eu me repreendia por estar pensando nele novamente.
- O homem é comprometido e gay Maria! Se toca pra vida mulher!
- Tudo bem ai? - foi a vez de Alice interpelar minhas loucuras.
- Está tudo ótimo. - assim que ela saiu das minhas vistas, eu ergui a mão para estapear minha testa, mas fiz mesmo foi jogar um monte do tomate na cara. - Se concentre porra! - rosnei irritada, estava mais estabanada que o normal.
Eu não ficava por ai sonhando acordada com alguém há muito tempo, anos pra falar a verdade. Não vivia em celibato, jamais! Eu saía, conhecia alguém legal e então se ele fosse capaz de me seduzir íamos pra cama, se não era só partir para outro.
Há muito tempo eu tinha parado de pensar em relacionamentos, eles exigiam muito tempo, coisa que eu não tinha. Então deixei de fazer questão, vivia a minha vidinha tranquila sem essa complicação. E continuaria assim, não ia ser um herói tatuado que me tiraria à paz!

Amor de Motoqueiro - Concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora