Uma semana tinha se passado e Nove não tinha aparecido. Eu tinha decidido não procurá-lo desde o primeiro dia em que ele não apareceu. O dia do churrasco no lago. E agora uma semana depois, eu resolvi ir até a casa dele.
Eu peguei um jipe, mas me lembrei de que ele vivia trabalhando e como era uma terça feira, ele talvez não estivesse em casa. Eu fui até a sala de treinamento, talvez os filhotes de Honor estivessem lá.
E antes de entrar eu vi um brilho ruivo correr para trás do galpão gigante que era a sala de treinamento e fui atrás. Quando virei uma esquina dei de cara com justamente um dos gêmeos de Honor. Ele sorriu, muito travesso, deveria ser o que diziam que se parecia com Candid, Castor.
"O que está fazendo aqui fora?" Eu perguntei, ele deu de ombros.
"Vim mijar." Eu o encarei, haviam banheiros na sala de treinamento.
"Hoje está bem cheio, eu achei mais rápido vir aqui." Eu ouvi um barulho de queda e depois algo como uma explosão de risadas, eu achei melhor entrar. Quando virei a esquina e cheguei na porta o outro gêmeo também entrava.
"Foi mijar também?" Eu perguntei, ele acenou e os dois correram para onde Noble sustentava Sheer.
Eu fui até lá e ouvi Sheer dizer que não tinha sido nada.
"Talvez devesse ir para o hospital. Seu pé parece estranho." Ella disse, Sheer soltou Noble e sorriu, embora tenha parecido um sorriso meio dolorido.
"Todas as vezes que cai do skate você vai para o hospital?" Ele perguntou, Ella o olhou com superioridade.
"Eu não caio do jeito que você caiu. Tem de ser muito ruim no skate para cair assim." Ela disse, todo mundo riu.
"Onde vocês estavam?" Sheer ignorou a resposta de Ella e encarou seus irmãos.
"Lá fora, com a tia Breeze." Polux disse. Sheer olhou para mim. Eu ergui uma sobrancelha.
"Os dois?" Eles sorriram.
"Sim, foi uma pena que não te vimos se estabacar no chão." Castor disse, vários filhotes riram.
"Eu tinha pleno controle do Skate, do nada o Skate virou sozinho." Sheer se abaixou na frente dos dois, mas eles fizeram uma carinha inocente. Mas aí eu entendi. Eles faziam alguma coisa com o ar. Polux devia ter subido no telhado, Castor devia estar vigiando.
"Então você caiu por causa do skate, não por que você é péssimo no skate?" Castor perguntou, Sheer rosnou.
"Por que não assume que Ella é melhor que você e começamos a aula de música?" Jewel se intrometeu, Noble assentiu.
"Exato. Todo mundo pegando seus instrumentos." Noble disse, Sheer se levantou e foi até Jewel.
Ela ergueu uma sobrancelha, eu sorri, ela era uma fêmea em toda a regra. E estava maior que Cassie, o que era estranho, já que ela era um clone. Não chegava a ser alta como nós, mas também não era tão pequena. E como uma fêmea de segunda geração já tinha um corpo formado.
"Por que sempre tem de se intrometer?" Sheer perguntou, Jewel jogou uma grande mecha de seu cabelo para trás de seu rosto, ele se afastou.
"Por que sempre tem de ser tão chorão?" Ela rebateu.
"É melhor ser chorão do correr atrás de quem não me quer." Sheer disse, Jewel sorriu, um sorriso malvado.
"Quando foi que Flora te quis?" Ela perguntou, Sheer fechou a cara e os olhos dele ficaram meio violetas, Noble o puxou, ele rosnou.
"Eu não corro atrás dela. Você sim, corre atrás do meu tio, mas para ele e para qualquer um você sempre será uma imitação de Cassie. Nada mais que isso." Ele disse e ia sair, Noble rosnou.
"Peça desculpas." Noble se esticou e eu vi que ele era menor que Sheer por uns centímetros.
"Eu não quero as desculpas dele. Eu sou eu! E qualquer um que ache que eu sou menos que Cassie, me diga agora e nunca mais fale comigo!" Ela disse as palavras rosnando, os olhos azuis queimando.
Eu achei que talvez fosse a hora de dizer alguma coisa então tentei:
"Você é única, Jewel. Todos sabemos disso. Todos te amamos por você ser quem você é." Eu disse, ela piscou e olhou para Sheer.
"Nunca mais fale comigo. Se eu estiver num lugar tenha a decência de não entrar e eu farei o mesmo." Sheer olhou para as mãos, todo mundo esperou ele responder.
"Eu gosto de você, Sheer, mas Jeje é minha irmã, então não podemos mais ser amigos também, eu sinto muito." Fortune foi até a irmã dele e beijou a mão dela.
"Olha só, não é pra tanto..." Noble parecia meio perdido entre todos os filhotes.
"Sheer é nosso irmão, então não somos seus amigos mais." Polux disse, ele e Castor foram para perto de Sheer. Se eles fizeram Sheer cair e não diziam nada, eram mesmo muito levados.
"Gente, vamos lá, todos são amigos. Sheer vai pedir desculpas, Jewel vai..." Noble disse, eu não sabia o que dizer, vários filhotes começaram a ir para o lado ou de Sheer ou de Jewel. Noble pegou o celular discou alguma coisa mas a ligação não foi atendida.
"Que tal uma gincana?" Eu disse, pois a coisa piorou quando o filhote de Leo rosnou para o de Vengeance.
"Como assim?"
"Iremos formar equipes por sorteio, inventar tarefas divertidas e daqui a uns..." Noble fez um três pra mim, eu entendi.
"Daqui a três dias vamos nos reunir e contar os pontos das equipes que realizaram as tarefas." Eu disse já pensando nas fêmeas que poderiam me ajudar.
"Daqui a três dias será meu pai que estará dando aula pra nós." Proud disse, eu olhei para Noble, ele sorriu.
"Não tem problema, eu vou pedir ajuda de algumas fêmeas. A grande questão é que a equipe que brigar com a outra equipe perde pontos. Não vale xingar, ou lutar ou discutir." Eu disse, Jewel deu de ombros.
"Eu só não fico na equipe dele." Ela disse, Sheer se ajoelhou ante ela.
"Me desculpa. Eu não deveria ter dito o que disse. Se quiser ser da minha equipe eu ia adorar, você é muito inteligente." Uma ou outra filhote suspirou, era meio romântico ele de joelhos ante ela. Mas Jewel era durona, ela só assentiu.
"Será por sorteio." Eu disse.
E eu esqueci que tinha ido lá atrás dos gêmeos para me dizerem onde Nove estava até depois do almoço que foi servido lá mesmo, eu, Rusty e Hope conseguimos elaborar cinco tarefas, as equipes foram divididas Sheer e Jewel ficaram em equipes diferentes.
Depois do almoço, eu perguntei a Polux onde Nove estava, ele me olhou um pouco indeciso. Mas Castor o encarou e os dois sorriram e disseram que me levariam. Eu me despedi de todos e Noble me perguntou:
"Onde vai com eles?" Eu sorri e dei de ombros.
"Estamos indo onde Nove está, eles disseram que vão me indicar o caminho." Noble inspirou e olhou para Polux. Era exatamente como Honest e Candid. Todos acreditavam mais em polux do que em Castor.
"Eu não sinto o cheiro dele, deve estar bem longe." Eu olhei para os dois.
"Nove está na cabana de Gabriel. E eles querem ir para pegarem alguns dos porquinhos da índia da mamãe." Sheer disse, Noble fechou a cara.
"Sua mãe conta os porquinhos, ela vai ficar triste." Ele disse, eu sabia que devia deixá-los lá, mas Castor fez uma carinha tão bonitinha que eu acreditei nele:
"Só queremos brincar com eles. Eles são tão bonitinhos! O papai tinha dito que nos levaria lá, mas agora com o Nove Pai morando lá, talvez ele demore para nos levar." Eu apertei os lábios. Nove Pai? O pai de Nove estava na cabana de Gabriel?
Noble olhou para mim, ele parecia querer dizer pra eu não ir, mas eu achei melhor só virar as costas e sair da sala de treinamento com os gêmeos.
Eu subi no jipe, os filhotes subiram e eu comecei o longo trajeto até a cabana de Thorment, agora de Gabriel. Os gêmeos conversavam e riam falando de vários outros filhotes, eu fiquei em silêncio.
No dia em que Nove me falou de seu pai, ele só disse que ele é que era pai do meu filhote e que eu não devia enfrentá-lo, pois seu pai era violento e mau. Eu estava ainda flutuando num mar de felicidade, então não pensei muito no fato de que quem me engravidou foi o pai de Nove e não ele.
Depois de um tempo é que eu comecei a considerar a dimensão do que Simple fez. Ele me enganou, até Nove me enganou, ou se omitiu. Mas o pai dele não. Por que ele nunca me disse que era Nove. Nunca fingiu ser Nove.
Até a última semana, claro.
"Por que chamou o pai de Nove de Nove Pai?" Eu perguntei a Castor, mas foi Polux que respondeu.
"É o nome dele. Os dois se chamam Nove. O meu padrinho, nós chamamos de nosso Nove e o outro chamamos de Nove Pai." Ele explicou.
Eu me lembrei de Nove dizendo que seu nome era Jacob.
"Por que não o chamam de Jacob? Pensei que foi o nome que ele escolheu." Eu perguntei, Castor fez um barulho com a boca.
"Esse nome idiota não combina com ele. Eu prefiro Nove." Ele disse, o outro assentiu concordando.
"Mas ninguém deveria ser chamado por um número. Um nome é algo que nos individualiza e indica nossa complexidade. Um número nos tira isso, nos torna uma coisa, não uma pessoa." Eu disse. Muitos Novas Espécies quando foram libertados quiseram continuar se chamando pelos números que nos deram, eu fui uma das que mais lutou contra isso. Principalmente por que foram os mais abusados e que sofreram mais que tomaram essa decisão. Eles tinham perdido o gosto pela vida, não entenderam que eram realmente livres. Eu sempre iria me sentir feliz por ter ajudado meus irmãos nessa nova e maravilhosa etapa de nossas vidas.
"Como um nome pode individualizar se há tanta gente e não há nomes suficientes? Papai trabalhou com humanos e ele uma vez contou que conheceu duas fêmeas que se chamavam Katherine. Ele disse que é um nome comum em nosso país. Assim como Mary. Ele disse que haviam duas professoras com esse nome. Disse que se procurarmos na internet iremos achar um monte de Polux e de Castor. Ainda que talvez nenhum Sheer." Polux disse.
"Ou nenhuma Breeze." Castor sorriu para mim. Que pestinha galanteador!
Eu sorri, eu adorava meu nome.
O trajeto era longo, eu quase me arrependi de ter saído depois do almoço, eu fiquei um pouco cansada. A gravidez estava me deixando mais fraca, ou mais mole, o caso é que quando chegamos e os gêmeos pularam do jipe e correram para os braços de Nove eu estava cansada.
Eu desci do jipe sorrindo a ver Polux contando que fez Sheer cair do Skate e Nove riu. Ele era tão bonito!
Eu limpei a garganta, eles olharam para mim.
"Então por causa de vocês quase houve uma briga no refeitório?" Nove se esticou e olhou severamente para os gêmeos.
"Arnold e Leonard estão sempre brigando." Polux disse, Nove assentiu.
"Leo não gosta que ele lute, então na nossa faixa de idade, Arnold é o grande vencedor, aquele idiota. Todos queríamos que os dois lutassem e até isso acontecer não sabemos qual dos dois é mais forte." Polux explicou, Nove assentiu de novo, eu vi que ele estava bem por dentro do mundo dos filhotinhos.
O lugar estava uma bagunça, pareciam estar demolindo a cabana de Thorment.
"O que estão fazendo?" Eu perguntei, Nove limpou um pouco de pó dos braços peludos. Eu me lembrei dele dizendo que era peludo. Ou seria o outro? Era isso que estava me corroendo. Por que se foi o pai dele que passou a semana anterior comigo, eu iria ficar muito puta! Ou mais confusa.
"Juntando as cabanas. Elas foram construídas bem próximas, Honor projetou uma sala no espaço entre elas. Uma irá virar uma cozinha maior e a outra será um grande quarto. Mas como foram feitas de pedra, deu muito trabalho para demolir as paredes. Hoje estamos limpando tudo." Ele disse limpar com os olhos baixos. Simple era um amante da limpeza, ele gostava de limpar as casas dos irmãos. Nove amava Simple de uma forma muito bonita.
"Boa tarde, Breeze. Vejo que está muito bem." Gabriel disse se aproximando. Como Nove, ele estava sem camisa. Eu nunca reparei no quanto ele era musculoso, ele parecia um dos nossos machos.
Eu acenei, acho que nunca poderia ser cordial com ele.
"Onde está o seu pai?" Eu perguntei para Nove, ele olhou a direita e eu o vi. E dei um passo para trás. Por que ele e Nove não eram como Vengeance e os clones, ou como os trigêmeos. Ou até mesmo como Silent e Sunny. Sempre havia alguma coisa que os diferenciava nem que fosse a cor das camisetas como era o caso dos trigêmeos. Mas Nove e seu pai usavam calças de moletom, a de Nove era preta, a de seu pai era cinza, mas eles eram iguais. A mesma expressão do rosto. Os mesmos cabelos, a mesma altura, os mesmos olhos.
