Capítulo 6 - Conversas difíceis

100 10 2
                                    

Toni e eu somos colegas em duas matérias, mas só na aula de inglês é que nos sentamos uma ao lado da outra. Portanto, volto a vê-la apenas quando já terminou o sexto tempo, a aula de educação artística, e já recolhi minhas tralhas, pronta para ir embora.

Ela corre a meu encontro, segura a porta para mim, e eu passo ao corredor olhando para baixo, bolando um jeito de desconvidá-la.

— Seus amigos me chamaram pra passar na sua casa hoje à noite — ela diz, andando passo a passo comigo. — Mas não vai dar.

— Ah, não? — retruco, surpresa, e arrependendo-me da forma como minha voz me traiu, ao soar tão feliz. — Quer dizer, tem certeza? — Tento baixar a bola e parecer um pouco mais sociável, como se realmente fizesse questão da presença dela, mas... tarde demais.

Toni me encara com os seus olhos brilhantes e um sorriso entre os lábios.

— Infelizmente, sim. A gente se vê na segunda — diz, e aperta o passo rumo ao carro, que está parado na área reservada aos professores, o motor misteriosamente ronronando.

Quando chego ao Miata, encontro Kevin já à minha espera, de braços cruzados, olhos apertados e com o tradicional sorrisinho de irritação estampado no rosto.

— É melhor você contar logo o que acabou de acontecer ali, porque boa coisa não deve ter sido — ele diz, entrando às pressas no carro.

— Toni falou que não vai mais à minha casa, só isso. — Dou de ombros, olho pelo retrovisor e engato a ré.

— Mas o que você falou, pra que ela pulasse fora? — diz Kevin, olhando furioso para mim.

— Nada.

O sorrisinho falso fica mais aparente.

— É verdade! — insisto. — Não tenho culpa nenhuma se seus planos pra essa noite furaram! — Saio do estacionamento e pego a rua, percebendo que Kevin continua com os olhos pregados em mim.

— Que foi?

— Nada.

Kevin ergue as sobrancelhas e olha pela janela. Mesmo sabendo o que ele está pensando, não falo nada. Prefiro me concentrar no trânsito. Mas, claro, ele não consegue segurar a língua. Vira para mim e diz:

— Prometa que não vai ficar brava comigo.

Fecho os olhos e, suspirando, penso: Pronto, lá vamos nós.

— É que... bem, não consigo entender você. Assim... nada em você faz sentido.

Respiro fundo, determinada a não levar a conversa adiante. Sobretudo porque sei aonde ela vai chegar.

— Pra começar, você é essa gata maravilhosa, de parar o trânsito... ou pelo menos acho que é, porque está sempre escondida debaixo desse capuz medonho. Sinto muito, amiga, mas vou dizer: esse seu modelito é uma tragédia, parece coisa de morador de rua. E tem mais: odeio precisar dizer isso pra você, mas essa história de ficar evitando a novata gostosa, quando ela está obviamente a fim de você... Sei não, é muito esquisito pra mim.

Ele se cala por um instante e lança um olhar encorajador em minha direção; eu me preparo para o que está por vir.

— A não ser que... a não ser que você seja hétero

Dobrando uma esquina, novamente deixo escapar um suspiro; pela primeira vez na vida dou graças a Deus por meus poderes mediúnicos, que nesse momento ajudaram a aplacar o susto.

— Olhe, não tem problema algum se você for — ele continua. — Não serei eu que vou discriminar você por causa disso, certo? — Ele dá um

risinho meio nervoso, porque estamos entrando num território ainda não desbravado de nossa amizade.

para sempre - choniOnde histórias criam vida. Descubra agora