POV HARLEY
Ensaiar ao som de Chopin sempre foi minha melhor escolha.
Gosto de fechar os olhos, esvaziar minha mente e me imaginar dançando sobre as teclas de um piano. A delicadeza que há em cada nota me impulsiona a tornar meus passos tão suaves quanto e o resultado é incrível. É como se eu criasse asas e dançasse entre as nuvens. Mas como nada é tão perfeito quanto Chopin, eu despenco lá de cima quando tento aterrissar com perfeição no grand jeté e acabo tropeçando no meu próprio pé. Os erros continuam acontecendo até eu desistir e começar a chorar sentada no chão de costas para o espelho.
O mundo pareceu pequeno demais pra tudo o que eu sentia e a sensação era de que meu peito ia explodir a qualquer momento. Eu queria saber lidar com tudo o que estava acontecendo. O desprezo do meu melhor amigo, as recentes lembranças de um passado que me atormenta , o medo de ficar sem o balé, a responsabilidade que a senhorita Hargrove colocou sobre meus ombros. Sem mencionar o fato de eu não confiar o suficiente em mim mesma pra suprir as expectativas de Joane.
_ Você precisa dar um tempo._ Sarah entrou no estúdio e eu sequei as lágrimas rapidamente pra que ela não me visse chorando.
_ Eu estou bem! Só preciso me concentrar._ Me levanto e vou até a barra fazer mais aquecimento.
_ Você precisa dar um tempo._ Repetiu o que disse, desta vez mais de vagar. Colocou as mãos nos meus ombros massageando-os suavemente._ Está aqui há horas, nem se quer subiu para o jantar._ Parei o que estava fazendo e me virei pra ela passando meus braços em volta da sua cintura a abraçando apertado._ Quer me contar o que está acontecendo?_ Perguntou acariciando minhas costas. Movimentei a cabeça dizendo que sim e desabei.
Sarah pode não ser minha mãe de verdade, mas é muito melhor do que ela. Esteve comigo em todos os momentos da minha vida. Ela me conhece melhor do que meu próprio pai e eu sei que posso contar tudo a ela. Nos sentamos no chão uma do lado da outra e eu falei tudo o que eu estava sentindo. Sobre a competição, sobre a senhorita Hargrove, e claro que não podia deixar de mencionar o Nathan.
_ Sabe o que eu acho? Você está sobrecarregada. Precisa sair e se divertir. Esvaziar a cabeça, conhecer um garoto legal. Nathan é um garoto adorável e sabe que eu queria muito que ficassem juntos, mas ele está fechado agora. Magoado por causa da prisão do pai e chateado por ter sido você que o denunciou. E sobre a sua apresentação, você vai conseguir. Sempre consegue._ Lancei-lhe um olhar de agradecimento.
_ Vai ter uma festa na casa da Bethany amanhã._ Lembrei da tal festa e decidi seguir o conselho dela de me divertir e esvaziar a cabeça._ As meninas me convidaram pra ir.
_ Quer que eu te leve?_ Pediu sorrindo.
_ Não sei se é uma boa ideia eu ir. Preciso ensaiar pra...
_ Harley, você precisa de um descanso. Precisa pegar mais leve consigo mesma e deixar de tentar agradar todo mundo._ Aquilo foi doloroso de ouvir , mas no fundo eu sabia que ela tinha razão.
_ Então... Está tudo bem seu eu for?
_ É claro que sim, meu raio de sol._ Afirmou me abraçando mais forte.
_ Obrigada! Por tudo.
_ Eu sempre vou estar aqui pra você.
_ Eu te amo!
O carinho que eu tenho por Sarah ultrapassa o que eu sinto pela minha mãe. Mãe essa que me manda mensagem uma vez por semana e é só pra saber do meu peso e o que estou comendo. Se eu pudesse tiraria o nome dela da minha certidão de nascimento e colocaria o nome de Sarah, tenho certeza que meu pai aprovaria.
Ouvi o relógio despertar pela manhã, mas fiz de conta que nem era pra mim. Ele parou de fazer barulho, mas me acordou, outra vez, cinco minutos depois. Não estava nem um pouco afim de ir pra escola. Eu ia ter que começar a fazer o trabalho com Nathan e isso me desmotivava muito. Sem contar que aquela sensação de que algo ruim estava pra acontecer não ia embora.
Fui de ônibus e assim que desci já coloquei o capuz da blusa de moletom na cabeça e subi as escadas com as mãos nos bolsos e cabeça baixa. Não estava com a mínima vontade de olhar pra ele e eu sabia que estaria no topo da escada guardando a entrada do prédio com seus discípulos. É óbvio que o destino não ia permitir que eu o ignorasse. Não sei como nem onde eu achei algo pra tropeçar e cair direto nos braços dele.
Saí quase correndo dali pra enfiar minha cabeça no vaso e dar a descarga. Claro que eu não fiz isso. Como se já não bastasse ter acordado com os cabelos parecendo uma vassoura e cair nos braços do garoto que mais me despreza nesta escola, sair do banheiro com a cabeça molhada e com a cara azul seria o auge da humilhação... Mas poderia dar um jeito nos meus cabelos, ou melhor, na minha juba.
Joguei a mochila em cima da mesa e sentei sem cumprimentar ninguém.
Passei o dia com a cabeça nas nuvens. Não lembro de nada que foi estudado. Era como se meu corpo estivesse ali e minha mente em outro lugar, mais especificamente no palco da apresentação. O sentimento de que eu fracassaria não parava de me atormentar. Repassava os passos na minha cabeça enquanto andava pelos corredores, durante a aula, nos intervalos. As meninas até tentaram me colocar pra cima, mas entenderam quando eu falei sobre a pressão que estava sentindo sobre o balé e me entenderam.
_ Harley!_ Era a voz de Nathan atrás de mim. Me virei para ele e pela primeira vez o meu coração não acelerou quando o vi._ Você não apareceu na biblioteca. Esqueceu do nosso trabalho?
_ Não esqueci!_ "Só não estou num dia bom pra discutir com você e aguentar o olhar seu olhar desprezível sobre mim!" Talvez eu devesse dizer em voz alta em vez de apenas pensar.
_ Ah!_ Pela interjeição de surpresa ele esperava outra reposta._ Eu entendo. O que acha de dividirmos o trabalho e cada um faz sua parte?_ Eu continuava ouvindo a voz dele e nada estava acontecendo dentro de mim. Será que eu finalmente estava conseguindo me desapaixonar por ele?_ Eu mando uma mensagem pra você, pra combinarmos o que cada um vai fazer, tudo bem?_ "Ele ainda tem meu número", pensei e então meu coração se deu conta de que eu estava na frente do Nathan e voltou a acelerar e minhas pernas enfraqueceram por um breve momento. Nada havia mudado. Abri um meio sorriso e quando eu ia dizer o que eu queria dizer, vi Ashley correndo na nossa direção e desisti.
_ Que seja!_ Soltei um suspiro impaciente e dei as costas a ele indo até o carro de Sarah que havia acabado de chegar.
Qual a vantagem de sentir algo que só posso ter na minha mente e no meu coração?
Eu já tentei com todas as forças acabar com esses sentimentos, mas não tem nada nele que contribua pra isso acontecer e eu o odeio por isso.
Quando eu vi o filme "10 Coisas Que eu Odeio em Você", não entendi como era possível alguém odiar amar alguém e achava que Kat Stratford precisava de psiquiatra pra saber o que ela realmente sentia pelo Patrick. Agora eu entendo como ela se sentia porque eu também odeio o Nathan. Eu o odeio por conseguir me odiar e me odeio por não conseguir fazer o mesmo
Ficar sozinha no meu canto lamentando minhas frustrações é difícil quando se é amiga de Jessie, Leslie e Kira.
Eu queria ficar lamentando por não ter mais a amizade do Nate, pelo meu desempenho ruim na dança, por não ter autoconfiança suficiente pra executar os passos perfeitamente. Pode parecer loucura, mas é assim que eu consigo pensar e achar uma solução pra um problema que está me incomodando. Mas depois que eu disse a elas que iria a festa, não pararam de me ligar pra combinar roupas, sapatos, penteados e tudo o que eu não gosto de fazer.
Nathan estava parado na frente da minha casa. Eu não sabia o que era pior, saber que eu teria que ficar perto dele por alguns minutos ou ver Jessie beijando o Brandon. Até o verão ela falava horrores deles todos e agora está enfiando a língua dela na boca do garoto que ela disse que não ficaria nem se pagassem. Mesmo achando aquilo muito estranho, não era pior do que o olhar de Nathan pra mim.
_ Quer saber? Eu não vou com vocês._ Me virei pra voltar pra dentro de casa e Leslie me impediu segurando meus braços me fazendo voltar.
_ Você vai sim._ Disse entredentes._ Não pode se esconder e evitá-lo pra sempre. Precisam resolver isso.
_ Como se ele estivesse bem interessado._ A expressão de ódio no rosto de Nathan indicava que ele preferia morrer a estar ali._ Aquilo são hematomas?_ Olhando pra ele por mais tempo, percebi que havia se metido em outra briga.
_ Não sei porque a surpresa._ Leslie foi na nossa frente.
_ Vamos._ Kira pediu me olhando com aqueles olhos de cachorrinho abandonado._ Por mim.
_ Eu esperava isso delas, mas de você, Kira._ Resmunguei seguindo-a até o carro contra a minha vontade. Brandon, Jessie e Leslie já estavam nos bancos de trás do carro. Olhei pra Kira e sabia que elas queriam que eu me sentasse ao lado do motorista. Tentei ser mais rápida que minha amiga sul-coreana, mas ela tem as pernas largas e parece um ninja quando a intenção é ganhar de mim.
_ Eu não vou te morder._ Nathan assegurou saindo do carro.
_ Mas ela não vai reclamar se você morder._ Leslie quase berrou do banco de trás e eu a fuzilei com os olhos.
Nathan deu a volta no carro e abriu a porta pra mim. Ele sempre fez isso, mas me surpreendeu continuar com a mania. Agora eu sei como a gelatina se sente, porque eu estava igualzinha. Antes dele entrar no carro olhei pra trás lançando um olhar mortal pra todos eles.
_ Eu mato vocês!_ Sussurrei. Coloquei o cinto e evitei olhar pro lado esquerdo o máximo que eu pude.
_ O que aconteceu com seu rosto?_ Leslie perguntou sem rodeios.
_ Meu irmão está na cidade._ Respondeu como se fosse normal.
_ Scott está em Nova York?_ Perguntei num impulso. Nathan virou o rosto pra não me responder. Entendi o gelo e não falei mais nada durante todo o trajeto.
Saber que Scott está de volta me deixou empolgada, mas logo a animação se foi pois me lembrei que o pai dele está preso por minha causa e agora teria outro Gray me odiando por aqui.
Chegamos na casa da Bethany e me senti mal só de me imaginar dentro daquela casa cheia de pessoas bêbadas e se agarrando pelos cantos.
_ Eu preciso mesmo entrar? Não posso só vir até aqui e voltar pra casa?_ Estava sendo arrastada por elas.
_ Para de ser antissocial, garota._ Jessie agia como se fosse minha mãe só porque ela é um ano mais velha.
_ Não sou antissocial, só não gosto de sair com vocês porque sempre me deixam sozinha pra ficar se pegando com os garotos pelos cantos.
E aconteceu o que eu temia. Fiquei sozinha nos primeiros 15 minutos depois que entramos. Jessie sumiu com Brandon, Leslie foi buscar bebida pra gente e a Kira evaporou assim que entramos. Fiquei sentada no sofá levando pisão nos pés e cotoveladas na cabeça. Não que eu precise que a atenção delas fique só em mim, mas eu só sio de casa pra ficar com elas, se for pra ficar sozinha, então é melhor que eu nem saia.
Já estava entrando em pânico no meio de toda aquela gente que me empurrava de volta cada vez que eu tentava sair daquele cômodo. Quando finalmente consegui entrar na cozinha que estava menos movimentada, peguei o celular para ligar para o meu pai e senti alguém tocar no meu ombro.
