Silêncio em reverência

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Bradley ficou apenas observando o que viria a acontecer, ao mesmo tempo que puxava da memória o que sabia como cultos funcionavam. Era uma igreja claramente cristã, com uma grande cruz feita de mosaico no vitral principal.

Havia um trio de cantores se preparando para cantar, e Rafaela estava a postos para acompanhá-los ao piano. Havia outros instrumentistas também, violão e bateria, então uma das moças do coro começou o evento convidando a todos para se levantar e fazendo uma oração.

Bradley fez como todos ao seu redor, ele prestou atenção nas palavras ditas, de agradecimento e de alegria, e depois, nas palavras das canções que falavam de salvação e redenção. Mesmo atento a esses detalhes, a maior parte da sua atenção estava voltada a Rafaela, percebendo a expressão quase serena no rosto dela, estava concentrada, mas estava também se deixando levar pela música, com certeza, estar ali, fazendo o que ela estava fazendo, fazia muito bem para ela. Pensar isso o fez sorrir, música tinha um poder curativo de verdade. Além de voar, quando tocava piano, Rooster se sentia conectado ao pai outra vez.

Mesmo depois da parte musical ter terminado, Rafaela continuou ali no seu posto, tocando melodias suaves, improvisadas, Bradley deduziu, que davam ênfase nas palavras do ministro. Seu sermão foi sobre um tema universal, tempo, o que deixou o piloto intrigado. O que isso significava, o que a Bíblia dizia a respeito disso, e como o tempo era importante para todos os acontecimentos da vida e a espera para o que era tão almejado.

A explanação toda fez Bradley concluir uma coisa, tempo foi o que o ajudou a lidar com sua mágoa de Maverick, tempo foi o que fez lidar melhor com a perda dos pais, a saudade doía, claro que doía, mas o sofrimento diminuía cada vez mais conforme o tempo passava.

Então, com uma saudação de despedida, tudo terminou e como prometido, Rafaela retornou para o encontro de Bradley. Ele a observou descer, deixando o posto em frente ao piano com silenciosa reverência. Tocar com certeza era especial e importante para ela.

-Então... - ela tentou puxar assunto com ele - o que achou?

-Sobre o que? Tudo ou o fato de você tocar piano? - ele disse de uma vez, admirado.

-Hã? Eu... acho que quis dizer sobre tudo - ela ficou um pouco sem jeito com a maneira que ele se referiu ao seu talento até então escondido.

-Bom, foi tudo muito... pacífico e reflexivo, eu me senti bem, acho que era disso que eu precisava e nem sabia - ele balançou a cabeça, distraidamente, mas depois voltou a se concentrar nela - e... você tocar foi algo que deixou tudo melhor.

-Obrigada - Rafaela agradeceu modestamente.

-Faz tempo que você toca? - Bradley perguntou casualmente.

-Faz sim, desde a adolescência, aprendi na igreja que ia no Brasil - ela se sentiu à vontade o suficiente para responder.

-Brasil? Então você é de lá? - Bradley disse um tanto impressionado.

-Bem, eu sei que é meio óbvio que eu sou latina, mas sim, é de lá que eu vim - Rafaela assentiu.

-E só você mora aqui, da sua família? - ele quis se certificar, acabando de deduzir isso também.

-Sim, sou só eu da minha família de sangue aqui - ela confirmou.

Interrompendo um pouco a conversa, a mesma senhora de antes, sra. Rivera, Bradley se lembrava, veio cumprimentar Rafaela.

-Uma boa semana pra você, Rafa, minha querida e ao seu amigo - ela sorriu para Bradley - espero que tenha gostado e que nos visite mais vezes.

-Sim, eu gostei, eu posso vir sim - ele sorriu de volta, diante de tanta gentileza e simpatia.

-Bom, nós terminamos por aqui, você gostaria de voltar pra casa? - Rafaela sugeriu.

-Eu não estou com pressa, de verdade - ele confessou - você que manda.

-Tá, eu... geralmente esse horário nós temos um brunch, você... gostaria de ficar pra comer? - ela convidou.

-Não é bom dispensar comida - ele fez uma piada, aceitando o convite, o que arrancou uma risada de Rafaela, contente por ele ter feito ela rir outra vez.

Eles então entraram na fila que já estava se formando, fizeram seu prato com o que estava sendo oferecido ali e se sentaram em um dos bancos que cercavam a igreja pelo lado de fora.

Ali fora, em um dos poucos lugares que Rafaela gostava e frequentava em San Diego, ela se sentiu completamente à vontade para dar esclarecimentos a Bradley pelos quais ele estava ansiosamente aguardando. Tinha que admitir a si mesma que agora confiava mais no homem que tinha conhecido no Golden Rays.

-Eu sei que você deve estar curioso sobre o que eu estou fazendo aqui, quer dizer, como eu vim parar aqui - ela puxou o assunto, e como esperava, Bradley apenas assentiu, redobrando sua atenção sobre Rafaela.

-É no mínimo curioso que você tenha deixado o seu país de origem pra morar aqui, claro, muita  gente faz isso por motivos de trabalho - ele deduziu - e eu também já estive fora do país em missões, mas eu sempre voltei pra cá.

-Eu sei, é só que... - ela suspirou, tentando deixar os piores detalhes fora da história - eu tive a oportunidade de vir para cá estudar inglês, aprender a falar a língua diretamente aqui, e então eu vim. O curso durou um ano e eu preferi ficar, tinha muita coisa... muita coisa ruim pra trás... eu não queria mais ter que lidar com aquela bagunça...

-Entendo - Bradley respondeu quietamente, entendendo que era doloroso, compreendendo que estava certo em suas deduções, Rafaela tinha passado por muita coisa difícil que a tinham feito se fechar para o mundo.

-Mas enfim, eu encontrei um refúgio aqui nessa igreja... - ela meio que concluiu o que estava dizendo.

-Dá pra ver o quanto você é querida aqui - ele comentou - e uma bela pianista.

-É a segunda vez que me elogia sobre isso, eu não lido bem com elogios - ela respondeu, rindo um pouco constrangida.

-Tudo bem, então talvez eu tenha que confessar algo sobre mim, pra balancear as coisas - Bradley propôs - eu também toco piano.

-Mentira! Está só dizendo isso pra me impressionar - Rafaela declarou o que pensava, mas de forma brincalhona.

-Não, eu nunca menti pra você, nem sobre eu ser piloto, nem sobre eu tocar piano - ele deu de ombros - eu adoro, eu até me lembrei porque faço tanto isso, me conecta ao meu pai, ele também tocava.

=Tocava... - Rafaela disse baixinho, entendendo a conotação do verbo no passado - ele faleceu? Sinto muito por sua perda.

-É, aconteceu quando eu era criança, ele era piloto também, foi num acidente num treinamento - ele disse vagamente - não é fácil, eu ainda sinto a falta dele.

-Imagino - Rafaela respondeu, deixando aquela informação ser processada em sua mente.

O fato de Bradley ter contado algo tão pessoal dizia muito sobre ele, sobre a aproximação que estavam tendo. Ele também estava começando a confiar nela.

Sutil InsistênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora