Capítulo 6

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— Eu gostei dela. — foi a primeira coisa que minha mãe falou assim que desceu do carro.
Tínhamos chegado em casa depois de passar a tarde no restaurante. Will já estava capotado no banco de trás do carro, cansado de correr, pular e rodopiar pelo salão.
Mas eu suspeitava que isso tinha algo a ver com o leite especial que Maria tinha preparado para ele. Os dois juraram segredo, ela ainda acrescentou que só quem tivesse uma identidade secreta poderia saber.
Will adorou toda a bajulação, como se não tivesse isso em grande escala. Fazer o que se o garoto tinha herdado a lábia do pai?
Apesar da bagunça que fizemos no seu restaurante, delicado e aconchegante, ela manteve o sorriso no rosto a tarde toda. Se não gostou de algo sabia esconder muito bem. Não se importou com o rock quase estrondando as paredes do restaurante, e sim gritou, riu, puxou minha mãe para a bagunça. Enquanto eu assistia tudo do meu canto.
Não voltamos no assunto do beijo, mas eu podia ver seus olhares furtivos vez ou outra quando achava que todos estavam distraídos de mais. Era puro desejo refletido nos seus olhos ou ela estava passando tempo de mais tentando decifrar minhas tatuagens. Preferia acreditar que era a primeira opção.
— Pai...
— Boa noite filho. — tornei a me abaixar ao seu lado e beijei seus cabelos.
Seus dedos pequenos se embrenharam nos meu pescoço e ele seguro meus cabelos, me puxando para baixo, ele ficou parado daquele jeito até voltar a ressonar.
Tinha sido assim desde pequeno, alguns bebês seguram dedos, outros o peito da mãe, mas Will sempre teve fraco por cabelos, em especial os meus.
A primeira vez que a enfermeira o colocou no meu colo eu ainda chorava copiosamente por ter acabado de receber a notícia sobre Luna, então o segurei tão apertado quanto meu coração naquele momento.
Eu queria dar o tudo ao meu filho e ele já estava chegando com metade do seu mundo sendo arrancado dele. Quando me estenderam a mamadeira com leite e me disseram que talvez fosse difícil ele aceitar e outras coisas, eu só fiz, não pensei.
Ela tinha explicado o quanto era importante o calor da mãe, mesmo que eu soubesse que não seria a mesma coisa, arranquei minha camisa e o segurei contra o calor do meu peito, tentando assim aplacar seu choro e lhe dei a mamadeira.
Todos me olharam provavelmente me achando louco, mas eu só conseguia pensar nele, não demorou para que o garoto faminto começasse a sugar a mamadeira minúscula. Uma das mãos se esticando e alcançando o cabelo enorme, que na época chegava ao meu peito.
E foi assim até que ele recebesse alta e depois disso por anos, até que ele largasse a mamadeira. Mas o cabelo continuava.
Ele não teve a dádiva de sentir o calor da mãe, de poder se alimentar nos braços da mãe que o carregou os nove meses. Mas teve um pai presente, todos os dias eu me desdobrava tentando suprir todas as necessidades dele para que sentisse menos a falta de uma mãe, mas eu sabia que ainda estava lá.
— Aposto que não vai querer jantar hoje. Especialmente depois daquela comida maravilhosa. — Dona Magda me abordou quando sai no corredor.
Sabia bem o que minha mãe estava tentando fazer, ela me forçaria a falar qualquer coisa sobre Maria apenas para usar contra mim depois.
— Sua comida é tão maravilhosa quanto. — murmurei entrando no meu quarto decidido a ignorar a mulher teimosa que parecia estar com o espírito de casamenteira.
Precisava de um banho e cama, podia aproveitar que a noite estava só começando e dormir um pouco antes de sair.
Quando acordei fui direto me arrumar e passei de cueca até o banheiro quando mamãe me parou novamente.
— Eu vi bem o jeito que ela olhou pra você, estava lá quase babando. — constatou o óbvio e eu continuei meu caminho. — E você também! — gritou quando alcancei minha porta.
Bufei sabendo que ela não pararia. Sim, a mulher era linda e eu estava louco para beijar aquela boca de novo, enfiar as mãos nos cachos dela e me perder em suas curvas.
Tinha sonhado com suas mãos me tocando, deslizando por meu abdômen, dessa vez com nenhuma roupa nos atrapalhando, seu corpo em baixo do meu enquanto eu me enterrava nela e a fazia gemer meu nome.
— Sim, mãe ela é linda e eu não sou cego. Mas não tenha ideias, foi um almoço de agradecimento e só!
Entrei no banheiro e tranquei a porta atrás de mim querendo que acabasse ali. Sabia que tinha que afastar as ideias da cabeça da minha mãe, não me sentia pronto para um relacionamento, não achava que me sentiria aberto para alguém novamente nunca. Mas isso não me impedia de fazer sexo sem compromisso.