Scott saiu de Nova York há três anos e parece que nada mudou. Ainda usava o mesmo penteado bagunçado, mesmo sorriso de menino e o mesmo olhar doce. Claro que algumas coisas não poderiam continuar do mesmo jeito, como a sua altura, mas fora isso ele ainda parecia o mesmo. Pensei que quando o encontrasse eu fosse sentir algo como falta de ar, boca seca, pernas bambas, ou até vontade de me esconder como eu fazia quando criança. Mas eu só estava apreensiva.
_ Harley Edwards!_ Senti meu estômago embrulhar e prendi a respiração me preparando para receber a enxurrada de xingamentos pela prisão do seu pai._ Velhos amigos ganham abraços?_ Soltei o ar aliviada e sorrindo dei-lhe um abraço apertado.
_ Como você está?_ Perguntei me afastando.
_ Melhor agora, com certeza!_ Colocou uma mecha do meu cabelo que se soltou da trança durante a dança, atrás da minha orelha._ Faz muito tempo desde a última vez que nos vimos. Você e Nathan ainda eram amigos._ Meu coração falhou uma batida e doeu muito.
_ O que fez você sair de Londres?_ Mudei o assunto.
_ Senti falta de Nova York. Sabe como é, "In New York, concrete jungle where dreams are made of, there's nothing you can't do"._ Cantou a música da Alicia Keys me fazendo rir da sua falta de talento.
_ Eu entendo! Mas acho melhor deixar a música pra quem sabe cantar._ Abriu a boca surpreso com minha sinceridade.
_ Obrigado pela sinceridade!_ Fingiu ficar magoado.
_ É sério, por que voltou?
_ Senti saudades da vovó, do Nathan...
_ É mesmo?_ Apontei para o hematomas no seu rosto que indicavam quem havia sido o vencedor da briga e não tinha sido ele.
_ Eu sei que não temos uma relação muito boa, mas é meu único irmão e por incrível que pareça, eu o amo.
_ Se você está dizendo!_ Eu batia ansiosa os dedos no balcão. Tinha a sensação de que ele só estava esperando o momento certo pra me culpar._ Disse que sentiu saudades de Donna e do seu irmão. Mas não falou do seu pai. Não sente falta dele?_ Precisava saber qual era a opinião dele sobre o que aconteceu e parar de me torturar com suposições.
Levou alguns segundos para me dar uma resposta.
_ Dele não!
Scott colocou sua mão sobre a minha me fazendo parar de mexer os dedos. Seu olhar ficou diferente e meu coração disparou. "Scott tocou em mim!", gritava a garotinha dentro de mim. Engoli em seco e desviei o olhar pra que ele não percebesse o brilho nos meus olhos e minhas bochechas coradas.
_ Amm..._ Pigarreei pra tirar o nervosismo da garganta e minha voz não falhar._ Fico feliz que tenha voltado.
_ Eu também!_ Nisto, sem que eu esperasse, Scott me puxou pela nuca e uniu nossos lábios.
Prendi a respiração tentando entender o que estava acontecendo. Minhas mãos tremiam descontroladamente e me senti como se tivesse 9 anos outra vez. Me vi escondida atrás da parede sentindo borboletas no estomago apenas por ouvir a sua voz.
Scott entrelaçou nossos dedos e apertou minha mão com mais força o que fez com que eu parasse de tremer. Seu corpo se aproximou mais do meu me fazendo sentir algo que ainda não tinha sentido. Era como se eu tivesse encontrado o que nem sabia que estava procurando, mas que eu precisava. Soltei sua mão e passei meus braços por trás do seu pescoço me deixando envolver pelo momento. Aos poucos o beijo foi perdendo a intensidade até afastarmos nossos lábios. Permaneci em seus braços por mais alguns segundos com aquela sensação estranha percorrendo todo meu corpo.
Eu achei que esse ano eu fosse conseguir me reaproximar do Nate, mas Scott ter voltado pode mudar tudo.
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Te Amo no Meu Ritmo
Teen FictionEm um mundo repleto de passos delicados e sentimentos emaranhados, adentramos a história cativante de uma jovem bailarina de cabelos ruivos, cuja dança é uma expressão de sua alma apaixonada. Em meio a sapatilhas desgastadas e sonhos cintilantes...