3. No aroma de amores pode haver espinhos

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Província de São Paulo, Brasil - Maio de 1885

– Menina Gizelly, onde vais?

– Silêncio Bá! Ou meu pai há de acordar! – Gizelly olhava ansiosa por sobre o ombro, tentando silenciar sua ama. – Juliana irá me acompanhar, não há com que se preocupar.

– Sempre há com o que me preocupar quando se trata da sinhazinha e de minha filha. – Quitéria falava aos sussurros, conhecia bem o Barão, e o poder de seu chicote.

Gizelly se afastou da mulher lhe deixando um beijo casto em sua testa, assim que Juliana se juntou a ela, e ambas saíram pela noite. Quitéria já não era mais jovem, mas conhecia bem o fogo ardente da juventude, e os efeitos devastadores que deixava para trás.

Juliana olhou o perímetro, se certificando de que não havia ninguém, e indicou para que Gizelly a seguisse naquela ousada jornada até o amplo galpão onde as sacas de café esperavam por seu destino, além de um certo alguém.

Cuidadosamente, Juliana abriu as pesadas portas o suficiente para que passassem, e botando a cabeça para dentro, soprou o ar por seus lábios em um assovio numa melodia combinada, ouvindo a resposta de que poderiam entrar. Gizelly passou por ela como uma ventania para ir de encontro a braços fortes que a seguraram com firmeza.

– Minha Baronesinha. – O homem sussurrou sentindo o perfume dos cabelos negros e bagunçados pelo vento. – Por que se arrisca tanto, somente para ver-me?

– Não perdemos tempo com divagações, meu amor. Apenas beije-me! – Gizelly era urgente e apaixonada em seu falar, o que não deixou, nada além de sua vontade prevalecer.

Samuel tomou os lábios suaves de Gizelly em um beijo, que começava a se aprofundar quando um grito os tomaram de assalto, os fazendo se separar assustados.

– VALHA-ME DEUS!

– Mamãe, por favor! – Juliana tentou controlar a negra que tremia em desespero ao presenciar seu filho pecando inocentemente. – Se nos pegam aqui, Samuel é um homem morto!

– Isso não pode acontecer! Por Deus! – A mulher falava mais para si, do que para os pares de olhos que a miravam em meio ao breu.

– O que tá assucedeno aqui? – Ao ouvir a voz grave do feitor, Samuel se pós a frente de Gizelly, na tentativa falha de a esconder atrás de si.

– Nada feitô, estava com dores dos meus dias, e pedi à Juliana para buscar umas ervas. – Quitéria tentava ludibriar o astuto homem, que estreitava os olhos para si.

– E a sinhazinha veio ajudar também? – O homem mostrava os dentes podres num sorriso debochado. – Sabe negro, o Barão não vai gosta nada disso.

Samuel ameaçou avançar sobre o homem quando sentiu as mãos trêmulas de Gizelly em seu braço, e olhos castanhos o mirarem apavorados. Num piscar de olhos os homens do feitor laçaram o negro, que não ofereceu resistência. Sabia bem o que lhe aconteceria pela ousadia de amar a filha do Barão.

– Samuel! – Gizelly chamou por ele, e viu o homem negar com a cabeça resignado.

O dia nascia quando Gizelly finalmente foi dominada pela exaustão, e dormiu. Havia chorado tudo que tinha, e não tinha, em si. Sua cabeça doía, sua garganta ardia, seus olhos queimavam, mas nada doía mais do que agonia em seu peito.

O Barão fazia o desjejum quando Januário adentrou pela casa grande vibrando em suas vestes de feitor, e com os olhos brilhando em pura vitória, informou ao demônio que seu anjo havia sido corrompida pela lábia do negro gerado por sua negra de estima velada. A Baronesa levou as mãos à boca abafando a exclamação de horror, ao passo que o Barão se pôs de pé batendo as mãos com força na mesa, fazendo as porcelanas vibrarem.

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