Éramos dois adultos, livres e descompromissados, donos da própria vida. Nada nos impedia de fazer algo do tipo. Se há desejo não tem motivo pra passar vontade! Esse era o meu lema, eu só precisava ter certeza que estaríamos na mesma página e tudo sairia perfeito.
Tomei um banho rápido e mandei uma mensagem avisando o pessoal que estava indo para o bar dos Devil's Head. Eu tinha saído do clube, não da família afinal e lá era meu lugar favorito de curtir a noite quando meu bar estava fechado.
Depois do longo banho me arrumei e dei uma última olhada em Will, o garoto dormia profundamente e pelo jeito não acordaria até o dia seguinte.
— Não acredito que vai sair! — Dona Magda crispou as palavras tirando os olhos da televisão e me encarando a caminho da porta.
— Vou e com certeza não volto hoje. — me curvei perto da minha velha e encarei seus olhos um pouco enrugado nas pontas, mostrando o quanto ela me conhecia, o quanto conhecia da vida e refletido em sua íris estava sua reprovação. — Eu te amo.
Beijei o topo de sua cabeça e sai. Ela não reclamava do meu jeito de viver, mas claramente não estava feliz com o modo que eu levava a vida desde que Luna morreu.
Minha responsabilidade era apenas para ela e Will e estava satisfeito com isso.
Subi na minha Harley Davison, meu xodó. Desde pequeno eu adorava subir nas motos do pessoal que frequentava o clube, mas quando finalmente tive a minha... era um sentimento todo novo, diferente, meu sentimento de posse ia além de só me denominar dono de algo. Exigia cuidado, responsabilidade e eu adorava cada minuto.
A liberdade que sentia pilotando era uma das melhores coisas. O vento cortante contra a pele, esfriando meu rosto e mãos descobertas, a adrenalina correndo líquida em minhas veias como meu próprio sangue, se misturando e sendo bombeado por meu coração.
Era redenção, entrega e loucura!
Cheguei aos Devil’s Heads antes do tempo estimado como sempre, nada como aproveitar as ruas vazias e acelerar.
A estrutura grande e chamativa de tijolos escuro estava a todo vapor, alguns rodeando com suas motos por perto do lugar, outros bebendo do lado de fora, sentados em suas motos beijando algumas meninas.
O nosso fundador quis deixar o máximo com a cara da sede lá na gringa. A faixada esculpida em madeira se destacava com o nome que causava repulsa em muita gente acompanhado de uma caveira com ossos cruzados em cima do nome, a mesma imagem do nosso patch.
— Olha só quem os ventos trouxeram pra cá! — Jone gritou chamando mais atenção do que necessário.
— Como se eu não batesse cartão aqui seu puto. — resmunguei chegando mais perto e dando um tapinha no seu ombro. — Como vão as coisas em casa?
Jone já era um senhor, beirando os sessenta. Se isso o impedia de vir até o bar toda semana? Jamais. Segundo ele só mudaria suas tradições no dia em que morresse. Ele tinha entrado pouco tempo depois de meu pai e era um dos raros que ainda estava vivo para contar a história.
— Ah você sabe filho, uma dor aqui outra ali, mas tudo indo. Pelo menos minha vizinha é gata e eu posso ver ela da janela às vezes.
— Seu velho safado! — gritei rindo com ele que explodiu em uma gargalhada rouca seguida de muita tosse.
Entrei no salão sacudindo a cabeça e me perguntando como ele ainda não tinha pegado um câncer de tanto que fumava, parecia mais uma chaminé. Talvez seja como meu pai disse, os Devil’s nunca ficam doentes!
O bar estava como era de se esperar lotado, homens pra lá e para cá, vestindo coletes do clube e pouquíssimos sem, o que significava aventureiros querendo entrar no bar e brincar, não era algo que nos importávamos, clientes traziam dinheiro, mas com o tipo de coisa ilegal que acontecia por ali tínhamos que manter sempre o olho aberto em quem frequentava o lugar.
— Irmãozinho! — Brutos apareceu no meu campo de visão e pela cara séria e a bandana escura pendurada no pescoço, eu já sabia que todos estavam de saída.
— Vai trabalhar em plena segunda-feira? — questionei já sabendo a resposta.
— O único que tem vida boa aqui é você.
— Haha muito engraçado.
Acompanhei com os olhos a trupe toda se aproximando. Denis se despediu de sua mulher com um beijo longo, os outros já acompanhavam Brutos de perto e acenaram com a cabeça em minha direção.
— Está afim de se juntar ao grupo, matar a saudade dos velhos tempos? — Brutos ofereceu e eu neguei com a cabeça.
Não sabia dizer se sentia saudade de tudo, claro que fazia falta a adrenalina de pegar a estrada viajando só com um bando de marmanjos, a farra quando voltávamos, a alegria de sentar a mesa com todos nas reuniões. Mas não sentia falta do perigo, da morte iminente, as incertezas durante todo o dia e da falta de tranquilidade.
— Naaa, vou ficar por aqui mesmo.
— Boa escolha. — respondeu já caminhando para a saída, mas se deteve um minuto. — Se der mantém um olho na Laura pra mim.
— Ela não desisti nunca, não é? Pode deixar que eu fico de olho na maluca.
Rapidamente todos eles saíram pelas portas principais do Devil's Head, colocando os motores para fazer barulho, enquanto davam voltas em frente ao bar na tradicional despedida dos Devil, antes de irem para um novo trabalho.
Assim que o barulho diminui gradativamente, comprovando que partiram um por um, me sentei na banqueta em frente ao balcão. Erick se aproximou já pescando uma cerveja e me entregando, sabia bem o que eu gostava.
No fundo tocava um rock dos anos sessenta e eu curti minha primeira cerveja da noite, degustando pouco a pouco, antes de me virar e esquadrinhar o lugar em busca de alguma mulher que chamasse minha atenção.
O que não era difícil, nunca fui um cara cheio de frescuras, não me interessa se é magra ou gorda, branca ou preta, alta ou baixa, homens que escolhem mulheres baseadas nessa baboseira estavam a um passo de não gostar de mulher de verdade. Só perdiam para os “homens” que não pegam mulher por estrias e celulites, esses até o diabo não quer.
Mas se quiserem saber o que mais me atrai, o que uma mulher precisa fazer para me ter de forma rápido e fácil: é ter atitude! Eu não resistia a mulheres determinadas, bocudas, que batem de frente e retrucam.
E não é um fetiche sobre domá-las, mas sim sobre adorar ir para a cama com uma fera.
As tímidas são ótimas? Sim, claro, em especial aquelas que se soltam em quatro paredes. Novamente não rejeito mulher porra! Mas ter uma mulher desbocada, safada, cheia de atitude na cama é outro nível!
Algumas mulheres ali já conheciam bem quem eu era e as que não sabiam da minha fama, bastava olhar para mim e entender a ideia que eu passava para se sentirem atraídas, não precisava ser um gênio para entender o que elas queriam em um bar de motoqueiros em uma segunda-feira a noite: estavam atrás de sexo quente e sem complicações, uma distração para os problemas, algo que as motivasse durante a semana que estava começando.
— Urgh você não cansa de vir aqui e sempre escolher uma mulher diferente? — Laura falou se apoiando no balcão ao meu lado e encarando as pessoas circulando ao redor do salão. — Me pergunto quando uma delas vai quebrar suas pernas, suas e de brutos.
— E nós nos perguntamos quando você vai se cansar de brincar de rebelde e voltar para a faculdade. — retruquei pegando minha segunda cerveja. — Não se esqueça de que já aconteceu comigo gatinha, já fui um homem rendido e muito bem comprometido. Duvido que esse raio caísse duas vezes no mesmo lugar.
— Na verdade raios caem mais de duas vezes no mesmo lugar, então se você der sorte vai ser atingido por ele novamente.
— Viu só, é por isso que você deveria estar de volta na faculdade. — eu estava sendo evasivo? Sim, mas a ultima coisa que eu queria fazer antes de ir a caça era pensar em relacionamentos e amor. — Vamos fazer um trato? Se o raio bater novamente no tigrão aqui e eu quebrar minhas pernas, como você disse, a mocinha ai volta a estudar?
Ela sorriu pra mim, Laura tinha vinte anos quando eu larguei o clube, hoje em dia no auge de seus vinte e três, insistíamos para que ela voltasse a estudar, qualquer coisa que a mantivesse longe dessa vida.
Brutos e eu tínhamos apenas terminado o ensino médio, e não por nosso mérito, mas graças a insistência dos nossos pais e paciência, que na verdade não passava de coação das nossas mães. Mas Laura sempre foi diferente, era ótima aluna, tirava as melhores notas, já tinha aprendido a falar dois idiomas e feitos vários cursos antes de se decidir por uma faculdade, ano passado deveria ter sido sua graduação em física, mas por algum motivo ela havia decidido largar tudo e focar no clube.
— Não vai rolar tigre, mas valeu a tentativa. — respondeu sorrindo e já se afastando, mas parou de andar quando avistou uma ruiva vindo em minha direção, com olhos de predadora. — Parece que sua noite está só começando, te vejo por aí.
— Oi lindo. — a mulher cumprimentou girando ao meu redor até parar de frente para o bar empinando a bunda em minha direção. — Que tal você me pagar uma bebida e eu te fazer companhia?

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