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- Quando você percebeu?
O céu está iluminado,as luzes da cidade dão um tom amarelado a ele, não deixa de ser bonito. A casa da Helena tem uma laje, a laje que nós nos refugiamos para conversar um pouco enquanto a mãe dela faz o jantar. O problema são as cadeiras de praia de plástico, elas são velhas e desmancham quando são esfregadas. Também tem o cheiro dos produtos químicos que são usados pra clarear pêlos, e logo logo o cheiro vai impregnar as minhas roupas.
- O quê?
- Sei lá, que gostava de pinto.
Sorrio, que conversa mais idiota.
- Não sei, nem acho que isso se descobre sabe? Você nasce assim. Não é como descobrir um novo continente. Vem de você, se sentir assim.
Ela brinca com a ponta dos cabelos, e parece que não se conformou com a resposta. As pessoas as vezes tem ideias de como as coisas funcionam, e quando essas ideias não batem com a realidade, isso gera uma insatisfação. Ela é como os homofobicos, com suas muitas diferenças é claro, mas tem suas semelhanças. Os homofobicos hipócritas como são, acham que são perfeitos, e sendo a perfeição, pensam que tudo que eles fazem é normal ( mesmo que a palavra nesse contexto não exista ) e os que são anormais, eu o Eduardo e todos gays, lésbicas, transexuais somos uma abominação que não deveriam existir. Certo é: homem gosta de mulher e vice versa. Pronto, não se fala mais nesse assunto, os anormais que se fodam. São ideias, ideias idiotas que as pessoas criam para explicar coisas que elas não compreendem.
A Helena talvez pensou que eu tive alguma coisa a ver com isso, não, eu não quis gostar de pinto. Nasci veado e morrerei veado. Simples assim.
- Por quê?
- Não sei, só me deu curiosidade.
- Sei.
- Mais uma coisa.
- Sim?
- Por que? Por que você não me contou antes? Tudo teria tomado outro rumo, sabe? Você é tão frustrante.
Suspiro e reviro os olhos. Ela não entende? Vamos lá então.
- Helena, uma coisa que você deve saber é: as pessoas são monstro de roupa. Esses monstros não aceitam e repugnam gente como eu. Eu simplesmente não poderia chegar até você e dizer um "oi Helena, não sei se você sabe, mas eu sou muito gay". As coisas não funcionamento dessa maneira. Eu tenho medo Helena, muito medo. E o maior medo é que as pessoas que eu amo não me aceitem como eu sou. Tudo é mais complicado.
Ela passa um tempo calada, mastigando as informações. Eu entendo a confusão que deve estar na cabeça dela, só porque não é com ela não deixa de ser difícil de entender.
- Eu te entendo. Mas é um choque pra mim sabe? Eu nunca desconfiei de nada.
Ela bate a palma da mão na testa e o que me faz rir confuso.
- As músicas! Nossa como eu fui cega...
Ela abaixa a cabeça e balança se lastimando.
- O que tem as músicas?
- Que hétero teria todos os álbuns da Lana del Rey e da Lady Gaga?
Rio do jeito que ela fala e soco o ombro dela.
- Que porra de machista você!
Nós dois caímos na risada.
- Você sabe que ainda te amo.
- Sei, também te amo.
- Nada de segredos, ta bom?
- Ta bom.
Estico o braço e pego a mão dela, e aperto com carinho. Isso é um alívio.
- Helena vem comer antes que a comida esfrie.
É a mãe dela da escada que dar acesso a laje, poderia distinguir a voz da mãe da Helena entre milhões de pessoas. Ela parece um pato roco cansado. Mais é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci, ela trabalha e cuida de três filhos sozinha porque o pai da Helena foi pra algum lugar que eu não me lembro agora, Maranhão talvez, não sei, e nunca voltou e nem deu notícias pra ex-família. A dona Conceição também não quis mais saber do marido fujão. Talvez o casamento já tivesse acabado. Eu admiro ela pela a coragem e como ela faz tudo isso com bom humor.
- Já vou!
Ela se levanta o que me faz fazer o mesmo. Descemos correndo as escadas. Já consigo sentir o cheiro bom. Esqueci de dizer, a dona Conceição é uma cozinheira de mão cheia.
- Pode sentar lucas. Fiz sopa de legumes, você gosta?
Não vou mentir, nunca fui muito fã de sopa, mas sendo preparado por ela tomo sopa até de pedra.
- Como sim. Obrigado.
O jantar se passa bem, os irmãos mais novos da Helena são engraçados, o que me faz quase cuspir sopa na cara da Helena.
Quando terminamos a Helena me leva até a porta.
- Tchau, a gente se ver amanhã.
Digo me despedindo.
- Ta bom. Você já conversou com o Eduardo?
Merda. Depois daquela noite passei um tempo sem falar com ele.
- Lucas, fala com ele.
Ela me adverte.
- Vou falar, só to arranjando coragem pra fazer isso.
- É, vocês dois tem muita coisa pra conversar.
- Gosto muito dele, gosto tanto que não quero ver ele sofrer.
- Mais é exatamente isso que você está fazendo com ele. Fugir nunca resolve. Tchau, fica bem ta?
- Claro.
Ela me abraça e eu vou embora.
Quando eu chego em casa meu pai está cochilando no sofá. Minha mãe... Não sei. Deve estar no quarto.
Quando entro no meu quarto resolvo ligar pro Eduardo. No terceiro toque ele atende.
- Oi.
- Oi, tudo bem?
- Era pra estar tudo bem? Digo, você esquece que eu existo depois daquela noite e pergunta se ta tudo bem?
- Eduardo, por favor cara. Eu precisava disso. As coisas são complicadas.
- Não Lucas não são. Você que quer complicar tudo. E eu Lucas? Onde eu fico nisso tudo?
- Desculpa.
Não se escuta mais nada.
- Você ainda estar aí?
- Onde mais eu estaria? Gosto tanto de você, por que você não acredita e para de montar barreiras pra gente acontecer?
- Aí cara - suspiro - eu também gosto muito de você. E é por isso que eu tenho medo por você, pela a gente.
- Vem aqui em casa.
- Agora?
- É agora.
- Mais a essa hora da noite?
- Tchau, vou desligar.
- Não, não desliga por favor. Eu vou, me espera.
E agora mais essa. Droga! O que eu vou falar para os meus pais? O jeito é sair de fininho.
Saiu e meu pai ainda estar no sofá. Nem sinal da minha mãe. Ótimo. Fecho a porta com a leveza de uma pluma, e cominho rua a fora.

Crônicas de um orgasmoOnde histórias criam vida. Descubra agora