CAPÍTULO 1

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    Chovia bastante e era um dia daqueles nos quais alguns infortunados escolhiam para se matar, imagine só, somos influenciados até pelo clima que nos rodeia e nem é mentira. Estava frio em um ciclo de verão e a chuva que caía em mim não combinava com meu olhar, ou pelo menos não ajudava me molhando no meio da avenida. Barba por fazer, olhar vago, cabisbaixo, olhando para o meio do nada eu só conseguia me enxergar cansado. Você já deve ter vivenciado diversas vezes esse momento e antes fosse um pensamento bonito afinal quantos pontos extremos passamos ao longo de uma vida? Mesmo que talvez parte dos nossos problemas sejam criados e ilusórios a mente humana sempre será nossa amiga infiel, não tem concerto.

    Meus próximos e aproximados 4 minutos foram em juntar coragem para pular na frente do primeiro carro em potencial, logo eu que achava que esses atos eram de jovens ingênuos, agora seria eu um desses figurantes. Digo, como nossa cabeça pode chegar na conclusão que não há mais nada para se viver, que parafuso me faltou... vários, presumo, mas naquele momento alguma coisa me puxou por trás e a força me fez cair de costas no chão, algo nada confortável, se bem que, nada estava confortável alí, e sem dúvidas a minha mente também era uma dessas coisas. Quem sabe fosse um anjo da guarda se pelo menos eu acreditasse em um... mas no final, foi só um cara para quem eu devia, herança dos velhos momentos quais desfrutei em cassinos clandestinos com o meu velho amigo.

    Das pequenas coisas que vivi e tive boas vibrações me fazem querer meu tempo de criança de volta, muitas ou talvez todas elas ficaram nessa época, onde o imposto era bicho de sete cabeças e a fada do dente era minha fonte de renda. "Pega a bola", "toca aqui", "eu sou o herói", "vamos ver quem corre mais rápido?". Para onde foram os grandes momentos? Agora só dormem em minhas memórias, é o mais provável.

    De todas essas coisas não as tenho mais, ou as vivo em minha cabeça, porém, só de uma delas me arrependo profundamente, não porque aconteceu, isso foi mais que ótimo, o grande problema que martela meu cérebro foi que essa acabou sendo a mais significativa, acho que as grandes felicidades no fim cobram seus preços volumosos e pode até me chamar de covarde, mas pontos extremos nunca foram o meu forte. Digo, alguma vez eu já disse que sempre te achei linda? Ou como fui grato por quase todos os momentos que vivi com você? Nos dias de hoje é até digno de prêmio se declarar tão abertamente e você certamente não era como essas pequenas belezas visuais que muitos desejam e se adaptam tão bem, era bem isso no que eu acreditara, como um todo que era cego e só havia eu admirando, entende? Então por quê? Como ao longo de minha vida me tornei um velho apático? Medo? Seria pobre em alma se falasse que o grande universo desejou assim, a verdade é que acabei por escolher toda essa minha construção, até sofrer quando ela ruiu, e essa condição ou ação no fim já bastava, minhas próprias escolhas me criaram esse circo, então calma universo, não é culpa sua.

    Incríveis foram muitas lembranças que o tempo levou com você, como nos finais de semanas que você acariciava meu rosto e meu corpo se afundava em seu colo. Entretando o mundo em que vivíamos já cercava as paredes daquela bolha caprichosa e foi no fim um bom abraço da morte. O mais estranho era que eu sabia exatamente quem éramos e como se encaminhou as variáveis que nos ocorreram, ainda sim segui à diante, tentando medir força contra as possibilidades, pequenas fissuras de liberdade.

    Hoje, não consigo sugerir para mim mesmo qualquer mínina ideia que pudesse tirar esse sofrimento que constantemente recrio dentro de mim, mas talvez ainda possa recriar mentalmente os passos que fiz desde o primeiro dia que te conheci, há quatro anos atrás, para que pelo menos talvez essa fantasia diminua a distância entre minha insuficiência emocional e o seu amor que agora só me visita em curtas memórias.

    Estava cursando psicologia em uma cidade diferente nem sabendo o porquê tinha escolhido este caminho, um cara como eu não tem muito intelecto quando o assunto são áreas do cérebro, eu acho, mas uns colegas me indicaram afirmando que levava jeito e acabei por acolher, mesmo acreditando que pudessem havem outros motivos para que me quisessem longe, enfim... Rubiel Dias, futuro psicólogo e conselheiro de mim mesmo, sem atributos, somente um cara normal.

    Não é uma grande descoberta, mas, na maioria das vezes, os sonhos não acontecem, e por quê? Advinha o óbvio, você não corre atrás deles, eu sei disso, você sabe disso, mas saber e fazer algo à respeito são coisas um tanto diferentes e assim toda minha vida foi uma grande parada. Poderia dizer que tinha um pai bêbado e uma mãe com problemas emocionais e você justificaria o meu futuro com base no passado dando ênfase à inocência de um garoto, mas não... na verdade meu pai não bebia e minha mãe, bem, todos temos problemas, então talvez ela tivesse um ou dois emocionais, mas o que queria dizer é que não se precisa de grandes motivos para ir de encontro a merda, o fundo do poço, estar vivo já é o suficiente e é toda uma cagada quando se pensa de forma errada.

    Sem dependência financeira de terceiros e uma mente acima da média, segundo a sociedade, "o sucesso me aguardava", pensava em minha mente tentando afastar a sensação de exclusão social e o que poderia dar errado. Sozinho... já deveria ter naturalizado com mais firmeza essa condição na minha mente.

Não Me Leia, Julieta Onde histórias criam vida. Descubra agora