CAPÍTULO 7

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    Aquela garota ia se parecendo mais interessante a medida que mostrava-me novas formas de ver o mundo, e isso atendia de certa forma algumas satisfações minhas que eu mesmo me neguei a ter, estava encantado, dado que determinadas situações podem ativar diferentes áreas do nosso cérebro e ela continuava a pontuar nas áreas mais sensíveis, entretanto ficar pensando sobre a química cerebral estragaria a magia desse encontro, como eu já estragava a maioria das coisas.

    Pensei sobre o que tinha ouvido e perguntei para mim se na verdade acabava por me cobrar demais em incontáveis ocasiões da minha vida, você parecia com tantas certezas mesmo sabendo que não possuía quase nenhuma, aproximei-me do seu ombro e dei um pequeno empurrão como se fôssemos parceiros, era uma mulher alta então o gesto pareceu natural, digo, ter que se abaixar traria a impressão que isso seria um ato fofo demais para um desconhecido, ou pelo menos pensei assim. Aquela mulher me olhou e por alguns segundos saiu do seu estado melancólico em que estavam seus olhos, sua franja caía para a frente, os cabelos já estavam secando, era algo simples e mesmo assim foi como ser engolido pela noite, quem sabe foi naquele momento que acabei entendendo na mais pura essência o que você havia me dito sobre ver bondade em uma pessoa ruim, essa garota sem dúvidas seria um daqueles anjos de histórias de fantasia que cometem algum erro por acreditar estar fazendo a coisa certa, só mais uma fatalidade do acaso e ainda assim, uma beleza imensurável.

    - O que foi? - ela perguntou.

    - As vezes você fala umas coisas bem interessantes, sabia? - eu respondi.

    - Se precisar de mais conselhos, é só me chamar, sou muito boa, haha. - ela disse.

    - O psicólogo recebendo terapia, bem cômico, mesmo que isso seja tão comum e até necessário. - eu disse.

    - Não brinca... você é psicólogo? Isso sim é interessante. - ela respondeu.

    - Para o bem ou para o mal, meio que sim, digo, na verdade eu faço faculdade de psicologia... - eu respondi.

    - E o que um futuro psicólogo andava fazendo em um lugar tão escuro como aquele? - ela perguntou

    - Terapia... talvez. Sou novo na cidade, decidi conhecer um pouco a vizinhaça. - eu respondi.

    - Naquele apagão? - ela perguntou.

    - Talvez lugares escuros como aquele me atraiam, não me julgue. - eu respondi.

    - Jamais, hahaha! - ela riu.

    Já estávamos nos aproximando do parque no qual havia passado e me lembrei das maçãs, aquelas que me enjoavam, a barraca já tinha se fechado há tempos e todo o lugar estava vazio, algumas luzes piscavam e insetos se amontoavam voando próximos à elas, aquele lugar tinha muito dos dois mundos, o social e o antissocial, ou talvez eram somentes os indivíduos que mudavam, agora as interações eram exclusivamente só dos insetos, condição que acabamos mudando quando cheguamos ao local.

    Caminhamos pela calçada daquele lugar e você começou a se afastar indo em outra direção, ao centro do parque, pisando na grama aquele orvalho da madrugada já melava bem a barra da sua calça larga e eu me perguntava o porquê daquela iniciativa, te acompanhei sem entender o que acontecia e só quando nos aproximamos de uma árvore eu consegui compreender. Era aquela mesma árvore na qual estavam as duas iniciais que eu tinha desprezado tanto, você encostou uma das mãos sobre aquela expressão e deu um forte suspiro, como se aquilo somasse aos seus dias de cão, por assim dizer. Fiquei em silêncio por alguns segundos enquanto formulava hipóteses sobre qual ligação você teria com aquelas iniciais ou se elas só te faziam lembrar outra coisa, e como não sabia seu nome, pouco fui longe em minhas deduções, então eu apelei para a mais conveniente que talvez me trouxesse uma resposta.

    - Deixa eu advinhar... você é uma dessas iniciais? - eu perguntei.

    Ela ficou em silêncio por algum tempo e eu continuei com minha suposição.

    - Olha, acontece, não é como se existissem amores eternos, alguns dizem que é o momento que importa, você vai superar, todo mundo supera um dia. - eu disse.

    Então ela rompeu o silêncio e disse:

    - Foi o meu irmão... foi ele que fez isso... - ela respondeu.

    Agora toda minha suposição estava de cabeça pra baixo e eu não fazia ideia do que estava acontecendo.

    - Como assim? O seu irmão fez isso pra você? - eu perguntei.

    - Não, ele fez isso pra outra pessoa... - ela respondeu.

    - Me parece que pelo menos entre nós, ele foi o que se deu bem, não é? - eu disse.

    - Ele se matou... justamente por causa dessa outra pessoa. - Ela falou.

    Me senti o pior dos seres humanos naquele momento, mesmo possuindo pouco empatia sobre as coisas, porém, relevei o ocorrido após o choque que tive e decidi parar de me martirizar, pois não havia como saber de início do que se tratava, e mesmo que ela explicasse depois, talvez eu não poderia compartilhar na mais pura essência o sofrimento que sentia, pensar em fazer esse ato na minha opinião seria no mínimo indecente, pelo menos para mim. Muitas pessoas podem até condenar minha visão, desejando que alguém cursando psicologia devesse ter uma posição diferente sobre certos tipos de situações, uma abordagem mais calorosa talvez. Para a opinião pública isso poderia ser um deleite, tentar romantizar certas atitudes que as vezes mais atrapalham do que ajudam as pessoas.

    Desde já afirmo que, com todas as minhas aulas eu sempre absorvi uma regra necessária para desempenhar meu futuro trabalho e consequentemente não atrapalhar minha vida pessoal, os métodos profissionais da minha área nem sempre serão bem recebidos por aqueles que não os solicitaram, independentemente de seguir um padrão lógico, quanto menos você invade o espaço do outro em momentos complexos, melhor. Sendo assim, se for para me crucificar, use outro argumento.

   

Não Me Leia, Julieta Onde histórias criam vida. Descubra agora