Capítulo 9

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Por estar convencido de que jamais conseguiria dormir longe de casa, Wei Ying estranhou ao despertar tão bem, um pouco depois das seis da manhã. Mesmo não tendo que sair para trabalhar, habituou-se a acordar naquele horário.

Se fosse o enredo de um filme ou um livro, ele poderia apreciar a história, porém, se ver envolvido em contrabando e crime não era bem o que queria para sua vida. Apesar de ser bastante realista para saber da impossibilidade de se afastar daqueles acontecimentos, bem ou mal se encontrava no meio daquele melodrama. A única dúvida permanecia em saber qual a estratégia a ser seguida.

Não havia como fugir. Wei Ying já havia chegado à conclusão de que, mesmo com proteção policial, mais dia, menos dia, o homem da faca voltaria a procurá-lo. No momento em que tinha olhado dentro daquele cofre no banco passou a ser peça integrante do jogo. Precisava confiar em Lan Zhan, pois se ele desistisse de tudo e voltasse para a China, ficaria ainda mais sozinho. Por mais que desejasse o contrário, Wei Ying necessitava dele tanto quanto Lan Zhan precisava dele.

Um outro detalhe havia mudado: os sentimentos que nutria por ele estavam ainda mais confusos e indefinidos. Vê-lo emocionalmente ferido e vulnerável, na noite anterior, despertou nele algo além da atração sexual; era como uma necessidade de ajudá-lo, não só pelo seu próprio bem-estar como pelo de Lan Zhan. Ele sofria não só pelo que havia acontecido ao irmão, mas também pelo que Lan Huan tinha feito.

Wei Ying constatou que não adiantava nada ficar se martirizando com tantos pensamentos. Teria que agir e logo.

Lan Zhan se encontrava acordado desde às três horas da manhã. Por quase uma hora esteve tentando encontrar uma maneira para tirar Wei Ying da situação em que Lan Huan e ele mesmo o haviam colocado. A segurança dele o preocupava, e não adiantaria nada tentar convencê-lo a ir para China. Para ele, a segurança do filho vinha em primeiro lugar.

A cada dia Lan Zhan conseguia compreendê-lo melhor. Wei Ying não passava de um ômega que usava da solidão para se proteger. Era uma mulher de negócios, porém somente para garantir o futuro do filho. No íntimo, entretanto, ele acreditava que Wei Ying sonhava em se entregar novamente para viver a plenitude de um grande amor. Ele se dedicava apenas à criança, convencido de que havia encontrado a felicidade.

Isso ele entendia muito bem, pois há poucas semanas também vivia na ilusão de que era um homem feliz. Só agora, podia perceber o quanto esteve enganado. Talvez não fosse tão diferente do irmão; ambos perseguiam o sucesso, só que de maneiras diferentes.

Embora Lan Zhan tivesse uma carreira estável e residência fixa, nunca havia encontrado alguém com quem realmente se envolvesse. Sempre fez questão de colocar a carreira em primeiro plano. Só a morte do irmão o alertou para a necessidade de uma relação mais sólida e definitiva.

Entretanto, ficar pensando na própria vida não resolveria os problemas de Wei Ying. Ele não concordaria em viajar para China, mas devia haver um outro lugar para onde Wei Ying pudesse ir até que tudo votasse ao normal. O primeiro pensamento de Lan Zhan foi a casa dos pais, uma propriedade em Lijiang . Se pudesse convencê-lo a sair do México, quem sabe até levar o filho com ele, então se sentiria mais aliviado. Ele estava certo que os pais aceitariam os dois, e até mesmo o tratariam como a um filho.

Aí, terminada sua missão, ele seguiria para Lijiang. Adoraria vê-lo entre as coisas as quais estava tão acostumado. Teriam tempo para falar sobre assuntos corriqueiros, para rirem juntos. Quem sabe poderia compreender melhor os sentimentos que haviam se apossado dele quando Wei Ying encostou o rosto no seu, lhe oferecendo ajuda e consolo...

A vontade de Lan Zhan naquele momento foi de segurá-lo junto de si e se esquecer do resto do mundo. Não sabia por quê, mas havia algo nele que o fazia pensar em noites quentes na varanda e passeios ao luar. Era difícil explicar; em casa nunca tinha tempo para essas coisas. Até as festas às quais comparecia se relacionavam com trabalho. Wei Ying, por outro lado, jamais tirava um dia de folga. Portanto, o que faria um homem dedicado inteiramente a profissão ficar imaginando dias de preguiça ao lado de um ômega obcecado pelos negócios?

Passageiro do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora