O horário avançou e eu me ocupei em preparar alguns pratos e ajudar em outros. Fizemos frango assado em pequenas trouxinhas de massa de lasanha, massa que eu mesmo fazia; cupim assado no forno regado ao molho madeira; macarrão ao molho branco e colocamos os pratos mais comuns como arroz e feijão; muita gente não deixava passar uma refeição sem esses dois. Tinha ainda dois tipos de salada e alguns aperitivos.
Quando me permiti sair da cozinha foi para encontrar a morena de cabelos curtíssimos e sorriso enorme na porta.
Ela acenava pra mim através das portas de vidro em seus saltos, como se a altura dela não fosse suficiente, os shorts pretos deixando a mostra os metros de perna.
- A porta está sempre aberta. - murmurei sorrindo para ela quando abri.
- É por isso que te roubaram. - ela brincou me fazendo gargalhar com ela.
Débora sem dúvida era o tipo de pessoa que deixava qualquer clima alegre, bastava ela chegar no lugar que ninguém ficaria muito tempo sem um sorriso.
- Vem entra!
- Espera, todo mundo já está a caminho. - ela murmurou se encostando do lado de fora da janela e eu fiz o mesmo. Rapidamente ela sacou um cigarro e me ofereceu outro, mas eu recusei. - Bruno está terminando com o entregador e Lisa está se certificando que eles não vão fazer besteira. O chefinho disse que já está chegando também, trazendo a tropa.
Segurei minha vontade de perguntar quem estava vindo com ele ou até mesmo como era o companheiro dele. Mas fiquei quieta, não queria dar a impressão errada, já bastava todo mundo do restaurante pensando que eu era descompensada.
- Ai está a garota maluquinha! - Bruno gritou enquanto atravessava a rua e me salvava de falar qualquer besteira. - Entendeu? A panela, garoto maluquinho?
- Haha, tão engraçado.
- Bruno não é conhecido por sua inteligência, não liga não. - Débora o provocou ainda encostada na janela, e ele se aproximou com passos lentos e sedutores.
Assisti o corpo alto e forte se abaixar sobre ela a prendendo em um casulo de músculos, então um sorriso sacana deslizou em seus lábios e ele tirou o cigarro da boca dela e tragou, assoprando para a lado contrário, de forma delicada.
- Não sou inteligente, mas você adora sentar no burrinho aqui.
- Prefiro quando usa sua boca pra outra coisa que não falar gatinho. - ela agarrou o homem, puxando-o pelo cabelo e o beijou ferozmente, sem se importar com qualquer um a sua volta, os dois pegaram fogo com rapidez, fogo e gasolina.
- Informação de mais! Ninguém precisa ver a língua de vocês trabalhando a essa hora. - Lisa apareceu com os cabelos ruivos brilhando sob a luz do sol. Ela não era tanto de sorrisos, mas tinha aprendido na outra noite que adorava brincadeiras como todos. - E ai gatinha?
- Oi Lisa. Eles são sempre assim? - questionei, nós duas encaramos o casal que relutava em se afastar.
- Só quando não estão brigando. - ela bateu as botas de combate no chão se balançando pra frente e pra trás, como se estivesse sem ter o que falar e não pude negar que me senti do mesmo jeito. - E o Miguelito?
Eu só tive tempo de sacudir a cabeça, negando que estivesse ali, porque assim que abri a boca para falar o som inconfundível me parou, o ronco do motor daquela maquina que ele pilotava tomou a rua.
A moto dele era do tipo Custom, eu tinha pesquisado sobre isso até achar o modelo parecido com o seu na internet, eram um modelo mais longo, onde os pés dele podiam ficar mais para frente permitindo maior conforto do que as motos que estamos acostumados a ver. Ela lembrava totalmente as motos dos filmes de motoqueiros, como na série Sons of Anarchy, eu nunca tinha pensado no quanto podia ser quente um homem pilotando uma moto daquelas, até ver Miguel pilotando na outra noite.
Um carro estacionou atrás e eu assisti o homem descer como um deus, dava até a sensação que o chão iria tremer quando ele o tocasse.
Miguel tirou o capacete e sacudiu os cabelos grandes, antes de correr os dedos por ele ajudando a deixar com o ar bagunçado de sempre.
Caramba, isso é mesmo necessário? Minha indignação durou apenas alguns segundos então notei que ele estava sozinho. Onde estava o companheiro? Ele se encaminhou para o carro de vidros escuros e abriu a porta traseira e eu me perguntei se o outro estaria no carro. Porque preferiria andar de carro, ao invés de agarrado no corpo do seu homem? Não fazia sentido.
Como se para responder minha pergunta um menininho saltou do carro, dando a mão para o herói tatuado e uma senhora saiu do lado do motorista, se juntando a eles.
