Truque

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– Bem-vinda. – disse Catra, abrindo a porta do seu quarto e recuando pra que eu entrasse. – Você é minha primeira visita.

– Grande coisa.

A estrangeira fechou a porta atrás de nós.

– Ora, essa é uma reação muito agradável. Digna de uma dama. - O sarcasmo era evidente em sua voz.

Fiquei boquiaberta.

– O que você fez com esse lugar? – Enquanto meus olhos se acostumavam com a luz fraca, fui notando mais e mais detalhes no cômodo. – Uau! – O quarto que já fora decorado com lixo de brechó, tinha sido reformado ao estilo do que presumi ser um castelo romeno. Uma colcha de veludo vermelho-sangue decorava a cama, um tapete persa elegantemente desgastado cobria parte do carpete bege remanescente e as paredes tinham sido pintadas de um cinza-azulado fechado. Cor de pedra. Meu olhar parou de repente num suporte na parede com o que pareciam ser armas antigas. Coisas afiadas. Coisas pontudas. – O que aconteceu com a coleção internacional de bonecos indígenas da mamãe?

– Eles foram repatriados.

Pela expressão irônica e satisfeita no rosto de Catra, tive a sensação de que o exílio dos bonecos era permanente.

– Mamãe e papai vão matar você quando virem isso.

– Impossível. – Ela riu. – Além do mais, é tudo superficial. Pode ser revertido. Mas por que alguém preferiria badulaques vagabundos a isso... – Ela fez um gesto indicando o quarto ao redor. – E você, Adora? Gosta do que fiz?

– É... Interessante. – respondi evasiva. – Quando você arrumou tempo para fazer isso e sem que ninguém percebesse?

– Pode-se dizer que sou uma pessoa de hábitos noturnos.

À medida que minha perplexidade foi se esvaindo, a raiva contra Catra voltou à superfície.

– Por falar em atividades noturnas, não gostei do livro. – avisei. – Nem de como você o entregou.

Ela deu de ombros.

– Talvez, com tempo, você o considere útil.

– Claro. Vou deixá-lo na minha estante, bem ao lado do "guia para idiotas" sobre como se tornar uma criatura que não existe.

Catra gargalhou.

– Muito engraçado. Eu não sabia que você fazia piadas. - Sua ponderação pareceu real.

- Sou uma pessoa engraçada. – me defendi. – E a propósito, eu não ronco.

– Ronca, sim. E murmura também.

Meu sangue congelou. O sonho...

– O quê? O que você ouviu? - Me vi nervosa de repente.

– Nada muito inteligível. Mas devia ser um sonho bem agradável. Você parecia em êxtase.

– Não fique espreitando perto do meu quarto. – ordenei. – Estou falando sério.

– Como quiser. – Catra baixou o volume de uma vitrola antiga, em que um disco de vinil empenado girava e gemia uma música estranha, cheia de arranhados e guinchos, como gatos brigando. Ou como um caixão com dobradiças enferrujadas se abrindo e se fechando repetidamente num mausoléu deserto. – Gosta de música folclórica croata? – Perguntou vendo o meu interesse. – Faz com que eu me lembre de casa.

– Prefiro música normal.

– Ah, sim, a sua "MTV" com todos os bate-estacas e rebolados. Com uma dose de hormônios adolescentes descontrolados administrada pela televisão. Não me oponho. – Ela indicou uma poltrona que, com certeza, não pertencia aos meus pais. Eles não compravam nada de couro. – Sente-se, por favor. Diga-me o por que de reivindicar esse encontro.

Como se livrar de uma Vampira Apaixonada  |  CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora