POV HARLEY
Não gosto de surpresas. Quanto mais eu estiver no controle das coisas que acontecem na minha vida melhor. Mas ela tem uma mania estranha de me mostrar que nada esta sob meu controle e faz isso das piores formas possíveis. A primeira vez que isso aconteceu foi quando eu tinha 11 anos e eu estava animada pra dar o meu primeiro beijo. Eu passei o dia ensaiando o que dizer e o que fazer. Comprei roupas novas, fiz um penteado incrível e até deixei Sarah me maquiar pro evento mais importante da minha vida (naquela época). Eu só não contava com o fato de que o garoto que eu planejava beijar, não queria fazer o mesmo. Eu dei o meu primeiro beijo naquele dia em uma brincadeira horrível chamada "Sete minutos no céu", e assim que a luz se acendeu eu aprendi que não importa o quanto você planeje a sua vida, se algo tiver que dar errado vai dar você estando preparado ou não.
Pela primeira vez na vida eu joguei football europeu durante a aula de educação física. É aquele que tem que chutar a bola com os pés. Eu odeio jogar futebol. Em vez de correr atrás da bola eu corro da bola. E aquelas meninas são doidas de pedra, parecem primatas em disputa de território.
_ HARLEY, CHUTA ESSA BOLA._ Jessie gritou quando, por um milagre, a bola parou no meu pé. Fiquei olhando pras meninas do meu time e todas estavam pedindo o objeto esférico que me faz sentir repulsa cada vez que o vejo.
Eu sei que não pode pegar a bola com a mão nesse futebol, mas quando vi Danielle correndo na minha direção soltando fumaça pelo nariz como se fosse um trem desgovernado, eu não tive outra opção. Ou eu corria com a bola ou ela ia passar por cima de mim e me quebrar inteira. Eu havia acabado de me recuperar da luxação no ombro, não podia me machucar outra vez.
_ VOCÊ DEU O PÊNALTI PRA ELAS._ Me olhavam inconformadas e pediram pra eu sair do campo. Já os meninos que assistiam, rolavam de rir da minha ótima performance como futebolista.
_ Seria melhor jogar bolinha de gude, não acha?_ Sugeriu Brian enquanto eu saía do campo. Mostrei o dedo do meio pra ele e fui pro vestiário.
Estava saindo do banho e algumas meninas entraram comemorando a vitória e as outras ainda estavam chateadas por terem perdido. Evitei contato visual pra não acabar levando uma surra.
_ Você viu os meninos tirando a camisa pra jogar quando saímos do campo?_ O tipo de assunto que me deixa desconfortável, ainda mais naquele momento.
_ Viram o Nathan?_ Meu coração pulou uma batida a menção do seu nome.
_ Ele está tão gostoso._ Acrescentou Danielle me fazendo ficar enciumada, mas disfarcei ficando de costas pra elas._ E aquelas cicatrizes? Deixaram ele muito mais sexy._ Eu não lembro do Nathan ter cicatrizes. Tenho certeza que conseguiu elas nessas brigas em que ele se mete sempre.
_ Queria ter a sorte da Ashley pra poder tocar naquele corpo._ Susan começou a virar os olhos e fazer movimentos sensuais enquanto dizia o nome dele e fazia uns barulhos esquisitos.
_ Sossega a coceira, vadia._ Jessie percebeu meu desconforto._ Nathan é bom demais pra qualquer uma de vocês.
_ Por que ficou ofendida?_ Susan não gostou da intromissão da minha amiga._ Seu namorado é o Brandon até onde eu sei.
_ Que é igualmente gostoso, só pra deixar claro._ Danielle mal tinha acabado de falar e Jessie voou pra cima dela. Eu até tentei segurar, mas ela estava com sabonete espalhado pelo corpo e era quase impossível tirar ela de cima da garota. Não foi algo muito legal de assistir: Briga de mulheres nuas no banheiro.
A treinadora entrou com as meninas da torcida e conseguiu separá-las.
_ FALA DE NOVO DO MEU NAMORADO, SUA VADIA DOS INFERNOS._ Jessie gritava enquanto esperneava sendo segurada por Bethany.
Danielle estava com o rosto todo arranhado e o nariz sangrando. A treinadora tentava controlar a fúria das duas, mas só foi possível quando levaram Jessie pra longe.
_ Onde está a Jessie?_ Kira apareceu com a Leslie e quis saber ao me ver sozinha no corredor dos armários.
_ Na sala do diretor._ A cena das duas brigando veio a minha memória.
_ O que aconteceu? Ela nunca foi pra sala do diretor._ Leslie ressaltou.
_ Bateu na Danielle._ Fechei o armário._ Durante o banho no vestiário._ Olhei pra elas com cara de nojo._ Foi horrível!
Fomos pro estacionamento esperar por ela enquanto eu contava sobre o motivo da briga. Vimos os pais das duas lutadoras entrando na escola.
_ Mais um fim de semana sem Jessie!_ Leslie concluiu.
_ E o pior é que ela só estava defendendo o que é dela._ Defendi minha amiga apesar de ser contra qualquer tipo de violência.
_ Acho que eu vou de ônibus hoje.
_ Precisa mesmo ir agora?_ O assunto que eu tinha pra falar com ela ainda me atormentava e ainda não tinha achado um momento bom pra isso.
_ Preciso mesmo._ Me abraçou rapidamente._ Mas eu te ligo. A gente se vê._ Mandou um beijo no ar e disse eu te amo na língua de sinais.
Sabia que ela não ia me ligar, mas não cobrei isso dela. Achei melhor não pressioná-la e deixar que ela venha até mim por vontade própria, mas se isso continuar eu não vou ter escolha a não ser colocá-la contra a parede.
_ E eu vou procurar meu namorado antes que ele me esqueça aqui de novo._ Kira se despediu e foi em busca do Tyler.
Fiquei sozinha sentada no capô do carro da Jessie esperando por Sarah que avisou alguns minutos mais tarde que não iria poder me buscar porque carro dela estragou de novo e meu pai está fora da cidade.
Aquele momento sozinha me fez lembrar meu primeiro dia nessa escola. Estava com medo e já tinha roído todas as unhas dentro do carro no caminho. Eu usava um vestido rosa com um casaquinho preto e all star vermelho. Sarah levou um tempão pra arrumar meu cabelo naquele dia. Ela colocou uma faixa vermelha, fez uma trança e encheu minha cabeça com aquelas borboletinhas brilhantes e coloridas. Não sabia como ia ser recebida e pensava que Nathan iria me ignorar perto dos amigos. Enchi meu pulmões de ar e comecei a andar de vagar pelo estacionamento na direção da entrada do prédio. Jessie e Leslie surgiram do meu lado elogiando meu penteado e minhas roupas. Engancharam seus braços nos meus e me arrastaram com elas pra todo lado. Desde então não nos separamos mais.
Quando Kira chegou na escola, no ano passado, nós fomos as primeiras a falar com ela. Estava assustada não só por ser seu primeiro dia de aula mas por estar em um país novo e não saber falar quase nada no nosso idioma. Jessie foi a que mais a ajudou com isso e sempre a defendeu dos maldosos que debochavam do seu sotaque.
Parei de viajar nas minhas memória quando a vi saindo do prédio acompanhada dos pais. Pela expressão triste o castigo não foi pouco.
_ Direto pra casa, Jessie!_ Seu pai alertou enquanto ela vinha na minha direção.
_ Posso, pelo menos, dar uma carona pra Harley?
_ Não ouviu o que eu disse?_ Ele estava com uma expressão dura.
_ Está tudo bem. Eu pego um táxi!_ Saí de cima do carro._ Quantos dias e quais as regras?
_ Uma semana. Sem namorado, sem shopping, sem computador e sem celular. De casa pra escola da escola pra casa.
_ Eu sinto muito!_ A envolvi em um abraço apertado.
_ O que aconteceu?_ Brandon chegou e Jessie me largou pra se prender a ele.
_ Não vamos poder nos ver nesse fim de semana._ Jessie fez bico. Ela estava tão triste que uma nuvem escura pairou sobre nossas cabeças nos deixando cabisbaixos também.
_ Eu sinto nojo de vocês, sabiam?!_ Nathan se juntou a nós me deixando nervosa. _ Deixa a menina respirar um pouco, cara._ Puxou o amigo pelo braço fazendo-o se afastar da namorada.
_ Já que eu fiquei sem carona, eu vou indo nessa._ Tentei fazer de conta que o Nathan não estava ali.
_ Você vai ficar bem?_Voltamos a nos abraçar.
_ É claro que vou. Além do mais o estúdio não é tão longe daqui. Eu chego rapidinho._ Nos separamos._ Te vejo no domingo?
_ O que vocês vão fazer no domingo?_ Brandon questionou curioso.
_ A apresentação da Harley foi adiantada.
_ Duas semanas?_ Nathan ficou surpreso e eu continuava ignorando sua presença .
_ Você vai, não é?_ Queria que ele soubesse que eu não estava nem aí pra ele.
_ Conta comigo._ Me despedi com um beijo no seu rosto.
_ Comigo também!_ Ainda não tinha convidado os meninos por causa do Nathan, mas já que o Brandon estava se convidando eu não me senti culpada.
_ Obrigada! E não esquece da sua primeira aula._ Aproveitei que ele não estava mais de bom humor e lembrei ele do nosso compromisso. Brandon bateu continência concordando e me afastei sem olhar pra trás.
Me senti vitoriosa por conseguir dar um gelo no Nathan e lutar contra a minha vontade de olhar nos seus olhos ou conversar com ele como havia planejado tantas vezes. Houve dias que tudo o que eu queria era ficar perto dele, mas agora eu não consigo mais. Não depois do que ele me disse, porém eu fico confusa quando de repente ele se aproxima como se estivesse tudo bem entre a gente. Eu acabo criando expectativas ele consegue me frustrar todas as vezes.
_ Harley!_ Ouvi sua voz atrás de mim e continuei andando sem dar importância._ Podemos conversar um pouco?_ Apressei o passo assim que ele se pôs ao meu lado._ Por que não me disse que adiantaram as apresentações? A coreografia está pronta? Joane, ao menos, te ajudou com o grand jeté? Pode, por favor, parar e me responder?_ Segurou minha mão fazendo eu me virar para ele.
_ Por que se importa?_ Puxei minha mão com violência e o encarei insatisfeita com suas atitudes contraditórias._ Você mesmo disse que não é da sua conta, então por que quer saber?_ A vontade de chorar começava a surgir. Meu queixo tremia e meus olhos se encheram de lágrimas._ Por que você faz isso? O que você realmente quer?
_ Eu quero v... Só quero te ajudar.
_ Você não pode me ajudar._ Sequei rapidamente uma lágrima que escapou pelo canto do olho._ Não pode continuar me fazendo acreditar que as coisas podem mudar entre a gente e de repente jogar em cima de mim todas as suas frustrações como se tudo fosse culpa minha._ Desabafei e foi como se me livrasse de 50 quilos de culpa._ Eu não consigo mais, então faça um favor pra nós dois, siga o conselho que me deu e esquece que eu existo. Disse que me odeia, então pare de me confundir e me deixe em paz._ Dei as costas a ele e entrei no carro que já estava com a porta aberta.
Chorei durante todo o trajeto. Apesar de estar me sentindo um pouco melhor por ter posto pra fora o que eu pensava, queria que não precisasse ser dessa forma. Se tivéssemos confiado mais um o outro ele estaria caminhando comigo e nada do que eu disse precisaria ser dito.
Eu mexia com o garfo a comida no meu prato para lá e para cá pensando no que ia fazer pra não estragar tudo na apresentação. Ver Laura ir embora chorando não me alegrou. Podemos não ser amigas, mas jamais quis ter destaque com o fracasso dela. Lembro de como me senti quando Joane disse que ela ficaria no meu lugar e sei que deve estar sendo horrível pra Laura ter sido deixada de lado sem ela nem ter sido consultada antes.
_ Está tão quieta!_ Sarah tirava alguns pratos da lava louças._ Aconteceu alguma coisa na escola?
_ Na escola, no balé, na vida..._ Soltei o garfo e levei as mãos à cabeça na intenção de aliviar os pensamentos._ Coisas acontecem comigo o tempo todo e eu não sei como parar isso.
_ Coisas acontecem com todo mundo, minha querida! As vezes boas, as vezes ruins. Tudo depende de como você encara o problema._ Fechou a lava louças e se sentou na minha frente._ Vou te contar uma história que eu acho que nunca contei._ Me preparei pra ouvir mais uma profunda reflexão da Sarah._ Duas pessoas entram em um trem, elas adormecem e passam da estação onde deveriam descer. Uma delas acorda mais tarde e percebe que está longe do local onde deveria estar. Ela se desespera. Começa a ligar para as pessoas, remarca compromissos, faz as contas da distância e do tempo que vai levar para voltar. Ela não consegue ver mais nada ao seu redor a não ser o problema e ele aumenta cada vez mais. A segunda pessoa acorda e também percebe que não desceu do trem onde deveria ter descido. Ela pega o celular,vê as horas, enche os pulmões de ar, olha pela janela e percebe o quão linda é aquela paisagem. Tira algumas fotos das montanhas, dos campos de flores, dos lagos. Percebe que o céu está sem nuvens dá um sorriso e se dá conta de que se ela não tivesse dormido, não teria tido a chance de ver aquele cenário. As duas descem do trem na próxima estação, uma delas corre pra conseguir pegar o trem de volta pra casa e conta os segundos até ele chegar. A outra vê um senhor sentado num banco lendo um jornal e se senta com ele para conversar. Descobre que aquele senhor foi do exército e participou de muitas guerras e as histórias que ele conta são incríveis. Então elas pegam o trem de volta. O mesmo trem, ao mesmo tempo, a mesma situação. Diferentes pessoas, diferentes formas de encarar a vida. Agora uma delas tem história pra contar e a outra tem apenas um problema. Não sei o que aconteceu com você, mas se você se afastar um pouco e ver o todo, pode acabar descobrindo paisagens que você nem sabia que estavam lá.
_ E se eu não gostar do que vejo?
_ E se você gostar?_ Sorriu e voltou para o trabalho.
"Me afastar e ver o todo!", pensei nisso durante um tempo e fiquei com medo do que poderia descobrir. Não sou tão corajosa e nem tenho maturidade pra isso. Saí do devaneio quando meu celular vibrou no bolso da minha blusa. Era Jessie avisando que logo ia chegar com Brandon. Avisei a Sarah e disse que estaria no quarto esperando por eles. Acho bom que Jessie esteja presente, mas espero que ela entenda que nós vamos estudar e não fazer uma festa do pijama.
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Te Amo no Meu Ritmo
Teen FictionEm um mundo repleto de passos delicados e sentimentos emaranhados, adentramos a história cativante de uma jovem bailarina de cabelos ruivos, cuja dança é uma expressão de sua alma apaixonada. Em meio a sapatilhas desgastadas e sonhos cintilantes...