CAPÍTULO 41

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Eu sonhava que estava voando por sobre a Reserva, pelas árvores centenárias e pelas casas da área familiar. Um lindo sonho que melhorou quando eu pousei na água do lago. Eu desci o corpo na água, só as pernas e a água estava quente. Eu sorri, mas senti dor. A água estava vermelha, seria...
Eu abri os olhos em pânico e vi que estava sangrando. Adam dormia um sono pesado ao meu lado, o sangue o sujava, eu entrei em pânico.
Eu o sacudi, ele abriu os olhos ainda nebulosos pelo sono, mas a porta se abriu com um estrondo, Adam rosnou e pulou da cama, era Noah.
"Que porra você..." Adam começou, mas viu que suas pernas estavam sujas de sangue e olhou para mim com os olhos arregalados, Noah o empurrou e me pegou. A dor veio e eu guinchei, Noah disse:
"Vista alguma roupa." Adam engoliu em seco devia estar tentando conter o pânico, Noah correu comigo para o hospital.
Quando chegamos, Candid já nos esperava com uma maca, eu estava sentindo muita dor.
"Por favor, me ajuda, Cam." Eu disse, acho que nunca o chamei pelo apelido. Ele sorriu.
"Vai ficar tudo bem, Chi." Ele me chamou do jeito que Adam me chamava, mas não havia deboche nos olhos dele, estavam alertas e eu me preocupei. Por que ele era uma cria do diabo, mas era um ótimo médico.
Adam chegou vestindo uma roupa estranha, uma camisa de seda azul clara e uma calça de moletom branca, se eu não tivesse sido sacudida por uma contração, eu iria rir dele, ele se preocupava muito em combinar as roupas. Outra contração veio quando eles iam me levando para um quarto, eu gritei dessa vez, Adam apertou minha mão.
"Noah..." Ele olhou suplicante para seu irmão, eu também olhei, mas Candid aplicou alguma coisa em mim e eu apaguei.
Quando acordei, o quarto estava escuro, Adam segurava minha mão e tinha a cabeça apoiada na cama. Parecia estar dormindo. Eu toquei meu abdômen e parecia frouxo, vazio, ainda que minha barriga ainda não tivesse crescido nada. Eu engoli o choro, fechei os olhos com força, eu não queria falar com ninguém.
"Seu coração aumentou o ritmo." Ele disse erguendo o rosto e olhando para mim, seus olhos impressionantes marejados. Eu deixei as lágrimas que estava segurando descerem por meu rosto, ele ia subir na cama eu fiz um sinal com a mão. Ele ficou imóvel de pé me olhando.
"Eu sinto tanto!" Ele disse, eu comecei a soluçar, ele tentou me abraçar, eu o afastei. Por que a dor era minha, eu carregava meu filhotinho e agora meu ventre estava vazio. Eu sentia frio e tristeza, mas a dor era só minha.
Eu ergui a cabeça e enxuguei os olhos, chorar não o traria de volta. Eu já tinha passado por muita coisa na vida e eu resisti, eu venci a dor e o abuso, eu venceria aquela tristeza.
Lá fora, muita gente falava baixinho e eu apertei os lábios. Todos estavam tristes, mas ninguém sabia como era, ninguém tocou em seu ventre e o sentiu vazio, quando era para estar cheio de vida.
"Eu não quero ver ninguém. Peça para irem embora." Eu disse, ele beijou minha mão, eu a puxei e a coloquei contra meu peito.
"Chimes, podemos..." Eu não o deixei terminar:
"Saia daqui!" Eu disse, ele arregalou os olhos, eu guinchei, ele saiu.
Eu fechei os olhos, depois de um momento, Candid entrou no quarto.
"Posso ficar e te examinar ou vai me mandar embora também?" Ele disse friamente.
Eu não respondi, ele olhou os medidores, tocou minha barriga, quando ele apertou, eu senti algo descendo por minha vagina, ele me encarou.
"Fizemos curetagem. Vai ficar sangrando ainda por hoje e talvez amanhã, mas será só isso. Humanas ficam..."
"Eu não quero saber como as humanas ficam! Elas podem..." Eu não consegui terminar, o choro veio ele tentou me abraçar, eu guinchei.
"Chimes." Adam entrou no quarto, eu não era capaz de olhar no rosto dele, eu fechei meus olhos com força.
"Saiam." Eu disse, mas ele não se moveu.
"Não vou sair." Adam disse, eu o encarei, minha dor se transformou em fúria, eu guinchei mais alto.
"Eu queria sair, mas não terminei meu exame." Candid disse com um sorriso, eu abri as ventas do nariz, eu ia...
"Por que está me expulsando? Eu sei que não devia ter dormido. Acha que eu não estou mal? Eu dormi e se não fosse Noah..." Ele colocou a mão na cabeça e fechou os olhos, eu senti que ele sofria, mas eu também sofria, e ele ali aumentava meu sofrimento.
"Isso, você dormiu. Se não estivesse dormindo daquele jeito..." Não, eu não podia falar aquilo, não era culpa dele, eu estava sendo uma vadia, eu...
"Exato. E você não pode me perdoar, não é?" Ele disse e eu queria abraçá-lo, eu queria dizer que estava mentindo, mas eu não o queria no quarto, eu queria ficar sozinha.
A primeira coisa que eu entendi na gravidez era que pelos meses desta eu não estaria sozinha. Que não era mais só eu, que éramos nós dois, eu e meu filhotinho, que eu o protegia no lugar mais seguro do mundo, dentro de mim. Agora...
"Adam, por favor, só me dê um tempo." Ele enxugou uma lágrima em seu rosto e eu senti meus olhos transbordando de lágrimas, ele esticou a mão, eu me encolhi, ele assentiu e saiu.
Candid suspirou. Eu o olhei, ele me olhou de volta. Seus olhos estavam frios e eu gostei daquilo. Eu não queria compaixão.
"Me examine e saia." Ele acenou e me examinou, eu tentei não lamentar mais, não com ele ali. Candid terminou, eu me virei e olhei para a janela, o dia estava alto, era um bonito dia de inverno na Califórnia.
"Lunna vai querer conversar com você." Ele disse, eu não tirei meus olhos da janela.
"Sou obrigada a falar com ela?" Lunna! Uma filhote. Uma Nova Espécie de segunda geração! O que ela sabia sobre perder bebês? Ela poderia ter quantos ela quisesse! Grace e Livie tinham cinco cada uma! Diziam que Livie ainda teria mais cinco filhotes, com isso, ela chegaria a ser mãe de dez! E o único que eu achei que ia ter, eu já não tinha mais.
"Não. Mas eu recomendo, seria bom pra você." Ele disse.
"Seria bom pra mim se seu irmão estivesse aqui quando eu cheguei." Eu disse, ele baixou a cabeça.
"É, nisso você tem razão." Ele disse e saiu.
Eu comecei a chorar, um choro doído, tão doloroso que eu acabei por dormir de exaustão e dor na garganta e peito.
Quando acordei novamente eu pensei que tudo tinha sido um sonho. Eu estava em meu quarto, minha barriga estava enorme, eu me levantei e gritei por Adam, ele veio com uma bacia cheia de carne de alce, eu ria e comia, ele ria comigo e o bebê chutava minha barriga. Eu me senti tão aliviada!
"Nossa, eu tive um péssimo sonho!" Eu disse, Adam me olhou sorrindo, só que o sorriso era muito grande, sua boca parecia ser menor que seus dentes, suas presas estavam enormes. Eu me afastei colocando a mão na barriga, eu tinha de proteger o bebê, eu não sei de onde me surgiu o pensamento de que ele iria trucidar minha barriga e morder o pescocinho do bebê.
"Adam, pare de sorrir." O sorriso dele aumentou e ele se aproximou mais, o bebê chutou várias vezes, eu estava sendo sacudida pelos chutes.
"Adam, pare!" Ele rugiu e arreganhou os dentes, o bebê chutava violentamente eu gritei assustada, um grito longo, eu não parei de gritar, o pânico estava me sufocando, os chutes do bebê doíam.
"Chimes!" Eu parei de gritar, era Breeze! Onde ela estava?
"Chimes, abra os olhos querida! Abra os olhos, eu estou aqui."
Eu abri os olhos, Breeze me abraçava, seu rosto estava arranhado e sangrava, mas ela me apertava nos braços, eu comecei a chorar.
"Calma, querida! Eu estou aqui. Veja, Elizabeth também está." Ela me soltou e apontou para Elizabeth, eu solucei alto e puxei Elizabeth para um abraço, as duas me abraçaram, eu não conseguia parar de chorar.
"Adam ia matar meu bebê." Eu contei, as duas se afastaram, Elizabeth enxugou meu rosto.
"Foi só um sonho, querida. Estamos aqui, tente descansar." Ela disse, eu a abracei, ela me beijou o ombro, eu parei de chorar.
Elas ficaram em silêncio comigo, eu precisava colocar as idéias em ordem.
Foi só um sonho? Parecia tão real, minha barriga estava enorme e...
Eu toquei minha barriga e a constatação de que eu tinha perdido o bebê veio como um tapa muito forte em meu rosto.
Eu voltei a chorar, Breeze e Elizabeth não disseram nada, só me abraçaram de novo até que não havia mais lágrimas, até que as minhas forças se esgotaram e só soluços secos e doídos restaram.
Eu fechei os olhos, mas os abri rapidamente, eu não podia dormir. Não se dormir significasse sonhar o horror que eu tinha sonhado.
"Eu não posso dormir. Eu nunca mais vou dormir." Eu disse, Elizabeth assentiu.
"Estamos aqui. Se não vai dormir, também não vamos." Ela disse com um sorriso, Breeze sorriu também e beijou minha mão.
"Não. Você tem de dormir, Bree. Seu filhote precisa de você descansada." Eu disse. Ela sorriu triste para mim, eu sorri de volta.
"Eu vou ficar o máximo que posso." Eu aumentei meu sorriso. Eu nunca iria querer que minha amiga passasse por aquilo, eu a queria feliz, ainda que eu achasse que eu nunca mais seria feliz.
Por que eu não seria. Eu não perdi só um filhotinho, eu perdi tudo.

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