CAPÍTILO 20

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    Sentei no banco do carona observando ela dar a partida e por algum instante associei aquela cena à história da bela e a fera, a fera seria o carro, e eu seria no máximo o chaveiro. Após dar vida ao automóvel o som do motor engolia os meus canais auditivos enquanto ela pisava no acelerador sem sair do lugar, simplesmente como um tigre selvagem rugindo. Confesso que aquela situação fez com que chovesse em meus olhos.

    - Sério que você vai chorar? Não acredito, hahaha! - ela disse em risos.

    - Para... olha, isso pode soar meio machista, mas você não entenderia o que isso significa na vida de alguns homens, é simplesmente a relação mais pura e linda entre o ser humano e uma máquina. - respondi enxugando o rosto.

    - Aaaah eu entendo sim, só estava querendo tirar uma com a sua cara... e se você dizer mais alguma coisa desse gênero vai acabar morto, eu tenho um canivete comigo e não tenho medo de usá-lo. Para mim, esse carro aqui não tem preço, é o meu bebê. - falou ela tirando o pé do acelerador.

    - Desculpa... mas então, como você conseguiu ter um desses? - perguntei me virando para olhar o revestimento interno traseiro.

    - Herança de família... - ela respondeu.

    - E por que você veio para um lugar como esse dirigindo esse carro? A possibilidade de ser roubada é tão grande que só um doido não perceberia. - levei a mão até a minha cabeça em sinal de desaprovação.

    - É mais fácil roubarem você do que eu... e o que eu posso fazer, a oficina que customiza o meu neném fica aqui. - ela deu de ombros engatando uma marcha e pisando no acelerador.

    - Espera, espera, a gente vai aonde? - tornei a perguntar qual era o seu objetivo.

    - Em busca do amanhã, ou qualquer lugar que faça a gente se sentir mais vivo. Deixa de ser chato. - respondeu ela com um sorriso no rosto soltando a embreagem e fazendo os pneus derraparem.

    Saímos em alta velocidade pelos subúrbios daquele distrito sem direção alguma para onde iríamos, ou pelo menos eu acreditei que não tinha. Agora aquela garota meio baixinha parecia mais um piloto do mad max enquanto costurava os carros um após o outro sem hesitar.

    - Você é doida! Sabia? - disse enquanto tentava passar o cinto de segurança sobre o meu torso, mas o balanço do carro fazia com que eu errasse o engate.

    - Obrigado! Hahahaha! - ela riu alto virando a cabeça para cima.

    - Isso não foi um elogio! - exclamei enquanto minha voz se misturava com o barulho do motor.

    - Eu sei! Hahahaha! - ela falou sem se importar com o que saía da minha boca.

    Seguimos em disparada pelas esquinas daquele lugar por alguns minutos até chegarmos em uma rodovia, ela dava acesso a uma reserva florestal cituada em uma pequena serra próxima à cidade. A estrada era totalmente asfaltada e fazia uma espécie de zigue-zague até o topo, transformando o local em uma espécie de mirante ou coisa do tipo para os turistas acessarem.

    Jamais imaginei que pudesse ter uma paisagem assim tão próxima do meu trabalho, com um tempo gasto para alcançá-la de aproximadamente trinta minutos. A cidade qual eu tinha nascido quase não possuía grandes elevações e mesmo as que existiam não eram nada próximas, ou de fácil acesso. Então passou alguns filmes na minha cabeça, vamos dizer assim, imaginando quantas coisas legais daria para se fazer e observar lá de cima.

    Questionei na minha cabeça o porquê você estaria compartilhando tantas coisas assim comigo, não tinha nada realmente interessante em mim que fosse dígno da sua atenção, ainda assim quando você me olhava com aqueles olhos escuros acabava demonstrando um certo brilho, bem desigual ao olhar opaco que eu presenciei na primeira vez que te vi.

    Senti a necessidade de guardar aquele momento como uma das minhas melhores lembranças, mesmo que ainda não tivesse terminado. O pouco tempo que passávamos juntos já era o suficiente para provocar desejos de mudança dentro de mim, e fazer com que aquela personalidade de velho chato quisesse ir embora. Era assim que os meus olhos teimosos se aventuravam, te observando agir.

    Quando chegamos ao topo da colina você parou o carro próximo à encosta, o lugar permitia uma visão privilegiada da cidade que brilhava naquele momento bem mais do que o céu nublado. Há alguns metros para a direção oposta haviam algumas pedras com mais ou menos um metro de circunferência, todas espalhadas pelo chão. O lugar era bem aberto aonde estávamos, porém, mesmo entre as árvores que estavam distantes eu não vi dificuldade alguma em me imaginar caminhando entre elas. Ao meu ver, tudo isso indicava que aquele era o melhor local na cidade para se estar, e a presença daquela garota deixou tudo bem mais especial.

    - Acho que tô apaixonado por você. - eu disse sentado ao seu lado encima do carro enquanto olhava para as luzes da cidade.

    - Por mim ou pelo carro? - disse ela enclinado-se para empurrar o meu torso com o seu ombro.

    - Por você e por todas as coisas que se associam a você, eu acho. - virei o meu rosto para a sua direção e começei a encará-la.

    - As vezes, você fala algumas coisas bem bonitas, sabia... - ela disse desviando o olhar para a frente.

    Voltei minha visão para as luzes da cidade e o silêncio tomou conta do ambiente, a única coisa que veio na minha cabeça foi a de colocar a minha mão sobre a sua que estava no capô daquele Dodge Charger. Tomei essa iniciativa com um tremendo medo de que você não me correspondesse, entretanto, para a alegria desse jovem você segurou a minha mão, e tornou o meu mundo infinitas vezes mais significativo do que já era.
   

Não Me Leia, Julieta Onde histórias criam vida. Descubra agora