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Aos poucos a lanchonete foi enchendo, aquele ambiente caloroso começou a ficar drástico. Obviamente, isso não me agradou nada, apressei Ari e após comermos rápido ela pagou, assim como o prometido.

- Vou ter uma indigestão, depois dessa. - Reclamou após sairmos da lanchonete.

- Eu não aguentava mais aquela barulheira lá.

- Agora tenho que aturar sua necessidade aleatória de isolamento?

- Não tem nada de "Necessidade aleatória de isolamento", só não gosto de lugares barulhentos e cheios.

- Não é a mesma coisa?

- Ah, sei lá. Agora você me confundiu.

- Sem argumento.

- Sem dinheiro.

- Você que me fez pagar tudo, idiota.

- Você prometeu que pagaria, ué?

- É isso que ganho por atrasar um pouquinho? Que bela amiga.

- Um pouquinho? Foram quase vinte minutos, eu já tava indo embora.

- Completou o drama? Vamos para a praça.

- Nem morta. Deve estar cheia de casais ou coisa parecida.

- É só ficarmos longe, não quero ir pra casa ainda.

- Tudo bem, vou ser humilde já que você pagou a conta.

Caminhamos pela praça, passando longe de qualquer dupla ou grupo de pessoas que víamos. Não queríamos acabar vendo algo estranho ou vergonhoso.

Foi difícil, mas conseguimos achar um banco vazio num lugar mais afastado. Estava difícil pensar num assunto interessante que não fosse triste, então Ari decidiu simplesmente comentar sobre o estilo das pessoas que passavam:

- Aquele quase acertou, uma camisa verde musgo ficaria melhor.

- Acha que alguém que mora por aqui vai ter todos os tons de verde no guarda-roupa?

- Não precisam ter todos os tons de verde no guarda-roupa, só precisam saber que tom fica melhor com o estilo deles.

- Devia virar conselheira de moda?

- Aí eu morreria de fome.

- Devíamos assaltar um banco e ir para uma cidade que preste.

- Os bancos daqui nem devem ter tanto dinheiro.

- Falando assim, parece que essa cidade ainda está na pré-história.

- É provável, a diferença é que todos usam roupa, ou a maioria.

Acabei me distraindo com um gato cinza que caminhava vagarosamente, por algum motivo, minha mente decidiu ignorar as palavras de Ari e focar no destino daquele felino.

- Tá me ouvindo? Ei!

- Hã?

- Eu disse que aquele cara é muito estiloso, olha lá.

Alto e atlético, bom, isso não é extremamente difícil de achar por aqui, mas eu reconheceria aquele cabelo em qualquer lugar, mesmo com essa iluminação horrível. 

- É ele, o Anasui. - Sussurrei.

- Por que tá sussurrando?

- Sei lá, foi automático.

- Que sortuda, além de bonito ele é estiloso.

- "Sortuda"? Você tá mais iludida que eu, calma.

- Só quero que você seja feliz. - Deu de ombros.

- Vou ser feliz quando sair desse fim de mundo.

- Então acho que vamos ter que assaltar um banco mesmo.

- Não tenho inteligência o suficiente para isso.

- Eu desmontaria um caixa eletrônico facilmente. - Nem percebemos, mas Anasui havia se aproximado. Arrepiei ao reconhecer a voz dele. - Desculpem-me pelo incomodo, mas não é todo dia que ouço uma conversa interessante.

Ele riu levemente, parecia confortável com aquela situação, já eu, tentava esconder as mãos trêmulas. De um jeito ou de outro, esse cara mexe comigo, sua beleza me deixa envergonhada até meu último átomo.

- Qualquer coisa para sair desse buraco, não? - Ari manteve a conversa após perceber que fiquei nervosa demais para falar.

- Já morei em outros tipos de cidade, acreditem, essa não é das piores.

- Nisso não podemos opinar já que nunca saímos daqui, né? - Ela me cutucou esperando uma resposta, apenas acenei com a cabeça, concordando. - Senta aí, você não vai crescer mais, eu acho... - Convidou-o.

- Ah, eu não quero atrapalhar.

- Não atrapalha, já estávamos ficando entediadas.

- Já que é assim.

De todos os lugares possíveis, ele sentou bem do meu lado. Tá, não tinham exatamente milhares de lugares, mas porquê logo do meu lado? Agora sinto vergonha até de respirar.

- Mas o que tanto almejam pra quererem sair daqui? - Ele olhava diretamente para mim, como se esperasse que eu falasse algo.

- Não quero que minha vida se resuma no que o meu pai decidir. - Tirei coragem não sei de onde para respondê-lo.

- E aqui não tem nada de interessante. - Ari continuou, tentando diminuir minha timidez.

- Entendo. Mas uma cidade grande também é cheia de coisas ruins, por isso vim pra cá. Até o céu é mais bonito aqui.

- Deixa o interior só para férias. - Refutei.

- Eu tô querendo tirar férias na minha cama. - Ela levantou-se e espreguiçou-se. - Vou indo.

- Ei... - Olhei para ela deixando meu desespero transparecer um pouco, tentando fazê-la desistir dessa ideia idiota. - Que tipo de amiga você é, me abandonando aqui?

- Não tô te abandonando, tem um cara estiloso pra falar com você e talvez te dar uma dicas de moda. - Brincou.

- Além de me abandonar, você me humilha. Pode ir então, idiota.

- Calma, era brincadeira. - Apertou minhas bochechas. Definitivamente está pagando para me humilhar na frente dele.

- Já brincou demais por hoje.

- Por isso estou indo embora.

- Tem certeza que já vai? - Eu estava prestes a suplicar para que ela ficasse.

- Sim. Tenho que acordar bem cedo amanhã para trabalhar.

- Bom, eu também. Então também tenho que ir.

- Vai deixar ele sozinho?

- Mas...

- Tudo bem, tudo bem. Todos temos o mesmo destino amanhã, certo? Acordar cedo para ir trabalhar. Então vamos.

- Ninguém sabe quem tá mais lascado. - Ela tentou dar um alívio cômico para a situação.

- Eu, até esqueci de me apresentar. - Estendeu a mão para cumprimentá-la. - Sou Anasui, é um prazer conhecê-la.

- Pode me chamar de Ari, também é um prazer te conhecer. Finalmente alguém com um estilo legal nessa cidade.

- Eu diria que só sigo o que acho que é certo, não sou um fashionista como você faz parecer.

- Então seu senso de moda é naturalmente impecável. - Ele riu do tom de voz dela e olhou diretamente para os meus olhos, dizendo:

- Já nos conhecemos, certo? Mas ainda não fomos devidamente apresentados. - Estendeu a mão para mim, assim como fez com Ari. - Narciso Anasui. É um imenso prazer poder revê-la.

Tá, mas... O que se deve fazer numa situação dessas? Eu simplesmente congelei, por sorte, consegui ao menos apertar a mão dele; e acenar com a cabeça, feito uma idiota. Certeza que ele nunca mais vai falar comigo depois dessa.

Oh, Who Is He? - Narciso Anasui  𓊕Onde histórias criam vida. Descubra agora