- Tia Lisa, tia Deb! - o menino correu os últimos passos que faltava para atravessar a rua, se soltando da mão do pai e pulando no colo de Lisa.
Ela rapidamente o agarrou e começou a conversar com ele agitadamente.
O menino era incrivelmente uma cópia mais loira do pai, tirando as bochechas super fofinhas, tinham os mesmos cabelos grandes e bagunçados, os olhos azuis, ele era a imagem que o pai devia ter sido quando era criança.
- A mulher maravilha. - a voz imperiosa de Miguel me trouxe de volta.
Virei minha cara de boba apaixonada pelo menininho, para o pai que estava na minha frente agora. O sol deixando o cabelo e a barba mais dourada nas pontas, refletindo como um halo em volta dele. Podia ser um anjo, uma visagem, mas era só deslizar os olhos para o pescoço que a imagem refletia o oposto.
A camisa preta de mangas curtas evidenciava mais tatuagens do que na pude ver no outro dia, e deixava os seus músculos a mostra. O homem era grande, mas não de um jeito forçado e robótico, e sim másculo, sexy e imponente.
- Anjo Miguel. - o cumprimentei arrancando um sorriso dele e da mulher ao seu lado.
- Já gostei dela. - ela falou rindo e deu um passo para frente me dando um beijinho no rosto e se demorando ao segurar minhas mãos. - Eu sou a Magda querida, mãe do anjinho aqui. - disse a última parte com deboche.
Eu não me contive da careta que ele fez ao ouvi-la falar assim e dei risada. Eram uma bela família me peguei encarando os três. Dona Magda era a mais diferente deles, com os cabelos pretos lisos e o rosto pacífico, apesar das rugas por baixo da beleza demonstrarem uma certa dureza.
- Eu sou o Thor. - disse o menino pulando do colo da tia e vindo me estender a mão como um adulto.
- Uau. E quem te deu esse nome? - perguntei enquanto sacudia a mão pequenina na minha.
- Da última vez que chequei seu nome era William. - o pai dele murmurou atrás do garotinho, me contive de desviar os olhos para a voz grossa dessa vez.
- Semana passada ele tinha mudado para Batman. - Débora falou, entrando na conversa.
- Eu mudei. - disse o menininho se mostrando altivo e confiante, apesar de estar cercado por adultos questionando sua mudança de nomes.
Dei risada e me abaixei na altura dele me apoiando nos joelhos.
- Olha só, acho Thor um nome bem legal, Batman também. Mas eles são nomes de heróis, como identidades secretas. - minha voz soando baixa como se contasse um segredo pra ele. - William é um lindo nome.
Ele sorriu colocando as mãos na boca como se para pensar antes de concordar.
- Papai fala que coocou William poque é o nome vedadeio do Axl. - o garotinho confidenciou, com os olhos brilhando como se tivesse descoberto algo incrível e eu não pude evitar achar fofo os errinhos na fala. - Esse é o nome dele de herói? - levou as mãos a boca sussurrando e escondendo dos outros o que falava.
Senti meu sorriso se expandir até quase doer as bochechas, tinha a vaga noção de todos os meus dentes estarem aparecendo, mas o garoto era apaixonante.
- Pode se dizer que sim. - concordei e ele tirou as mãos da boca e agarrou meu pescoço me abraçando.
Tinha como não se apaixonar por aquela criança gente? Duvido muito.
- Agora é William! - ele afirmou se afastando de mim e se virando para a multidão que estava atrás dele.
Ergui a coluna, que já reclamava da posição, e vi o olhar de Miguel cravado em mim. Não havia sorrisinho como os outros, ele só me encarava com os olhos que drenavam pessoas para sua imensidão azul.
Por um momento me perguntei se ele estava com raiva do que eu tinha feito, ou de como tinha convencido seu filho. Mas tentei não pensar nisso.
- Vamos comer? - perguntei alto para fugir do olhar dele, já empurrando a porta e esperando que todos entrassem.
Todo mundo entrou e já foram se acomodando nas mesas, ficando próximos uns dos outros, a conversa era fluida, dava para ver que eles eram uma família. A comida estava servida ali, como um grande almoço em família, eu nunca tinha feito isso no meu restaurante antes, mas como minha vó me ensinou, não deixe pessoas de mais circulando na sua cozinha isso enche o ambiente e atrapalha, então minha cozinha era um espaço restrito e como era um almoço informal, de agradecimento uni o útil ao agradável.
Cada um começou a se servir e rapidamente os pratos estavam cheios, o cheiro de comida de dar água na boca transbordando no lugar. Eu como uma boa cozinheira já tinha provado um pouco de cada e agora observava ansiosa todos atacarem a comida.
Mas então a coisa mais inesperada aconteceu, todos abaixaram as cabeças e Dona Magda falou:
- Filho dê graças.
Sem esperar mais tempo ele começou a falar.