"Estranho, não é?" Gabriel me perguntou com um pequeno sorriso.
Eu não sabia o que dizer, Polux puxou meu vestido, eu tirei meus olhos dos dois.
"Quer ver os porquinhos da índia da minha mãe?" Ele perguntou, eu sorri e assenti.
"Eu os contei, Polux. Tem vinte e dois." Nove disse e olhou muito sério para Gabriel.
"Eu apertei um deles, eu não medi minha força." Gabriel disse, eu não entendi.
"Na verdade, eu contei hoje de manhã e só vi dezoito. Quando os contou, Nove?" O pai falou, meu coração disparou. Era a mesma voz, a mesma entonação, mas havia algo diferente.
"Ontem." Nove disse. Eu apertei meus lábios, eu estava muito desconfortável.
"Tem dezoito então?" Polux perguntou, eu não entendia qual era a importância da quantidade de porquinhos.
Gabriel sorriu, Nove deu de ombros.
"Vem tia, vem ver." Castor pegou minha mão e fomos até um grande viveiro feito com tela. Havia uma porta, Castor abriu e nós entramos.
Os porquinhos se aproximaram, Castor e Polux pegaram um monte e cheiraram, até beijaram alguns. Eles eram mesmo bem bonitinhos. Eu peguei um, era muito gordinho e peludinho. Eu sorri.
"Quer esse para seu filhote?" Polux perguntou.
"Tem que dar nome a ele e tem de levá-lo com você. Se não..." Castor disse.
Eu pensei em meu filhote segurando um porquinho da índia, ainda demoraria para ele poder fazer isso.
"Eu não sei. Talvez depois que ele nascer." Eu disse, eles assentiram. Eu saí do viveiro e fui até Nove, seu pai e Gabriel. Eles tinham voltado para o trabalho de carregar as pedras.
"Nove... Pai? Podemos conversar?" Eu perguntei, ele se virou e acenou.
Eu comecei a andar sem rumo, ele me seguiu.
"Semana passada..." Eu comecei, ele me cortou.
"Era eu." Ele disse. Eu continuei andando, ele ia do meu lado, as palavras me fugiam. Eu devia bater nele, eu tinha um bom soco.
"Por que?" Eu perguntei. Ele parou e se encostou numa árvore. Eu cruzei os braços e esperei.
Ele fixou seus olhos diferentes em mim e disse:
"Eu sou mau, Breeze. Violento. Eu melhorei depois que vim para cá, mas eu não sou um bom macho para você. Nove é. Ele é..." Ele sorriu e eu vi o quanto ele amava Nove, ainda que não parecesse saber demonstrar.
"Eu não conheço Nove. Eu não moro aqui. Eu conheço você. E você estava fingindo ser ele quando foi no meu apartamento? Quando só me abraçou no dia em que eu estava muito preocupada? Era fingimento?"
Ele se virou, eu fiquei com a visão das costas musculosas a minha frente, eu tive vontade de tocá-lo.
"Nove provavelmente não te... Ele seria mais considerado." Ele disse.
"E se eu não quiser consideração?"
Eu disse. Nove era doce e puro. Mas eu queria o pai. Quando os vi, eu soube, eu quis o pai.
"Você não entende. Você tem um filhote em seu ventre, um filhote que pode... Eu não quero passar pelo que eu passei de novo. A mãe de Nove morreu. Ele não morreu por que a rasgou. Ele nasceu de cinco meses, diferente dos outros. Ele a rasgou para sair, ela morreu gritando, desesperada, aterrorizada com a dor.
E eu e ela... Eu gostava dela. Eu não quero gostar de ninguém mais."
Ele disse, eu toquei em suas costas. Ele se virou e tocou em meu rosto.
"Simple disse que não fez nada, que só a protegeu de Candid. A mãe de Nove era como você. Ela foi uma das primeiras a serem criadas, eu devia ter uns quinze anos, ela uns doze. Vocês amadurecem mais cedo, não é?"
Ele disse, eu pisquei várias vezes e me afastei.
Ele podia dar filhotes para qualquer uma de nós!

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FÊMEAS
FanfictionDepois de muitos anos vivendo em liberdade, Breeze e suas amigas resolveram acasalar. E quem seriam os machos escolhidos? Elas não sabem! Nenhuma das três está num relacionamento, mas isso não é empecilho para uma fêmea empoderada! Mesmo que elas te...