Os olhos de Sheer estavam totalmente vermelhos, seus dentes arreganhados para mim formavam um rosto tenebroso. Eu chiei para ele, ele sorriu. Eu andei para trás até bater numa parede, algo muito estranho, nós não estávamos na mata? O rugido de Sheer porém, me fez parar de questionar e eu só queria sair dali, não importava onde eu estivesse. Ele abriu as ventas do nariz e o soquei, ele chegou mais perto e eu senti o calor do seu corpo. Ele lambeu meu pescoço e um pânico frio me tomou, eu o soquei de novo e gritei com todas as minhas forças.
"Ann? Mas que porra!" Eu olhei para ele, mas não era ele que me encarava. Era Candid. Eu estava numa cama com ele sobre mim segurando meus braços.
"Candid?" Eu disse o nome dele, ele colocou meus braços acima de minha cabeça me imobilizando eu gritei.
"Pára! Que porra, você está acabando com os meus ouvidos!" Ele reclamou, eu achei muita audácia.
"Sai de cima de mim e eu paro de gritar." Eu disse, ele sorriu.
"Então esse é o preço? Por que eu acho que dá pra ficar um pouco surdo se eu continuar aqui. E, se eu me ajeitar assim..." Ele se mexeu sobre meu corpo tentando ficar no meio das minhas pernas.
"Sai!" Eu gritei, ele suspirou e saiu de cima de mim.
Eu fechei os meus olhos, eu tinha dormido um bom tempo depois de termos chegado naquela casa. Wide, que antes era o Nove pai, tinha muitos livros e várias bugigangas e como Candid praticamente desmaiou quando chegamos, eu fiquei mexendo em tudo. O dia começou e Candid só acordou quando acabava a tarde. Ele ligou para alguém, saiu, voltou com uma montanha de carne, preparou, nós comemos e só aí eu resolvi ir dormir. E tive o pior pesadelo de minha vida. E acordei com Candid sobre mim.
"Pesadelo? É sério? Princesas tem pesadelos?" Ele disse com um sorriso de lado no rosto. Debochado, o que significava que ele estava bem.
Eu não diria a ele, mas ele dormiu como se estivesse morto, eu o toquei no rosto algumas vezes preocupada com ele.
"Eu sonhei com Sheer. Eu revivi o ataque dele a nós, mas você não estava lá." Ele parou de sorrir e se sentou na cama.
"Você foi muito corajosa. E eu entendo que em seu mundo não é todo dia que você vê um macho tomado pela sede de sangue. Nem as fêmeas da Reserva vêem isso." Ele disse, eu suspirei.
Candid levou minha mão aos lábios, eu fiquei em silêncio, afinal meu coração disparou.
"Você ouve corações?" Eu perguntei e na mesma hora me arrependi, ele saberia que era por que meu coração disparou com o beijo dele.
"Não. Por que eu faria uma coisa idiota dessas? Eu sei o processo e se quiser posso ouvir o seu que está perto, mas pra quê essa palhaçada serve?" Ele me perguntou, eu não tive resposta. Até que eu pensei em algo e disse:
"Se alguém estiver usando valeriana ouvir seu coração a denuncia. Não é algo sem sentido." Eu disse, ele sorriu.
"Um macho que ouve corações, não pode ser enganado com algo bobo como valeriana. É mais fácil ter um faro que supere a Valeriana que ouvir corações." Ele se levantou.
"Eu acabei de fazer panquecas e há geleia de Noah aqui. Você já provou?"
"Tinha na festa. Mas eu acabei não provando." Ele saiu do quarto eu fui ao banheiro e lavei meu rosto. Na pia havia uma embalagem de escova de dentes, eu abri e usei. Também penteiei meu cabelo. Eu ainda usava o conjunto de moletom preto, eu olhei para o chuveiro com vontade de tomar banho, mas não havia o que vestir.
Eu saí e a mesa estava posta, as panquecas ainda desprendiam fumaça. Eu passei a tal geleia numa panqueca e provei, eu tive que gemer quando mastiguei. Candid me encarava, ele balançou a cabeça e sorriu.
"Se Noah soubesse que era só dar um pouco disso para uma fêmea, ele já teria perdido seu cabaço." Eu não disse nada e comi até não conseguir engolir mais nada.
"Uma fêmea linda que come como um macho, isso é bem excitante sabia?" Ele disse, eu não retruquei. Era um elogio, eu acho.
"Eu tenho de ligar para a mamãe." Ele negou com a cabeça.
"Não precisa, eu falei com ela. Sua mãe está na casa de Sophia, acho que elas e as outras fizeram uma noite do pijama ou algo assim, então quando ela ligou, eu atendi e disse que você estava dormindo, mas que tomaria o café da manhã com ela na casa de Sophia." Eu arregalei os olhos. Já era a manhã do dia seguinte, eu estava a duas noites fora da Reserva.
"Ela vai pensar que eu e você..." Ele sorriu.
"Que bom que ela não é humana, não é?" Ele disse, mas mamãe não era o problema. O problema era Bronzy. Mamãe estava na casa dela, devia ter contado que eu estava com Candid!
E Bronzy tinha me dito que não tinha desistido dele. O que Bronzy devia estar pensando? Eu tinha de ligar para ela.
"Esse não é o problema. Bronzy me disse que..." Ele ergueu as sobrancelhas, eu fiquei pensando se devia contar para ele sobre minha conversa com Bronzy.
"Se isso fizer Bronzy sair do meu pé, vá em frente." Ele disse recolhendo a louça e começando a lavar na pia.
"Como assim ela sair do seu pé? Bronzy gosta de você." Eu disse, isso não devia ser segredo.
"Não, não ela não gosta. Eu nunca fiz nada para que ela gostasse de mim." Ele disse de costas para mim, eu fui até ele e o virei.
"E a noite no telhado de Honor?" Eu perguntei, ele franziu os lábios, parecendo chateado.
"Foi só uma noite, só um momento." Ele deu de ombros, eu o encarei, ele desviou os olhos.
Eu me afastei. Mamãe dizia para ter cuidado com os machos. Ela dizia que se fossem de primeira geração o perigo era se apaixonarem e ficarem insuportáveis. Já no caso de serem de segunda geração o perigo seria eu me apaixonar. E eu estava vendo em primeira mão o que mamãe me alertou. Para Bronzy aquela noite foi incrível, para Candid foi só um momento. Eu fui até a estante de Wide e peguei um livro de Flora, um dos novos, sem ilustrações de John. Uma nova etapa no processo criativo dela, pois muitas histórias foram primeiro desenhadas por John e Flora apenas descreveu e deu sentido às cenas.
Essa história não, essa história falava de arrependimento. Wide ficou longe de Nove e se arrependia disso. E a história falava bem de como esse arrependimento o transformou numa máquina de matar.
"O monstro do hospital" eu li o título de novo baixinho. Era uma história de suspense, de investigação. E era uma fábula, mas não no sentido próprio de ser uma fábula, pois os personagens eram animais, mas não havia uma moral da história bem definida. Era como Flora, você tinha uma idéia de sua essência, mas sempre havia mais por trás.
O investigador era um leão. Os leãozinhos foram quem trouxeram Nove, agora Broad, mas ele tinha tanto cara de Nove para mim, que eu ainda pensava nele com esse nome, e também trouxeram Wide. O personagem principal era um urso. Wide era uma mistura de espécies, mas era maior que todos os outros machos e sim, ele parecia um urso.
O curioso da história era que o médico que fazia as perícias era um pelicano. Um pelicano muito inteligente e bondoso, ainda que implacável. Havia outro médico, um tigre, que fez autópsias erradas e o pelicano por ser um médico melhor, ajudou a desvendar o crime. No fim, o tigre não era médico, só era muito inteligente, mais inteligente que todos e se passava por médico. Eu sorri e alisei a capa do manuscrito, Flora era avessa a tecnologias, ela nunca digitava nada, ela escrevia a mão, de lápis e depois passava tinta por cima, ou seja, ela escrevia folhas inteiras, livros inteiros a mão e mais de uma vez.
"Gostou desse, né?" Candid disse, eu sorri, mas algo estava diferente. Eu acordei com ele sobre mim e ainda que ele não fez como nos filmes, me abraçando e me consolando, ele fez uma piadinha e eu me senti melhor, eu vi que não estava quase sendo despedaçada, que o medo que eu senti era só um sonho. Eu estava com um macho sobre mim, um macho muito bonito.
Mas agora, depois do que ele disse sobre Bronzy eu me afastei. Eu poderia dizer que dava para ter um bom momento com ele e depois voltar para casa e continuar minha vida, mas não dava e eu não seria burra de achar que dava, mesmo meu corpo coçando pelas mãos grandes e calosas dele.
Como olhar para Bronzy depois? Assim que chegasse, eu só teria de contar o que aconteceu, que eu ajudei a sequestrar Missy e que não podia dizer para a minha mãe. Bronzy entenderia.
Mas se eu e ele...
"Eu sou o leão." Ele disse, eu coloquei o livro no lugar. Ele ergueu uma sobrancelha.
"Você já leu?" Eu assenti.
"E colocou no lugar? Não tem de colocar no lugar." Ele tirou o livro e ficou observando os outros livros.
"Você leu quatro livros? Só ontem?"
"Sim, qual o problema?"
"Você leu quatro livros e os colocou no lugar, no lugar exato." Eu balancei a cabeça dizendo que sim.
"Não faça mais isso. Simple pode sentir de Fuller que esses livros estão no lugar errado." Ele disse e eu não acreditei nele.
"Eu não acredito nisso, mas se eu coloquei os livros no lugar certo, ele não sentiria que estão no lugar certo?" Era uma conversa idiota, mas era melhor falar idiotices que ficarmos em silêncio. O olhar dele me queimava.
"Há algo que eu diga e você acredite?" Ele perguntou e eu ri.
"Não sei. Quantos anos você tem?" Eu perguntei com um sorriso.
"Você sabe quantos anos eu tenho, não é a isso que eu me refiro." Ele queria que eu confiasse nele. Seria possível? Ele era um mentiroso, todos diziam isso.
"Eu acho que eu cresci com todo mundo dizendo que vocês sabiam mentir como ninguém. E isso é algo raro em nosso povo." Eu disse, ele sorriu, mas um sorriso diferente, sério.
"Entendi. Você não confia mesmo em mim." Era uma afirmação, não uma pergunta.
"E então?" Jewel foi entrando, um humano grande também entrou na casa olhando para todos os lados.
"Estou esperando Simple ligar. Mas Missy está bem. Quem é esse?" Candid perguntou olhando para o humano e se esticando. O humano era um pouco menor que ele, mas muito forte.
"Este é Miller. Ele está a serviço do meu tio. Eu estou tentando convencê-lo que não preciso de proteção aqui, mas tio Al mandou ele não sair do meu pé até eu estar na Reserva. Então..." O humano cruzou os braços e assentiu. Candid sorriu.
"Você fala?" O humano ergueu uma sobrancelha, mas não respondeu.
"Tio Al orientou ele a não se deixar enganar. E o seu nome foi o primeiro da lista. Não é, Miller?" Jewel disse com um sorriso no rosto.
"Sim, senhorita North. Devo ter atenção máxima em Candid e não devo falar nem olhar muito para ele." Miller disse, o sorriso de Jewel aumentou.
Candid deu de ombros.
E eu não sei porque mas senti um pouco de pena de Candid. Confiança era uma coisa que os Novas Espécies exalavam, não ser de confiança poderia significar que ele era perigoso, mas que também era inferior de alguma forma.
A porta se abriu e Missy correu para Jewel, mal deu tempo de Jewel abrir os braços para acolhê-la. Bravery foi o próximo a entrar, ele se esticou todo quando viu Miller. Machos!
"Ah, Jeje! Foi tão terrível!" Missy começou a chorar, Jewel a abraçou mais apertado, todos ficamos em silêncio.
"Mas deu certo?" Candid perguntou, Missy se soltou de Jewel, ela olhou para Candid e eu também, os olhos dele estavam ansiosos e eu vi o amor ali. Amor e medo. Ele só tinha dito que tudo era por Honest, eu não sabia o que estava acontecendo, ainda não tinha entendido, mas senti o medo nos olhos dele. Muito medo.
"Bom... Eu..." Missy parecia um pouco confusa.
"Fala logo, Missy, quer me matar do coração?" Candid se ajoelhou ante Missy, ela sorriu.
"Como se você tivesse um coração!" Uma voz disse da porta, eu olhei e Simple estava parado lá, eu fui até ele e o abracei, ele tinha um cheiro estranho.
Candid se levantou devagar, eu sorri para Simple, Simple tomou minha boca num beijo, eu fiquei tão surpresa que eu retribuí. Talvez meu corpo entendeu que era Candid, afinal eles eram idênticos, eu não sei, só que foi um beijo gostoso, eu estava muito ansiosa para saber de tudo, ele ter me beijado assim me fez querer mais. Candid me puxou dos braços dele. Ele riu.
"E como um idiota vive dizendo, é assim que se tira um band-aid." Simple disse, Candid o abraçou apertado e começou a chorar, eu olhei para Missy, os olhos dela também estavam molhados. Jewel apertou os lábios, era bem típico dela querer ser durona. Eu estava uma mescla de sentimentos, o beijo que ele me deu ainda aquecia meus lábios.
Candid se afastou e limpou o rosto.
"Então, deu certo. Sim vai ficar insuportável." Ele disse, eu franzi meu cenho. Por que Simple ia ficar insuportável?
"Bem vindo de volta, Leãozinho de verde. Eu ajudei, viu?" Jewel disse, o Leãozinho de verde se aproximou dela e de Missy e se ajoelhou.
"Eu sei. E sou grato. Sou muito grato às duas. Sempre estarei em dívida com vocês. Principalmente com você, Missy. E desde já eu te digo que não vou descansar até mudar o seu destino." Ele disse, Missy o abraçou.
O Leãozinho de verde era Honest. Mas Honest estava no corpo de Doze, o primata albino. Eu olhei para Candid que já estava refeito. Ele sorriu.
"Acredita se eu disser que conseguimos recuperar o corpo de Honest? E que você ajudou?" Ele perguntou, eu o abracei. Honest! De volta, como o terceiro leãozinho!
"Eu achei que ele fosse Simple, ele raspou os cabelos." Eu disse, Honest passou a mão pela cabeça raspada.
"Sempre que um raspa os outros dois tem que raspar também." Ele disse, eu ri.
"Eu gosto de vocês com os cabelos raspados, acho que ficam mais bonitos. Mais misteriosos." Jewel disse.
"Está na hora, Senhorita North." Miller disse, Jewel assentiu.
"Posso contar para a mamãe?" Ela perguntou, Candid negou com a cabeça.
"Você disse que tudo bem ser castigada."
"Eu sei, só que todo mundo vai ficar, tipo: 'Nossa! Honest voltou!'. E eu queria poder contar que eu ajudei."
"Eu não quero contar o que eu fiz, Jeje. Eu não quero me lembrar, não foi fácil, foi..." Missy não terminou.
"Tudo bem. Mas você me deve, Leãozinho." Ela disse e saiu, eu achava que ela saía dos lugares sem se despedir só para dar um efeito de saída épica. Jewel era um pouco teatral. Eu não podia classificá-la de má, ela realmente ajudou, mamãe disse que a família de Missy estava procurando as duas pelas cidades, mas não estavam propriamente preocupados, pois sabiam que Jewel estaria com seguranças. Não era a primeira vez que Jewel saía escondido da Reserva e Albert Turner a ajudava, ele fazia tudo o que Jewel queria. Se eu e Candid tivéssemos tirado Missy da casa dela sem um motivo aparente, a Reserva iria parar.
Missy parecia um pouco cansada quando sorriu para nós e saiu. Um barulho de carro grande foi ouvido, o tal Tio Al levava a segurança de Jewel bem a sério.
Candid segurou minha mão e disse:
"Quer chegar em grande estilo com o perdedor aqui, ou quer ir na moita?" Eu olhei para Honest, ele sorriu.
"Eu vou direto para casa, Cam. Ann pode ir para a casa de Brass." Ele disse, eu sempre ficava na casa de minha madrinha, era normal, mas eu sorri por ele saber disso, ele estava de volta! Então eu fiz que não, eu não perderia a cara de felicidade de tia Tammy por nada.
"Não. Vamos para a sua casa, eu quero ver seus pais felizes. Eles merecem e eu quero dividir isso com eles."
Candid bufou.
"Hon nunca esteve longe, ele só tinha uma bunda grande e parecia um floco de neve." Bravery riu.
"Eu já vou." Antes de sair, porém ele se aproximou da estante de livros.
"Você leu e os colocou no lugar? Simple vai conservar os cabelos, isso é bom." Ele, Cam e Hon riram.
"Ann não sabe o quanto é divertido ver ele tentar puxar os cabelos e ela é tão organizada quanto ele." Candid disse.
Bravery me olhou dos pés a cabeça, eu fiquei meio sem jeito. Ele era muito bonito com seu rosto sério e os olhos esverdeados.
"Espero te ver de novo, Senhorita Crane." Ele disse para mim e saiu, Candid fez um barulho com a boca.
"Mais um!" Ele suspirou.
Honest riu, eu o abracei de novo, eu ainda estava encantada por ele ter voltado ao seu corpo, mesmo sem entender como eles fizeram isso, mas eu estava muito feliz por ter ajudado.
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FÊMEAS
Fiksi PenggemarDepois de muitos anos vivendo em liberdade, Breeze e suas amigas resolveram acasalar. E quem seriam os machos escolhidos? Elas não sabem! Nenhuma das três está num relacionamento, mas isso não é empecilho para uma fêmea empoderada! Mesmo que elas te...