- Obrigada por essa comida, pelos amigos na mesa, pela vida da bela cozinheira que preparou tudo isso. - aquilo me fez sorrir e meu coração pular no peito. - Amém.
Encarei embasbacada a todos, esperando o herói tatuado terminar a oração e todos responderem em um só som: amém. Então começaram a comer, enquanto eu ainda estava surpresa com a atitude delicada e bonita.
Minha família era católica tradicional e eu não me lembrava quando tinha sido a última vez que demos graças assim na mesa.
Continuei lá parada absorvendo os elogios e as caras de prazer, enquanto davam a primeira mordida, a realização estampada nos rostos apreciando o sabor maravilhoso na boca, a carne se desfazer, a crocância da trouxinha e a surpresa do frango se misturando no paladar.
Era sempre assim que eu fazia, ficava em um cantinho observando extasiada os clientes comerem. Meu combustível era o prazer em ver a felicidade que a comida causava nas pessoas.
Mas então meus olhos pousaram na mãozinha pequenina cutucando o prato com uma cara estranha. Tinham colocado uma trouxinha de frango e ele a encarava enquanto cutucava com os dedos pequenos.
Ele bufou fazendo um bico se formar, mas não reclamou em nenhum momento. O que me deu uma alegria, adultos reclamavam o tempo todo de comidas deliciosas que eles mesmo pediram, e o pequenino era tão educado que não disse nada ao ser apresentado a uma comida que não chamou sua atenção.
Me afastei da cabeceira da mesa e me aproximei dele, ocupando a cadeira vazia ao seu lado.
- Tudo bem ai? - ele acenou me lançando um sorriso reluzente. - Você não gostou muito da trouxinha, não é? Porque não me diz o que você quer comer?
Ele encarou a mesa, todos que conversavam diminuíram o volume pra ouvir o que ele ia dizer. Mas ele me encarou meio incerto, como se não quisesse me magoar.
- Eu queria macarrão. - ele sussurrou. Macarrão, simples assim.
- Só macarrão? - ele acenou concordando. - Quer me ajudar a fazer? - perguntei e ele concordou de novo, esticando os bracinhos em minha direção e eu o peguei no colo.
- Ele não vai atrapalhar? - ouvi Dona Magda perguntar.
- Imagina, nós vamos nos divertir enquanto fazemos. - respondi saindo do salão sem olhar para trás.
O menino tinha por volta de uns três, eu tinha sobrinhos e eles gostavam de comida simples, assim como Will. Então porque não agradar aquela lindeza que só estava querendo uma coisa fácil de fazer?
Enquanto eu cozinhava o macarrão ele ficou sentado na mesa, longe de qualquer coisa perigosa. Mas o deixei me ajudar a escolher as coisas que queria colocar no molho e ele adorou fazer.
Os outros cozinheiros se juntaram a todos no salão, deixando eu e o pequeno na privacidade para criar nosso prato. Will gostava de tudo simples, nada de frescura na comida, nada de inventar no prato, era só um macarrão com molho.
Assim que desliguei o fogo o segurei no colo e deixei que ele mexesse um pouquinho para ter o gostinho de espalhar o macarrão sobre o molho. Vovó fazia isso comigo quando era dessa idade e era meu momento de realização acreditar que tinha ajudado.
Então enchi dois pratos fundos para nós e nos levei de volta para a mesa no salão. Ele se sentou no mesmo lugar, seu pai se um lado e eu do outro e comemos juntos conversando, ele estava extasiado com a comida e disse orgulhosamente que tinha ajudado a fazer.
Não sei em que momento ligaram um celular a minha caixa de som que mantinha na cozinha e música ecoou em nossa volta embalando a tarde.
Depois de todos empanturrados, dançamos e rimos durante as conversas, nos enchemos de sobremesa como se não tivesse amanhã.
- Obrigada por salvar minha vida. - sussurrei para Miguel. Suas sobrancelhas levemente erguidas e o doce parado a caminho da boca, foram as únicas confirmações que ele estava surpreso. - Claro que eu conseguiria dar conta de mais um deles. - provoquei.
O sorriso tomando conta dos seus lábios ficou marcado em mim, antes que Will, ou Axl, me chamasse para dançar. Ainda arrisquei uma outra olhada, apenas para vê-lo sorrindo enquanto me assistia dançar com seu filho, segurando minhas mãos e remexendo o corpinho.
Ele era um homem diferente do que eu imaginei que fosse. E como na outra noite o alarme soava em minha cabeça: ele vai te trazer muita bagunça!
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Amor de Motoqueiro - Concluído
Roman d'amourA única paixão de Maria era cozinhar, até o dia que ela é assaltada em seu restaurante e por sorte é salva pelo motoqueiro Miguel. O dono do bar de motoqueiros, que fica em frente ao seu restaurante, ouviu quando os disparos foram feitos e correu pa...