Arranhando a superfície

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O que fez uma pequena interrupção na conversa que tinha se tornado sombria foi Rafaela e Bradley comerem um pouco mais. Em seguida, criando um pouco de coragem, ela fez uma pergunta que surgiu pela sua curiosidade.

-Se importa que eu pergunte uma coisa? - ela preferiu ter certeza.

-Não, acho que não - Bradley ficou um pouco surpreso, mas satisfeito por ela estar se sentindo confortável o suficiente para perguntar.

-Por que você decidiu ser piloto, mesmo perdendo o seu pai? - ela concluiu sua questão.

-Bom, essa é a pergunta de milhões... - Rooster suspirou antes de prosseguir - eu sei que é muito contraditório e pra ser franco, acho que todo mundo é assim, faz parte de ser humano, eu acho, mas eu penso que tive influência do meu pai e do Mav, eles contavam histórias, e eu ficava pensando em como seria estar em um caça e pilotar de verdade.

-Mav? - ela estranhou o termo no meio de toda fala.

-Maverick, meu padrinho, o nome dele na verdade é Pete Mitchell - Bradley explicou.

-Entendi - ela assentiu - e como é estar lá em cima? Você sente medo constantemente?

-Com certeza, o medo normal, o medo de acontecer a mesma coisa que aconteceu com meu pai, é por isso que eu sou tão cauteloso... - ele confessou de repente, o momento o levando a isso.

-Cautela é algo bom, acredite - Rafaela incentivou, pensando nas suas próprias experiências inconsequentes.

-Eu sei, mas eu sei que também preciso ser ousado mais vezes - ele acrescentou - Aliás, é daí que vem meu codinome, empoleirado como um galo, esperando um sinal.

-Como nós ouvimos hoje, todas as coisas tem um tempo de espera - ela comentou, tentando também confortá-lo.

-Verdade, vou procurar me lembrar disso - Bradley prometeu - falando em tempo, será que eu posso fazer uma pergunta também?

-Acho que é justo - Rafaela ponderou.

-O que você faz no tempo livre? - ele atirou a pergunta.

-Eu? Bom, eu gosto de ficar em casa, assistindo filmes e séries - ela deu de ombros - mas às vezes eu toco em eventos, casamentos, batizados, debutes, esse tipo de coisa...

-Sério? Isso é muito legal, o único lugar que eu toco é um bar onde eu e meus amigos vamos, só por diversão - ele riu da própria atividade - mas é legal você usar seu talento assim, com uma certa vantagem pra você.

-Eu sei, é melhor do que ser recepcionista - ela confessou num suspiro.

-Não é muito fã do seu trabalho? - ele captou seu desânimo.

-Bem, digamos que é o que eu faço pra me sustentar, eu precisava de um trabalho e foi o que surgiu no momento, acabei ficando boa nisso - ela explicou.

-E o que gostaria de ser se não fosse recepcionista? - Bradley propôs uma hipótese.

-Ah eu não sei, nunca parei para pensar muito nisso - ela não se esforçou tanto para concluir o pensamento, ficando um tanto perdida - o que você seria se não fosse piloto?

-Ah não sei, talvez pianista, tocar numa banda de jazz ou ser motorista? Eu não sei, talvez eu também não tenha essa resposta - ele deu de ombros, tentando não pensar muito nas possibilidades.

-Talvez nós somos o que deveríamos ser afinal - Rafaela contou o que achava.

-Sim, é um pensamento reconfortante - ele acabou concordando com ela.

Vendo que tinham terminado de comer, Rafaela se apressou para ir embora, não querendo abusar da boa vontade de Bradley e o prendendo ainda mais ali.

Eles conversaram um pouco mais no caminho, e antes que se despedissem, Bradley decidiu contar sua opinião sobre sua manhã de domingo.

-Eu gostei muito de hoje, adoraria repetir a dose - ele propôs com um sorriso ressaltado pelo bigode.

-Olha, eu tive uma ideia - Rafaela disse em resposta - só me responde o que acha.

-Tá - ele esperou para ouvi-la.

-Eu tenho um evento para fazer daqui há duas semanas, gostaria de me acompanhar? - ela convidou, mesmo sentindo um certo constrangimento, mas confiando no que estava fazendo.

-Eu adoraria te acompanhar - ele aceitou o convite mais vez

-Então, estamos combinados, eu te mando uma mensagem com mais detalhes depois - depois de combinado o que fariam, Rafaela se apressou em sair do carro e ir para casa, no entanto foi impedida por um senso de responsabilidade, demonstrar o mínimo de educação, como sua mãe diria, e também motivada por sua própria gratidão - muito obrigada por ter vindo comigo.

-De nada - Bradley disse de volta, compartilhando do mesmo sentimento dela, grato por sua companhia - a gente se vê então.

-A gente se vê - Rafaela decidiu que isso era uma possibilidade certa agora.

Voltando para casa, tinha muitos detalhes do dia que ela estava repensando agora, na verdade, estava revendo também o que pensava e sentia a respeito de Bradley, unindo todas as informações que ele havia compartilhando junto com suas próprias deduções. Ele era certamente um homem bom, apesar de tudo que tinha passado. Sua infância e adolescência com certeza devem ter sido difíceis. Ainda mais que a dela. E ainda assim, ele estava oferecendo a sua amizade de bom grado, alguma coisa em Rafaela o havia comovido.

Fosse o que fosse, ele era uma companhia agradável, e talvez o único amigo fora da igreja que ela tinha agora. Não faria mal fazer de Bradley uma parte integrante de sua vida.

Quanto ao próprio Rooster, sentimentos mais conflitantes surgiam em seu coração, como a paz que sentia ao conversar com uma mulher que claramente tinha muito que resolver dentro de si, Rafaela era a estranha com quem ele mais se abriu nos últimos tempso, isso tinha que significar algo mais profundo.

Por enquanto, ele estava feliz em ajudá-la a sair de um estado mais travado e trazer um pouco de conforto à vida dela, que parecia tão sofrida, talvez tanto quanto a sua. Lidar com sentimentos nunca foi e nunca seria fácil, mas ele estava aprendendo e estava contente em ajudar Rafaela com isso.

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