Pacto

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— É verdade isso, hija? – perguntou, demonstrando surpresa. Foi minha vez de empurrar Glim pra fora do caminho. Entrei e bati a porta, deixando minha amiga do lado de fora. A bobona acenou, gargalhando, enquanto minha mãe e eu nos afastávamos da calçada.

— Um namorado, Adora? No primeiro dia de aula?

— Ela não é minha namorada. – resmunguei, prendendo o cinto de segurança. - É uma aluna esquisita de intercâmbio que andou me seguindo.

— Adora, tenho certeza de que você está exagerando. Os adolescentes costumam ser socialmente desajeitados. Na certa, você está interpretando mal, um comportamento inocente.

Como todos os antropólogos, mamãe acreditava que sabia tudo sobre as interações sociais humanas. Ela sabia que eu era uma garota tímida, mas que aprendi, desde muito nova, que eu poderia gostar de qualquer pessoa, independente do gênero. Por isso, não surtou quando falei ela ao invés de ele.

— Você diz isso porque não viu a garota hoje cedo no ponto de ônibus. – argumentei – Ela estava parada com um sobretudo preto enorme... E aí meu dedo sangrou e ela lambeu a boca...

Quando falei isso, ela pisou no freio com tanta força que minha cabeça quase bateu no painel. Um carro atrás de nós buzinou furioso.

— Mãe! Qual é o problema?

— Desculpe, hija! – disse, parecendo meio pálida, e acelerou de novo. – Foi só uma coisa que você disse sobre ter se cortado.

— Eu cortei o dedo e ela praticamente ficou babando, como se fosse uma batata frita coberta de ketchup. – Estremeci. – Foi asqueroso.

Minha mãe ficou mais pálida ainda, e eu senti que lá vinha bomba.

— Quem... Quem é essa garota? – perguntou quando paramos num sinal de trânsito, perto da Faculdade Grantley, onde ela dava aula.

— Qual é o nome dela? - reforçou.

Percebi que ela estava se esforçando muito para parecer despreocupada e isso me deixou mais nervosa ainda.

— Ela se chama... – Mas antes que eu pudesse dizer “Catra”, eu a vi. Estava sentada no muro baixo, que rodeava o campus. E estava me olhando. De novo. Minha testa começou a suar, mas, dessa vez, eu fiquei injuriada. Agora chega.— Olha ela ali! – gritei, apontando com o dedo. – Está me encarando de novo! – Não era um comportamento “socialmente desajeitado”. Era perseguição. — Quero que ela me deixe em paz!

Então minha mãe fez algo inesperado. Parou o carro junto ao meio-fio, bem onde a estranha de pele morena, estava.

— Qual o nome dela, Adora? – perguntou de novo, enquanto soltava o cinto de segurança. Achei que iria confrontá-la, por isso segurei seu braço.

— Não, mãe. Ela é... Tipo... Desequilibrada, sei lá. – dona Marlena soltou meus dedos de seu braço com delicadeza.

— O nome, Adora.

— Catra. Catra Applesauce.

— Ah, minha nossa! – murmurou minha mãe, olhando para minha perseguidora. – Acho que isso era mesmo inevitável... – Ela estava com o olhar esquisito, distante.

— Mamãe? O que era inevitável?

— Espere aqui. – disse ela, ainda sem me olhar. - Não se mexa. –  Parecia tão séria que nem protestei. Sem dizer mais nada, ela saiu da Kombi e foi em direção à garota assustadora, que havia me seguido o dia todo. Será que ela tinha enlouquecido? Será que Catra tentaria fugir? Será que iria surtar de vez e machucá-la? Mas não. Ela escorregou graciosamente do muro e fez uma reverência para minha mãe, uma reverência de verdade, dobrando a cintura. Que negócio é esse?

Como se livrar de uma Vampira Apaixonada  |  CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora