Me aproximei pelo lado e te olhei de canto, aqueles olhos mortos haviam retornado, quis proferir palavras de conforto, mas não consegui... e antes que eu tomasse qualquer outra posição além do bom observador que costumava ser, você rompeu o silêncio novamente.
- Meu irmão tinha 17 anos... ele era um garoto alegre, vivia fazendo planos para o futuro como o de ser cozinheiro em um grande restaurante, ser reconhecido por suas comidas, você tinha que ver, ele era bom, tão bom quanto o sonho que ele tinha... o único problema acabou sendo as pessoas que ele carregava com esse sonho. - ela disse.
- E uma dessas pessoas seria dono de uma dessas iniciais, presumo. - eu deduzi.
Já estava claro sobre o que havia acontecido, houve o fim de um amor, independente das propriedades desse motivo, o sentido geral que causa todos os suicídios da história humana é a perca de amor sobre alguma coisa, ou valor, se você quiser tratar isso de forma mais filosófica, não precisa ser necessariamente por alguém, basta amar simplesmente qualquer coisa e este será seu calcanhar de Aquiles. O irmão dela só foi mais um deles, desses sonhadores, um jovem otimista que se dedicou exclusivamente para a vida e no fim a vida lhe mostrou o que ele ainda não havia testemunhado sendo a própria vítima... e o peso de não controlar ninguém ou nada além de sí mesmo. Talvez essa foi a única receita que ele não teve para se tornar um grande cozinheiro em sua mente, lidar com temperos imprevisíveis.
- O que aconteceu pra ele se matar? - eu perguntei.
- A namorada dele o traía com outros caras, eu sabia dos boatos assim como ele também tinha ciência dessas fofocas. Mas nenhum de nós buscou realmente saber se era verdade ou não, já que a primeira vista ela se parecia muito diferente do que as fofocas diziam, e ele talvez foi passivo a ignorar isso depositando tanta confiança sobre alguém, assim como eu, mesmo não fazendo parte dessa relação, ainda sim ele era meu irmão e isso dói demais. Eu deveria ter feito mais... - ela respondeu.
- Você fez o que deduziu ser o correto a fazer, e mesmo que acredite não ter pensado nele, você pensou em não magoá-lo quando ignorou essas fofocas. - eu disse.
- E veja no que isso resultou... a morte dele não foi? Se eu estivesse mais próxima, mais próxima dele, talvez tivesse sido diferente... - ela disse.
- Você não tinha como controlar o que o seu irmão faria, você fez o que pôde para ele com o que tinha disponível para sí, e é isso, fazemos o que é necessário e esperamos que isso seja o suficiente para determinadas situações da vida, nunca é uma certeza. - eu respondi.
- Talvez... - ela disse.
- Esse foi o motivo pelo qual você estava naquele lugar, em um estado como aquele? - eu perguntei.
- Tenho muitos motivos, muitos deles... mas dessa vez o climax, se é que posso chamar assim, foi por uma coisa que eu fiz. - ela respondeu.
- E o que você fez que te deixou assim? - tornei a perguntar.
- Em um momento de desespero após saber que ele tinha se suicidado, eu paguei um homem para espacar a ex do meu irmão, não queria dar para ela qualquer chance de perdão. A princípio estava com a certeza de que buscava uma vingança, mas... depois que vi ela no hospital, percebi onde minha raiva me levou e o quão idiota eu fui. Não pude salvar meu irmão, tentei culpar outras pessoas e cometi mais esse erro... no fim acabei culpando a mim mesma e isso me levou para aquele estado. - ela respondeu.
Tomar decisões precipitadas em momentos de tensão são a ruína de qualquer pessoa e ela percebeu aquilo depois de cometer o seu erro, agora a culpa que ela sentia valia mais do que qualquer pena dada pelo estado para um agressor, ou um mandante. Esse remorso quis levar a última esperança que você tinha de fugir da sua dor em vida, a tal ponto que fez desejar sua morte.
Pensei veementemente sobre aquela definição que havia dado sobre as cascas apodrecerem quando percorria mais cedo pelo local e acabei por corrigir-me, talvez para alguns, as cascas não apodreçam... o amado se vai, mas, o amor continua, mesmo corroendo sua mente até que te faça tomar medidas extremas, sejam elas negativas ou possitivas.
- Você já pagou pelo seu erro... vejo isso quando olho para o seu rosto vazio, sem expectativas... - eu respondi.
- Você não parece com ninguém que eu já tenha visto, outras pessoas me veriam como um monstro, enquanto outras apoiariam e diriam que fariam o mesmo. Como consegue ser tão meio-termo? - ela perguntou.
- Acredito que eu tenha passado por muitas experiências parecidas quando se trata de cometer erros e ficar me julgando por tê-los cometidos. - eu disse.
- Precisa me ensinar mais sobre como lidar com problemas assim, ou eu vou acabar me matando. - ela me disse.
- Quis dizer que entendo o conceito, não que consigo me resolver internamente, a prática nunca foi o meu forte, então eu acho que nessa história nós dois morreremos. - eu respondi.
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Não Me Leia, Julieta
RomanceRubiel busca se entender dentro de uma crise existencial na qual o acompanha por quase uma vida. Nesse meio tempo ele conhece alguém que lhe desperta novamente grandes emoções inesperadas. Porém, ele não imaginava que sentimentos maiores do que este...