Segredo

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- Sem chance de eu ser uma morta-viva... - gemi, mas ninguém prestou atenção.

Meus pais estavam concentrados demais no pé machucado da Applesauce.

- Sente-se, Catra. - ordenou minha mãe, parecendo contrariada com nós duas.

- Prefiro ficar de pé. - respondeu teimosa.

Minha mãe apontou com firmeza para o círculo de cadeiras em volta da mesa da cozinha.

- Sente-se. Agora.

Nossa visitante ferida hesitou, mas, depois, murmurando baixinho, ocupou uma cadeira. Minha mãe arrancou a bota dela, que tinha a marca visível de um dente de forcado, enquanto meu pai estava na cozinha, procurando o kit de primeiros socorros embaixo da pia e fazendo chá de ervas.

- Só tá roxo. - afirmou.

- Ah, que bom! - disse papai. - Não estou mesmo encontrando os curativos, mas ainda podemos tomar o chá.

A sujeita, que se declarava sugadora de sangue e tinha ocupado o meu lugar à mesa da cozinha, me olhou com irritação.

- A sua sorte é que o meu sapateiro só usa couro da melhor qualidade. Você poderia ter me espetado, e não vai querer espetar uma vampira. Além do mais, isso é jeito de receber sua futura esposa ou qualquer visitante, por sinal? Usando um forcado?

- Catra. - interrompeu minha mãe. - Você pegou Adora desprevenida. Como expliquei antes, o pai dela e eu queríamos conversar com a menina antes.

- É, certamente vocês demoraram pra cumprir a tarefa. Dezessete anos. Alguém precisava intervir. - a estrangeira soltou o pé que minha mãe segurava e se levantou, mancando pela cozinha calçando uma bota só, como uma rainha inquieta em seu castelo. Pegou a lata de camomila, cheirou o conteúdo e franziu a testa. - Vocês bebem isso?

- Você vai gostar. - prometeu meu pai, e serviu quatro canecas. - É muito calmante num momento de estresse como este.

- Nada de chá! Só me digam o que está acontecendo! - implorei, sentando-me para recuperar minha cadeira. Ela não estava nem um pouco quente. Nem parecia que alguém tivesse sentado ali um pouquinho antes. - Alguém. Por favor. Desembucha.

Ignorando a pseudo vampira, mamãe trocou um olhar cheio de significado com meu pai, como se os dois tivesse um segredo.

- Randor, o que você acha?

Aparentemente, o papai entendeu o que ela estava sugerindo, por que confirmou com a cabeça e disse:

- Vou pegar o pergaminho.

E saiu da cozinha.

- Pergaminho? - Pergaminhos. Pactos. Noivas. Por que todo mundo está falando em código? - Como assim?

- Filha... - Mamãe se sentou na cadeira junto à minha e segurou minhas mãos com carinho. - Isso é bem complicado de explicar.

- Tente. - resmunguei.

- Você sempre soube que foi adotada na Romênia. - começou mamãe. - E que seus pais biológicos foram mortos num conflito...

- Assassinados por camponeses. - completou Catra, com uma careta. - Pessoas supersticiosas, inclinadas à formar hordas malignas. - Ela levantou a tampa da pasta de amendoim orgânico do papai, provou um bocado e limpou os dedos nas calças, que eram pretas e justas nas pernas, quase como calças de montaria. - Por favor, digam que há alguma coisa palatável nesta casa.

Mamãe se virou pra Catra.

- Será que poderia ficar quieta por alguns minutos enquanto conto a história?

Como se livrar de uma Vampira Apaixonada  |  CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora