Capítulo 2

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Para Wei Ying, a coisa mais parecida com um dia de descanso consistia em ficar trabalhando na loja. Tirar um dia de folga, na verdade, era um luxo ao qual só se permitia raramente, e apenas quando Yuan estava de férias. Hoje, a fim de ficar sozinho, enviou todos os empregados com os barcos. Por volta do meio-dia, todos os mergulhadores já haviam alugado o equipamento e o movimento enfraquecido, o que lhe deu tempo para revisar os tanques de oxigênio e checar o estoque.

A pequena loja necessitava de pintura, mas Wei Ying afastava a ideia, não desejando arcar com despesas extras. Nos fundos havia uma sala usada como escritório, com uma escrivaninha antiga e uma cadeira. O resto do cômodo estava abarrotado de equipamentos para mergulho, empilhados pelo chão, dispostos em prateleiras ou pendurados em ganchos presos à parede. Embora os móveis estivessem em mau estado, fazia questão de trabalhar com equipamentos de primeira qualidade.

Máscaras, respiradouros, tanques, pés-de-pato eram alugados avulsos ou não. Wei Ying aprendeu com o tempo que, quanto maior a possibilidade de escolha, mais fácil seria alugar as peças e atrair clientes. Ao lado da porta de entrada da loja existia uma lista, em inglês, espanhol e chinês, de todo o material disponível, os serviços que prestava e os preços.

Quando inaugurou o "Coral Negro", oito anos atrás, Wei Ying o havia abastecido com itens suficientes para doze mergulhadores. Custou na época cada centavo que possuía; cada centavo que Wen Chao deu ao garoto ingênuo que esperava um filho dele. Mas o garoto se tornou um homem, que agora possuía um negócio capaz de atender a cinquenta mergulhadores, fotógrafos submarinos ou turistas que apenas desejavam passar um dia agradável apreciando as criaturas do mar.

O primeiro barco de mergulho que adquiriu recebeu o nome de Yuan, em homenagem à filho. Aos dezoito anos, sozinho e assustado, Wei Ying havia prometido a si mesmo que o bebê que carregava teria sempre do melhor. Dez anos depois, correndo os olhos pele loja, ele sabia que tinha cumprido a promessa.

A ilha para a qual fugiu havia se transformado num verdadeiro lar. Ali construiu sua vida e era respeitado. Não olhava mais para a imensa extensão de areias brancas e mar azul desejando poder voltar a China. Não mais lamentava não ter terminado os estudos, nem chorava pelo homem que o abandonou, e a seu bebê. Wei Ying estava certo que todas as pessoas que a haviam rejeitado por causa daquele gravidez inesperada agora aceitariam Yuan.

— Como é que vai?

Ajoelhado, checando alguns equipamentos, Wei Ying semicerrou os olhos a fim de poder ver direito contra a luz do sol. Um homem grandalhão, vestido em um traje de mergulho vermelho e preto, olhava para ele, com um charuto na boca.

— Oh, não sabia que ainda estava na ilha...

— Fui mergulhar em Cancún por uns tempos.

Wei Ying se levantou com um sorriso. O Sr. Jin, um de seus melhores clientes, vinha a Cozumel três ou quatro vezes por ano.

— Viu algumas das ruínas? — perguntou.

— Minha mulher me arrastou até Tulum — respondeu sorrindo. — Estou pensando em fazer uns mergulhos noturnos.

— É para já. Quanto tempo ainda pretende ficar por aqui? — indagou, pegando uma lanterna e o resto dos apetrechos.

— Mais algumas semanas. Mereço este descanso, não acha?

— Claro que sim — Wei Ying lhe assegurou, feliz pelos homens de negócios de varias partes do mundo sentirem tamanha necessidade de descansar em Cozumel.

— Quer dizer que as coisas por aqui andaram agitadas...

— Se refere ao chinês que foi morto? — Embora já devesse estar acostumado com a curiosidade, Wei Ying não pôde evitar o arrepio que lhe percorreu a espinha.

Passageiro do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora