Juízo

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Passara a noite em uma sala gelada, e teve de dormir no chão. Duro, direto, sem pano algum entre sua pele e o concreto empoeirado. Tentou pular para observar através de uma pequena janelinha que estava no alto da parede do cômodo, mas não conseguia saltar alto o suficiente.

Não adiantava tentar escapar, a adolescente conclui.

Sua única opção era esperar pelo melhor.


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Melody titubeava. Talvez estivesse sonhando. Beliscou secretamente a própria coxa para ver se acordava, mas nada aconteceu, então era tudo real mesmo. Aquilo. Real.

- Ok, então nós... temos uma cura? Tipo, definitiva?

- Eu não chamaria isso de cura. – Naomi responde. Ainda estavam, todo o grupo, reunidos em roda. – Até porque isso não vai "restaurar" morto nenhum, não vai acabar com a epidemia, nem nada disso. Mas, até o estoque das sessenta caixas, repletas de frascos desse remédio, que eu encontrei no porão se esgotarem, a gente não corre o risco de se transformar.

Um silêncio se instaurou, mas não em um sentido negativo. Era uma espécie de silêncio para digerir uma boa notícia – uma ocasião rara nesses últimos anos. Naomi complementou a fala, sorrindo, vitoriosa:

- E ali tem remédio o suficiente para o resto de nossas vidas.

Quis muito soltar um "eu avisei", mas ali não era hora de ser vingativa. Porém não deixava de se deleitar com as expressões de choque. Era um evento, como se o idoso paranoico da praça que sai pregando o apocalipse em três dias estivesse, de fato, certo.

O astral geral subiu de repente. Recebeu alguns abraços empolgados – especialmente das meninas. A promessa era de dias mais tranquilos – era muito mais fácil se preocupar só com não ser devorado do que com não ser mordido, ou ter de arrancar às pressas alguma parte do corpo após levar uma mordida (Naomi que o diga, com seu dedo mindinho a menos).

Discutiriam se Rayan se juntaria ao grupo ou não no dia seguinte. O voto de Naomi era positivo, mas como ninguém ali o conhecia, uma certa desconfiança natural pairava no ar. Sobrevivência, afinal. Com as conquistas mais recentes, os mais perigosos eram os vivos.

A maioria desceu do terraço. Ficaram Naomi e, sentado perto da porta, Castiel. Ele a olhava de canto, enquanto ela admirava a lua, em paz. Uma brisa agradável inundava o ambiente, refrescando os ali presentes.

Ele ensaiava em sua cabeça como exatamente se desculpar por chamar a garota de maluca. Mal sabia que, dele em específico, ela não conseguia guardar mágoa por muito tempo. Não obstante, ela ainda conhecia todos os seus trejeitos. Incrível como, apesar de tudo, ele ainda a lembrava muito dos tempos de escola.

Assim, Naomi sabia que ele estava constrangido com algo e imerso em pensamentos. O olhar desviante, as mordidas na bochecha e o estalar de dedos eram coisas das quais ela conhecia o significado a anos.

Então se aproximou, calmamente, e se abaixou até ficar ao mesmo nível do ex-ruivo, ainda sentado. E antes mesmo que ele pudesse abrir a boca e dizer "sinto muito" ou qualquer coisa do gênero que seu cérebro decidiria de última hora, ela foi mais rápida.

- Eu sei, eu sei. – Deu um afago nos fios pretos, bagunçando-os, em um gesto afetuoso. Antes que ele pudesse reclamar, pois sabia bem que ele iria, se levantou e foi em direção à porta. – Não consigo ficar irritada com você, mesmo que eu esteja morrendo de vontade de te perturbar repetindo "eu te avisei" pelo próximo mês todo.

Castiel vira a cabeça e, por alguns segundos, se encaram. Naomi sorri.

- Boa noite.

O som de seus sapatos ecoa escada abaixo. Ele puxa um cigarro de dentro do bolso da jaqueta, e o acende. A brisa estava realmente relaxante. Sentia um leve farfalhar no peito.

7 dias - Nathaniel Carello, Amor DoceOnde histórias criam vida. Descubra agora