Capítulo 4

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O júri olhava fixamente para Lan Zhan. Ele permanecia na frente de todos, suportando aquele pequeno, mas sufocante, tribunal, ouvindo a própria voz ecoar peles paredes. Os livros de Direito que carregava, grossos e pesados, faziam seus braços doerem, porém suportava o esforço com bravura.

Gotas de suor rolavam peles têmporas, lhe escorriam peles costas, enquanto Lan Zhan pronunciava um impressionante discurso final, apelando pele absolvição do réu. Era vida ou morte, e a voz dele se emocionava a cada segundo com o dilema. O júri permanecia imóvel, desinteressado, Lan Zhan lutava para segurar os livros que teimavam em cair. Meio zonzo, encostado na parede, escutou o veredito.

"Culpado, culpado, culpado."

Em desespero, ele se virou para o réu. O homem ergueu a cabeça de modo que os dois rostos ficaram frente a frente. Lan Zhan estremeceu, seria ele mesmo? Ou Lan Huan? Desesperado, caminhou de volta à cadeira. À distância, vestida de negro, Wei Ying balançava a cabeça, com olhos tristes.

- Não posso ajudá-lo - ele dizia.

De repente, Wei Ying começou a desaparecer. Lan Zhan esticou a mão tentando alcançá-lo, mas seus dedos trespassaram aquele corpo como se ali nada houvesse. Tudo o que Lan Zhan podia ver eram dois olhos escuros e tristes. E então, ele se foi, seu irmão também, ficando apenas aquele júri impassível: doze rostos insensíveis, sorrindo irônicos para ele.

Lan Zhan abriu os olhos e permaneceu deitado, ofegante, encarando a coleção de bonecos na prateleira. Com um longo suspiro, passou a mão pelo rosto e se levantou.

"Café", ele pensou. "Preciso de café."

Tentando ignorar as faces sorridentes dos bonecos ele se vestiu. Tudo ali se mostrava diferente. Ao invés do tráfego do começo da manhã na Filadélfia, ele ouvia os pássaros cantando do outro lado da janela. Havia flores e arbustos, no lugar de gramados bem aparados e cercas, com os quais estava habituado. Cada passo seria dado no escuro, porém de um modo ou de outro, teria que dá-los. Assim que saiu do quarto sentiu o cheiro de café fresco.

Wei Ying já se encontrava na cozinha, vestido com uma camiseta e com a parte de baixo de uma roupa de banho.

- O café está em cima do fogão - ele falou, sem se virar. - Se quiser ovos, pode pegar na geladeira.

- Tudo bem - murmurou Lan Zhan, se servindo de café.

- Fique à vontade. - Wei Ying ligou o rádio para ouvir a previsão do tempo.

- Meu carro ficou em San Miguel - Lan Zhan informou.

- Vou sair daqui à meia hora. Se quiser carona, é bom que esteja pronto.

Lan Zhan tomou um gole de café e olhou-o fixamente. Ainda estava pálido, tanto que as marcas escuras no pescoço eram visíveis. As olheiras profundas mostravam que a noite de Wei Ying não tinha sido melhor que a dele.

- Você nunca pensa em tirar folga?

- Não - ele respondeu com voz seca, o encarando pele primeira vez naquele dia, e voltou os olhos para a lista que conferia.

- Não acha que precisa de um descanso?

- Tenho muito o que fazer. Outra coisa: se quiser ovos mexidos é bom andar depressa. A frigideira está no armário ao lado do fogão.

Conformado, Lan Zhan começou a preparar a comida, e Wei Ying só voltou a olhá-lo quando pressentiu que ele se encontrava de costas.

Agira como um tolo na noite passada. O fato de ter se sentido atraído por ele até poderia ser encarado como normal. Mas a maneira como ficou nos braços dele, submisso e cheio de desejo, fazia sentir raiva de si mesmo. E de Lan Zhan.

Passageiro do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora