Lar

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Existem algumas feridas que não somem. No máximo, criam uma casca superficial.

E não importava quanto tempo passasse, essa sensação de estar só e na iminência de morrer, jamais deixaria de gerar angústia. Sangue, confronto, cansaço: tudo isso é "acostumável". Mas com o aperto no peito, ninguém se habitua.

Com o tempo, Nathaniel parou de buscar o costume. Não pararia de sonhar com aquela memória do corredor da escola, não pararia de ter esporádicas crises de ansiedade, e muito menos deixaria de pensar em sua irmã, morta, todos os dias.

Mas também não queria morrer.

Então teria de aprender a conviver com o incômodo constante, antes que isso o consumisse e eventualmente o deixasse fraco. A fraqueza não seria perdoada e ninguém viria ao seu socorro, pois estava sozinho. Completamente sozinho.

Porém, mesmo assim, iria lutar pela vida - acima de tudo. Pois era tudo que lhe restava.



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- Amoris?

Catherine não entendeu a reação de Nathaniel. A cabeça do loiro pensava rapidamente, revendo na mente os acontecimentos do fatídico dia zero da pandemia dos mortos. Ele nunca esquecera detalhe algum.

- Qual era sua idade na época?

Catherine entendeu menos ainda a pergunta. Pensou em perguntar para o quê exatamente aquela informação serviria, mas como ele parecia exasperado, apenas respondeu diretamente.

- Eu tinha dezesseis. Estava na escola ainda.

Era ela. Só podia ser: a novata que ele deveria receber em alguns dias quando ainda era o representante. O quão estranha era essa coincidência?

Catherine continuou falando, puxando da memória todos os detalhes que conseguia.

- Íamos cair na estrada até a cidade bem no dia que tudo começou. Minha mãe tinha dado entrada em uma casinha perto da praia, meio afastada do centro, mas minha escola ia ser bem centralizada. O nome era meio engraçado, era...

- Sweet Amoris? – Ele a interrompe.

As engrenagens começam a rodar na mente de Catherine. A mulher balança a cabeça afirmativamente.

- Eu sou de Amoris. – Nathaniel continua. – E eu estudava nessa exata mesma escola. Nós temos a mesma idade. Eu ia ser da sua turma.

Ainda sentada no colchão, Catherine lança o próprio peso para trás, encostando a cabeça na parede. Digeriu a revelação lentamente.

Qual era a chance? De encontrar ali, viva, uma pessoa com quem conviveria normalmente se a civilização não tivesse acabado?

Talvez tivessem sido amigos, quem sabe. Ou talvez tivessem se odiado, sido rivais ou qualquer outra coisa de adolescente. Talvez eles poderiam ter se aproximado de uma maneira muito melhor e muito mais natural do que a atual.

Ela sorriu. O loiro era, curiosamente, a conexão mais próxima com o passado que Catherine tinha agora – porque era alguém que estaria em seu futuro de qualquer jeito, alguém que iria conhecer.

Em outro universo, como será que seria? *

Curiosamente, ele parecia o tipo de garoto que teria sido seu tipo na época de escola. A aparência, o humor meio ácido, a postura. Era o tipo de coisa que a Catherine de dezesseis anos iria gostar.

7 dias - Nathaniel Carello, Amor DoceOnde histórias criam vida. Descubra agora