Cruzem os dedos

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Ele teve um sonho naquela noite.

Curiosamente, era uma espécie de memória anteriormente perdida, uma reminiscência. Nathaniel se lembrava de tudo que aconteceu no dia inicial da infecção em Amoris, mas algumas de suas memórias do que estava a acontecer antes disso foram embaçadas pelo tempo – até aquela noite.

Eram dois dias antes da manhã fatal. Corredores inquietos, Castiel matando aula, Naomi brigando na diretoria por horários no ginásio para o recém-fundado clube de dança. Peggy bolando reportagens mirabolantes para seu jornal (que poucos alunos liam, mas evitavam escancarar a realidade para não a magoar) e Catherine, a novata, com chegada prevista em poucos dias.

Totó fugira mais uma vez, e a missão de captura do rechonchudo corgi foi designada à coitada que estava mais próxima no momento em que a velha Shermansky deixou-o fugir pela sexta vez no ano: Bia. Ela até tentou pedir ajuda ao trio de Ambre, mas foi sumariamente ignorada.

Nathaniel, gravata azul e prancheta em mãos, estava preocupado com os resultados vindouros da recente bateria de provas – provavelmente teria ido mal (nota menor que 8) em uma avaliação de química. De fato, era pouco provável que isso chegasse a baixar sua posição no ranking da sala (ainda estava muito à frente de Melody nas outras matérias) visto que a prova de química fora bem apertada.

Mas, bem, ansiedades generalizadas não se discutem. Passaria as próximas tardes estudando isomerias de posição, cadeias, tautomerias e todo o resto. Assim o fez após o almoço, quase perdendo o horário da aula de francês, a última aula daquela típica terça-feira.

Ao fim do dia, a típica discussão com seu odiado ruivo a respeito da folha de ausência. Decidiu ali que iria, da próxima vez, arranjar alguém para convencer aquele cabeça dura a assinar o papel em seu lugar – não aguentava mais aquele ritual semanal enjoativo. Talvez Melody o fizesse, pensou, mas logo desistiu da ideia. Provavelmente estaria se aproveitando da paixonite aguda dela, que ultimamente parecia até mais intensa do que o normal.

Acordou, respirando alto. Ainda devia ser cedo, madrugada, dada a posição da lua na janela. Olhou instintivamente o relógio de parede: quatro da manhã. Deveria, por segurança, sair de lá às cinco, ou cinco e meia no, máximo. Ainda tinha tempo.

Como de praxe após o despertar, o sonho foi preenchendo menos sua mente conforme o avançar dos segundos, e sua consciência corporal foi retomada. Deitado de costas na "pseudocama" (tábuas desajeitadas de madeira cobertas por um saco de dormir e lençol), Catherine estava sobre seu peito, ainda adormecida, relaxada. E nua.

A visão das costas descobertas da garota o trouxe certas memórias. Em um gesto automático, repousou a mão entre as omoplatas de Catherine, que não se moveu. Suspirou baixinho.

Ele não tinha experiência nenhuma com sexo, e ela tinha bem pouca. Digamos que o fim do mundo não era a melhor época para encontros casuais e relações. Porém pouco importou, não pensaram nisso e foi o mais puro instinto que guiou o momento. Na noite passada ela o tinha beijado, o segurado perto de si e transportando-o para um universo completamente diferente e desconhecido por ele até então.

E o corpo dela era tão bonito.

Um movimento sobre seu ombro o retirou de seus pensamentos, levemente lascivos. Em um despertar lento e sereno, seus olhos se abriram, tentando focar em meio ao escuro. Sorriam ao mesmo tempo, cúmplices, um leve rubor colorindo as bochechas de Catherine. É incrível como, na hora, a coragem é imensa. Mas depois as palavras ditas e atitudes tomadas geram um leve constrangimento. Catherine conseguia sentir seu rosto esquentar. Se encaravam, sem emitir palavra alguma, sabendo exatamente no que o outro estava pensando.

7 dias - Nathaniel Carello, Amor DoceOnde histórias criam vida. Descubra agora