Capítulo 5 - Rainha das trevas

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Quando chego à mesa em que sempre almoçamos, Betty e Kevin já estão lá. Mas ao ver que Toni está com eles, fico tentada a correr na direção contrária.

— Você pode se sentar com a gente, mas só se prometer não ficar encarando a novata — diz Kevin, rindo. — Encarar os outros é falta de educação, sabia? Será que ninguém lhe ensinou isso?

Reviro os olhos e me sento ao lado dele no banco, determinada a provar que não estou nem aí para a presença de Toni.

— Fui criada por lobos, o que é que eu posso fazer? — Dou de ombros e trato de abrir o zíper da bolsa térmica em que trago meu almoço.

— Fui criado por uma drag queen e por uma escritora — diz Kevin, surrupiando um confeito do cupcake pré-Halloween de Betty.

— Desculpe, mas esse não é você, querido — intervém Betty, rindo. — É o Chandler de Friends. Eu, por minha vez, fui criada por uma congregação de bruxas. Fui uma linda princesa vampira, amada, adorada e admirada por todos. Cresci num luxuoso castelo gótico, e nem sei como vim parar aqui, nesta horrenda mesa de fibra de vidro, junto com a ralé. — Ela acena para Toni. — E você?

Ela dá um gole no que está bebendo, um líquido vermelho iridescente em uma garrafa de vidro, e então corre os olhos por nós três e diz:

— Itália, França, Inglaterra, Espanha, Bélgica, Nova York, Nova Orleans, Oregon, Índia, Novo México, Egito e mais alguns lugares por aí. — Ela sorri.

— Filha de militar, aposto. — Betty dá uma risada, retira um confeito do cupcake e o arremessa para Kevin.

— Cherylédooregon — ele não consegue falar direito enquanto captura o doce com a língua e o engole com seu isotônico.

— O quê? — pergunta Toni, confusa.

Kevin ri.

— Falei que a Cheryl, nossa amiga aqui, é do Oregon — diz, provocando um olhar torto de Betty, que, mesmo depois do mico que paguei ontem, ainda me vê como a maior pedra em seu caminho rumo ao amor absoluto e não gosta nem um pouco de me ver no centro das atenções, ainda que por um breve instante.

Toni sorri, olhando para mim.

— Onde no Oregon? Já morei em Portland.

— Eugene — respondo, focando meu sanduíche, não Toni, pois mais uma vez, exatamente como aconteceu na sala de aula, quando ela fala, sua voz é o único som que ouço.

E toda vez que nossos olhares se encontram sinto meu corpo ficar quente.

E quando o pé de Toni roça o meu, todo o meu corpo começa a formigar.

E essa história já está me deixando nervosa.

— Como você veio parar aqui? — Toni se inclina em minha direção, e Betty logo dá um jeito de se aproximar dela, deslizando no banco.

Sem tirar os olhos da mesa, crispo os lábios como faço sempre que estou aflita. Não quero falar sobre meu passado. Não vejo motivo para revelar todos os detalhes sórdidos; para explicar como, por culpa exclusivamente minha, toda a minha família morreu, e eu, por algum motivo insondável, sobrevivi. Portanto, simplesmente retiro a casca do pão e digo:

— É uma longa história.

Posso sentir o olhar de Toni sobre mim, um olhar intenso, quente, convidativo. Fico tão nervosa que minhas mãos começam a suar, e deixo escorregar a garrafa de água mineral. Tudo acontece tão rápido que não tenho tempo de fazer nada, além de esperar pelo barulho provocado pela queda.

Mas antes que a garrafa chegue à mesa Toni a pega no ar e a devolve a mim. Fico ali, encarando minha água mineral e evitando o olhar dela, cogitando se fui a única a perceber o borrão que se formou no lugar do braço dela, tamanha a rapidez do gesto.

para sempre - choniOnde histórias criam vida. Descubra agora