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Por mais que eu negue, a mais pura verdade é que quase virei a noite pensando se Anasui está bem. É difícil dormir quando você pensa que alguém pode estar doente. Sei que acabei de conhecê-lo, mas deve ser normal sentir empatia.

Quando amanheceu, até esqueci um pouco da preocupação, o dia no trabalho foi tão tranquilo. Narciso trabalhou normalmente, então a preocupação foi embora tão rápido quanto chegou, creio que alguém com problemas de saúde não teria um desempenho tão bom.

O único diferencial de hoje foi que sai um pouco mais cedo que o normal. Isso costuma acontecer periodicamente. Fica encarregada de pagar algumas coisas, meus pais estão ocupados e o Emporio é jovem para isso, então sobra pra mim. Não que eu esteja reclamando, é bom caminhar um pouco, mas ficar na fila para pagar contas devia ser considerado tortura.

- Poderia ver qual desses boletos é da televisão? - Uma velhinha meio confusa pediu minha ajuda, de repente.

- Sim. - Cocei os olhos, voltando à realidade. - Esse. - Apontei para uma das folhas que ela segurava.

- 120, né?

- 220...

- Ah, não, confundi de novo. - Ela saiu de fila. Provavelmente teria que voltar para casa para pegar o dinheiro que faltava.

Até que não foi tão ruim, já que depois disso a fila andou bem rápido, mas ainda me senti mal por ela. Depois disso, comprei um sorvete com os trocados que sobraram, não sou de ferro e trabalho sem remuneração é errado. Mas ainda tô torcendo pra não levar um tabefe quando chegar...

Algo brilhante chamou minha atenção. O sol estava em seus últimos minutos de show desse lado, então é anormal algo brilhar tanto mesmo assim. Parecia um pingente, mas era meio grande pra isso, e pontiagudo.

- Lembra até uma flecha. Como será que isso veio parar aqui? - Analisei o objeto dourado, pensando se seria roubo ou não pegá-lo. - Bom, se a pessoa que perdeu precisa tanto disso, logo vai ter algum anúncio por aí. Vou guardar, por precaução.

É bem incomum encontrar algo assim na rua e só pra deixar claro, não sou ladra. Vou devolver se descobrir de onde veio, mas por enquanto posso tentar descobrir de onde veio isso. Guardei o objeto na minha bolsa e continuei caminhando até chegar em casa. Depois da parada, meu sorvete derreteu bastante, mas eu não me daria o luxo de desperdiçar só por causa disso.

Incrivelmente, meu pai não reclamou quando cheguei sem troco, só não gostou da demora. Já tentei explicar que poderia pagar pelo celular, mas vai demorar bastante até que ele confie nesses métodos.

*

Alguns dias se passaram e no fim de semana eu simplesmente me surpreendi ao lembrar que tinha pegado aquele objeto na rua. Fui rápido pro meu quarto, procurando a bolsa que usei naquele dia.

- Pelo visto o dono já esqueceu, não ouvi nada sobre um objeto perdido até agora.

Examinei o objeto de todos os lados, tentando entender pra quê servia, só então que percebi, tinha uma parte de madeira desgastada, como se tivesse quebrado. Então era simplesmente o pedaço de algo?

Senti que estava perdendo meu tempo, então joguei o objeto em cima da cama e me virei para voltar para a sala, onde eu estava finalmente assistindo a nova temporada daquela série. Eu jurava que tinha jogado na cama, mas espetei meu pé sem querer, por estar sozinha em casa, xinguei sem pensar duas vezes.

Realmente doeu, o negócio era mais pontudo que meus amigos. A dor logo ficou anormal então me sentei rapidamente e olhei para o meu pé, aquilo parecia ter vida própria e era como se quisesse entrar ainda mais na minha pele.

- Que merda... - Tentei puxar de volta, mas minhas mãos estavam tremendo demais.

Meus olhos se encheram de lágrimas, que acabaram não caindo, pois me assustei ao ver um homem de pé na minha frente. Como alguém entrou aqui? E porquê veio diretamente para o meu quarto?!

- Quem é você?! - Juntei minhas forças para fazer essa pergunta sem gaguejar. - Hã...? Cadê ele?

Jurei ter visto alguém, será que a dor está me deixando maluca. Olhei novamente para o meu pé e percebi que o objeto não estava mais lá, agora estava caído inocentemente no chão.

Meu pé ainda sangrava, parando para pensar, não faz sentido que isso tenha me ferido assim. Se caiu no chão o lado afiado não devia me machucar... Tanto faz. Eu precisava dar um jeito no machucado.

- Como vou explicar que me machuquei com algo estranho que encontrei na rua há dias? Que porcaria. Nem no meu descanso tenho paz.

Improvisei um curativo com o que tinha aqui. Não é como se na minha casa tivesse um kit de primeiros socorros como nos filmes. Só espero que isso não infeccione.

Guardei o objeto numa gaveta aleatória, ainda irritada pelo ocorrido, e fui assistir, fingindo que nada aconteceu. Não vou deixar um machucado me atrapalhar, parei na melhor parte. Assim passei as próximas horas, assistindo e chorando feito idiota por causa das cenas de romance.

- S/n! - Emporio veio me abraçar assim que chegou. Ele é fofo.

- Ganhou?

- Hã?

- Você não ia jogar futebol?

- Bom...

- É brincadeira, não me importo com isso. - Puxei o boné dele. - Tá dentro de casa, tira esse boné.

- Ei! - Ele tentou pegar de volta.

- Eu adoro o seu cabelo, devia mostrar ele um pouco, pelo menos às vezes.

- Tudo bem...

- Emporio, tá acontecendo algo?

- Não. É que... Não sei se gosto muito do meu cabelo.

- Tá de brincadeira? Eu mataria para ter um cabelo tão bonito quanto o seu! - Pelo menos consegui fazer ele sorrir. - Aqui. - Devolvi o boné. - Não quero te deixar desconfortável, mas também não quero que continue pensando assim.

- Agradeço a sua preocupação, irmã. Mas é meio difícil. - Ele colocou o boné de volta o mais rápido que conseguiu e foi em direção ao banheiro. - Tô todo suado, preciso de um banho.

- Acho bom. Não quero ninguém fedendo aqui.

- E você, já tomou banho?

- Hoje nem é... Ah, é sábado, sim. Vou depois que você sair.

- Se o Narciso souber que você só toma um banho por semana, não vai ser bom.

- Você sabe que falo por ironia, calma... O que é que tem o Anasui?

- Já percebi como você olha pra ele.

- Só pode estar de brincadeira.

- Acho que não, ein?

- De onde você tirou isso? - Fui rápido em direção ao banheiro, mas quando cheguei ele já havia entrado e fechado a porta. - Responde, Emporio, de onde você tirou isso?

- Eu sou um observador, irmã. - Foi a última coisa que ele falou. Depois disso fui ignorada por completo.

Ao voltar pra sala percebi que mesmo indo rápido não senti nada no pé. Tirei rapidamente a meia do pé machucado, havia colocado meias, com o intuito de esconder o ferimento, meu pé estava completamente normal.

- Era só o que me faltava, agora fiquei maluca? - Resmunguei.

Oh, Who Is He? - Narciso Anasui  𓊕Onde histórias criam vida. Descubra agora