Capítulo 4 - Retrospectivas

106 12 2
                                    

Foi Jason quem me ajudou a recuperar a memória. Recontando histórias de nossa infância, relembrando a vida que levávamos, os amigos que tínhamos, até que tudo voltou à tona. Também foi ele quem abriu meus olhos para a bela vida que passei a ter no sul da Califórnia; ao vê-lo tão empolgado com meu quarto novo, o lustroso conversível vermelho, as praias maravilhosas e minha nova escola, percebi que, embora essa não seja a vida que escolhi, ainda assim tem seu valor.

E mesmo que a gente ainda brigue, discuta e implique um com o outro tanto quanto antes, a verdade é que, hoje, eu vivo para as visitas dele. Agora que posso vê-lo, tenho uma pessoa a menos de quem sentir saudades. E os momentos que passamos juntos são os melhores de cada dia.

O único problema é que ele sabe disso. Portanto, sempre que toco nos assuntos proibidos, tais como: Quando vou poder ver a mamãe, o papai e a Buttercup outra vez? Ou Para onde você vai quando não está aqui?, ele me castiga passando uns dias sem aparecer.

Esse mistério todo me deixa furiosa, mas não sou boba de insistir nisso. Também não contei a ele sobre meus novos poderes sobrenaturais, de enxergar auras e ler pensamentos, muito menos sobre as mudanças que esse dom provocou em mim, inclusive no jeito de eu me vestir.

— Você nunca vai arrumar namorada vestida assim.

Ele diz isso esparramando-se em minha cama enquanto cumpro o ritual das manhãs, tentando me aprontar para a escola e sair mais ou menos a tempo.

— Bem, nem todo mundo pode simplesmente estalar os dedos e...puf!, ter a roupa que quiser — respondo, calçando os tênis surrados e amarrando os cadarços puídos.

— Ah deixe de onda! Como se Rose não lhe desse o cartão de crédito na mesma hora em que você pede. E esse capuz aí? Por acaso você faz parte de uma gangue?

— Não tenho tempo pra ficar de papo. — Recolhendo livros, iPod e mochila vou em direção à porta. —Você vem comigo? — pergunto, e minha paciência quase chega ao limite quando vejo Jason fazendo beicinho enquanto decide, com a maior calma do mundo, o que vai fazer.

— Tudo bem — ele diz finalmente. — Mas só se você baixar a capota. Adoro sentir o vento no cabelo.

— Ótimo. Mas veja se dá o fora antes de a gente chegar à casa do Kevin, falou? É horrível ver você sentado no colo dele sem permissão.

Quando Kevin e eu chegamos à escola, Betty já está esperando por nós no portão, correndo os olhos por toda parte.

— Olha só — ela diz —, daqui a cinco minutos o sinal vai tocar e a Toni ainda nem deu as caras. Vocês acham que ela caiu fora? — pergunta, os olhos amarelos em nós, arregalados de inquietação.

— E por que ela faria isso? Acabou de chegar — eu digo, seguindo para meu armário, enquanto Betty saltita a meu lado, tamborilando no chão as grossas solas das botas.

— Hmm... porque não somos dignos dela. Ou porque ela é boa demais pra ser verdade, quem sabe.

— Mas ela precisa voltar. A Cheryl emprestou pra ela seu exemplar de O morro dos ventos uivantes, e ela agora precisa devolvê-lo — diz Kevin, antes que eu possa detê-lo.

Balançando a cabeça enquanto abro o cadeado do armário, sinto nas costas todo o peso do olhar furioso de Betty.

— Quando foi que isso aconteceu? — ela diz, as mãos apoiadas na cintura. Você sabe que a senha número 1 é minha, não sabe? E por que eu não fui informada disso? Por que ninguém me contou nada? Na última vez que a gente se falou, você ainda nem tinha visto a garota.

— Ah, mas ela viu. Quase tive de ligar pro disque-emergência pra ressuscitar nossa amiga — diz Kevin, rindo.

Mais uma vez balanço a cabeça, fecho o armário e sigo pelo corredor.

para sempre - choniOnde histórias criam vida. Descubra agora