O sol pairava alto no céu escondido pelas folhagens das árvores que cobriam a clareira enquanto os sons da natureza eram os únicos ruídos que podiam ser ouvidos. Neuta havia ficado em silêncio por alguns minutos, precisava desanuviar um pouco o juízo, pois já não aturava mais ter que discorrer sobre aquele assunto. Contudo, tinha que informar Dinho de tudo o que aconteceu em sua vida. Não era uma história feliz, quem dera pudesse estar narrando um conto de fadas, mas tudo aquilo era um filme de terror com fantasmas a assombrando devido a escolha que fez. É claro que se sentia culpada, se não tivesse tomado a decisão de aceitar se casar com o atual marido, nem ela e nem sua família estariam naquele apuro sem fim.
Puxava para si parte da responsabilidade e condenava-se todos os dias, perdida nas possibilidades dos 'e se' que agora não faziam mais sentido, mas que mesmo assim povoavam sua mente com diversos cenários sem a presença de Tony. E se tivesse ouvido sua mãe e negado o pedido de casamento? E se tivesse conseguido superar o luto? E se tivesse prosseguido com a abertura da clínica? E se tivesse se permitido conhecer outra pessoa ou mesmo ter um tempo para si mesma? A verdade era que Neuta havia abandonado a própria essência, largando-a nas mãos do falecido noivo e quando o perdeu não soube administrar a dependência que tinha dele devido a sua ausência.
Sempre fora autossuficiente, cuidava de tudo sozinha, tanto que dona Anastácia costumava lhe dizer que em algum momento ela teria que aceitar a ajuda de alguém, pois nem tudo se resolvia com singularidade. Neuta discordava, podia se virar sem precisar de auxílio físico ou emocional, entretanto apaixonar-se por Tony foi um divisor de águas e quando deu por si necessitava dele para tudo. Nada na sua vida tinha sentido sem ele por perto, e tudo foi tão intrinsecamente absorvido dentro dela que nem notou que perdera sua independência. Não que Tony a controlasse, mas só tomava uma decisão se soubesse a opinião dele sobre o assunto.
Pegando um pequeno galho, próximo ao seu pé, começa a riscar o chão onde não há grama, fazendo círculos de tamanhos diferentes, uns maiores e outros menores, todos feitos aleatoriamente. Quando termina, deixa seu pincel improvisado de lado e aprecia a paisagem em busca da sintonia que tinha com o lugar, explorando a paz que sempre habitava em si quando se refugiava naquele pedaço de paraíso. Quieta, observa um pequeno beija-flor azulado a namorar uma bela flor selvagem, espreitando as pétalas brancas à procura do néctar que o alimentaria em um beijo tímido. Em todo esse tempo, Dinho permanece num silêncio cauteloso à espera do momento em que ela se sinta confortável o suficiente para prosseguir com seu relato melancólico.
Reflexiva, Neuta quebra a calmaria com um suspiro ressentido almejando as palavras certas para continuar, no entanto não existia nenhum termo que suavizasse o horror causado por Sinval. Sentia-se como uma criança que se perde dos pais, esperando o mundo desmoronar em cima de si, tanto que estremece de tão tensa e nervosa. Todavia, um toque quente em sua mão a faz relaxar instantaneamente, era seu peão tentando passar-lhe conforto e confiança de algum modo. No mesmo instante, um leve sorriso brota em seu rosto angelical e ela o olha com carinho, piscando os cílios ternamente. Não havia nada mais fortalecedor do que presenciar o amor na tonalidade castanha que agora a contempla, o que lhe dá coragem para recomeçar a expor sua fatídica narrativa.
- Eu estava decidida pelo divórcio! - diz rompendo a quietude do ambiente ao recontar suas desventuras. - É claro que Sinval fez chantagem emocional de novo, mas quando viu que eu não daria o braço a torcer, apelou pro seu lado mais obscuro. - aperta os olhos com força, morrendo de ódio do homem com quem era casada. - Apesar de ser um traste nunca cogitei que ele fosse fazer algo do tipo, eu devia saber já que ele me... - engole a seco sem concluir a frase e o peão passa a mão pelo rosto angustiado. - Sabe Dinho, você nunca espera o lado ruim das pessoas, mesmo que elas já tenham te feito mal. - reflete, seu olhar era distante e a culpa surge de novo. - Eu não fazia ideia que Sinval fosse ser mais baixo do que já era. - enfia as mãos nos cabelos um tanto aflita, sentia uma leve enxaqueca a incomodar.
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A Dama & O Peão
FanfictionPresa em um casamento infeliz e fracassado, Neuta vive um dia de cada vez em uma rotina maçante. Até que um belo dia ela esbarra em alguém que mudaria sua vida para sempre.