47 | tudo sobre ela

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A minha mãe costumava dizer que eu era uma criança maravilhosa

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A minha mãe costumava dizer que eu era uma criança maravilhosa. Inteligente, educada e promissora, em algum aspecto do qual eu ainda sequer tinha conhecimento. Ela olhava para mim com tanto amor, mas tanto amor, que era insuportável para mim saber que fui uma das várias causas da sua morte.

Eu não usei uma faca para magoá-la; não usei as mãos e nem qualquer outro objecto para enforcá-la, e muito menos peguei numa arma. Eu a matei de dentro para fora, junto do meu pai. Eu não cuidei da Eris, não fui bom irmão o suficiente, e isso consequentemente me tornou um mau filho. Vivienne Fermi estava doente, eu sabia, mas o quão doloroso devia ter sido perder uma criança? Um ser que viveu no seu ventre por nove meses, com quem criara conexão, e saber que não iria mais poder sentir o cheiro ou ouvir a risada? Como devia ter sido olhar para o quarto da Eris, ver ali todos os seus brinquedos e outros pertences, e saber que ela nunca mais poderia voltar a usá-los?

Como devia ter sido ter noção de que era impossível poder tocar ou abraçá-la mais uma vez?

A minha mãe não via maldade em mim, nunca viu. Mas foi estranho sentir como se quisesse distância de mim depois do que aconteceu à Eris, ainda que de forma sutil. Foi estranho ver o seu estado piorar e a doença agravar-se, e sentir como se os seus toques e abraços não fossem mais calorosos do mesmo jeito. No entanto, o pior foi ouvir do meu próprio pai que tudo aquilo era culpa minha, como se ele não tivesse abandonado duas crianças apenas para "paparicar" mais uma mulher qualquer antes de estar entre as suas pernas.

Eu, de qualquer forma, deveria ter ficado acordado. Era responsabilidade minha cuidar da Eris; era assim que pensava desde sempre. Eu destruía tudo e todos, essa era a minha natureza.

O Marco havia me preparado desde cedo para ser um desastre. Na actualidade, tinha alguns esqueletos dentro do armário e mais segredos sujos por guardar. Todavia, ele não me havia preparado para o momento que vivia: sentado à mesa farta de uma das casas do Donovan, eu tragava o rolo de erva com a atenção depositada no jardim bem cuidado. O vento suave da manhã fresca e pouco ensolarada balançava as folhas das árvores podadas, e eu apenas saí dos meus devaneios quando alguém deixou parte dos meus pertences à frente, sobre a mesa, antes que outra pessoa despejasse um pouco de sumo natural no copo de vidro próximo a mim.

— Bem mais fresco aqui em cima, não? — Donovan indagou num suspiro ao sentar-se numa das cadeiras, a expressão quase vazia. Eu pressionei a extremidade acesa do baseado no cinzeiro de imediato, sentindo-me mentalmente exausto.

— Como ela está?

Lentamente, ele desviou o olhar da xícara de café para o meu rosto à medida que esticava o guardanapo de cetim sobre o colo, sereno.

— Achava que dois dias sob os cuidados do meu pessoal fossem deixar-te menos mal-humorado. Ainda fiz questão de mandar que te devolvessem o celular hoje... — murmurou, alheio ao meu desagrado.

— Onde está a Ayla?

— Não te preocupes, ela está ótima.

— Eu não a vejo há dois dias, como esperas que não me preocupe?

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