Èze, morta

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3 anos antes...

Catherine retorna casa adentro, arrastando as malas que restavam do lado de fora do sobrado. A ordem nacional era de quarentena, e nem ela, muito menos sua mãe, sabiam o porquê. Apenas foram avisadas por uma notificação de SMS, do serviço de emergência francês, pouco antes de guardarem toda a bagagem no estiloso Opala da Sra. Nathalie Dupan.

Estavam de mudança, saindo de Le Mans e indo para Amoris. A garota, com apenas dezesseis anos, acompanhava o retorno da mãe à sua amada cidade natal.

Mas pelo visto a viagem teria de ser interrompida.

Catherine tentou ligar para Marcel, seu irmão, na tentativa de descobrir o que estava acontecendo. Ele morava na grande Paris, então talvez soubesse de algo. As coisas sempre chegam mais rápido nas cidades grandes.

Cada toque parecia durar horas. O resultado foi caixa postal, e o sinal de internet era cada vez mais fraco.

Preparou um chá para sua mãe – hortelã, como Nathalie mais gostava - e checou se a porta de casa estava bem trancada. Estava com um mal pressentimento.

Era o mundo acabando.

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Nina ia no banco de trás, o que lhe permitia ficar com a perna ferida reta, para maior conforto. Adormecera em poucos minutos com o balanço suave do carro. Catherine dirigia o senil veículo, e Nathaniel ia a seu lado, no banco da frente.

E quando mais estrada percorriam, mais ele se dava conta de que era uma insanidade estar ali, com duas recém-conhecidas, no meio do nada. Não costumava se ajuntar a um grupo, muito menos confiar em desconhecidos, mas os últimos dias foram tão corridos que ele sequer conseguira parar para pensar em onde estava se metendo.

Mas não podia ignorar que estava vivo apenas por intermédio de Catherine – que, a seu lado, mantinha os olhos grudados no percurso.

Iriam até os arredores da cidade de Èze, e procurar por alguma propriedade rural abandonada ou algo do gênero. Seria uma viagem curta, era um destino relativamente próximo, mas que já abria uma distância segura da base dos Brassempouy.

O silêncio era sepulcral. E por mais que tenha adotado, voluntariamente, o estilo de "lobo solitário" nos últimos anos, interação social era sempre algo que fazia falta. Estar, de fato, na companhia de alguém mesmo sem nenhuma palavra a ser dita, era meio que reconfortante para Nathaniel.

Claramente esse pensamento piegas jamais seria externalizado por ele. Ao menos não sem ameaças.

- Você está fazendo uma cara engraçada. – Catherine disse, o tirando de seus pensamentos.

- Não estou não. – Ajeitou a postura, se endireitando no banco. – Estou apenas pensando.

- Então você costuma fazer uma careta enquanto pensa. Nunca te falaram isso?

Já. Já o falaram isso, várias vezes inclusive. Mas ele não iria dar o braço a torcer, então apenas ficou em silêncio. Pensou em cobrar mais explicações sobre o conflito de Nina com Brassempouy, mas decidiu fazer isso quando estivessem em seu destino – e com a garota acordada.

- Hoje é natal. – Ela disse.

Nathaniel levanta as sobrancelhas. Sempre tentava calcular a data para ter ao menos alguma ideia de qual estação estava vigente, mas nunca conseguia uma boa precisão. Para ele, o natal seria, no mínimo, em umas três semanas.

- Então eu te desejo... Boas festas? – Perguntou. Não era um questionamento condescente: ele apenas, de fato, não sabia o que falar. Natal, páscoa, ano novo: nada disso possuía sentido algum mais.

Catherine ri.

- Boas festas para você também, eu acho. – Ela desvia o olhar para observá-lo rapidamente. – Natal costumava ser um grande evento lá em casa.

- Vocês montavam a árvore cantando canções natalinas enquanto assavam biscoitos de gengibre? – Caçoou.

Um brilho nos olhos da morena se acende.

- Você ri, mas era exatamente isso que a gente fazia. Minha mãe era religiosa, então levava toda essa questão de nascimento de Jesus muito a sério. Ela via como um milagre estar viva, então sempre tinha todo aquele papo de gratidão e tudo mais.

Nathaniel ficou curioso sobre o porquê de a mulher considerar a própria sobrevivência um milagre, porém achou que seria indiscreto perguntar. Mas certamente ele deixara escapar, na própria expressão, algo que dedurasse sua curiosidade, pois Catherine logo emendou:

- Câncer. Ela passou muitos anos brigando com um câncer bem agressivo, sempre costumavam dar poucos meses de vida para ela nas consultas.

- Ah, sinto muito. - Ele diz, murchando. Talvez devesse tentar controlar melhor as próprias expressões de agora em diante.

- Tudo bem. – Catherine balança a cabeça. Sua mãe não era algo que a trazia melancolia. – Ela sempre sobrevivia, contrariando todas as expectativas. A gente se despedia antes de cada cirurgia, mas no final tudo dava certo. Ela até chegou a se curar completamente.

Ela interrompe a própria fala no meio, como se tivesse perdido o fio das próprias palavras.

- Mas foi logo antes... disso tudo. De agora.

Sua voz saiu mais grossa que o habitual, acompanhando o peso da declaração. Era a ironia da vida: tudo esteve bem, Nathalie estava melhor, elas iriam se mudar para uma ótima casa em uma bela cidade costeira. Sem mais hospitais, remédios, operações arriscadas ou sessões de radioterapia.

E tudo degringolou em poucos dias.

Nathaniel, percebendo a melancolia instaurada no ambiente, passou suavemente a mão no ombro direito de Catherine, em um gesto reconfortante. Ela sorriu.

- O que você costumava fazer para o natal?

- Ah. – O loiro responde, desanimado. – Na minha família era bem mais entediante. A árvore e a ceia eram preparadas pelas funcionárias da casa e...

Catherine o interrompe.

- Então você era um playboyzinho?

Ele cora, negando. Apesar de sua negação veemente, sua família, de fato, possuíra muito dinheiro. Mas novamente não iria dar o braço a torcer.

- Ter cozinheira em casa, para mim, é coisa de playboy. – Catherine implica mais um pouco, querendo tirar reações do loiro. Era divertido vê-lo irritado.

Antes que pudesse retrucar, algo chama a atenção da visão do loiro, prendendo seus olhos por completo.

Fumaça.

Estavam adentrando Èze, e era possível ver uma fina coluna de fumaça surgindo. E, quando as primeiras casas da cidade começam a aparecer em seu campo de visão, logo a ficha cai.

Estavam todas chamuscadas.

A pequena, histórica e linda Èze, com suas casinhas antigas e perigosamente coladas, muitas vezes com diversas colunas de madeira em suas estruturas, havia sofrido um incêncio.

As paredes que restavam estavam todas escurecidas. Os charmosos jardins da entrada urbana já não existiam mais. Estava tudo morto.

- Mas o que foi que...




Meu twitter: nathpetista

Agradecimentos à minha querida amiga beatriz que fez essa capa LINDA.

7 dias - Nathaniel Carello, Amor DoceOnde histórias criam vida. Descubra agora