– Manu, tens certeza de que isso é uma boa ideia?
– Se ele não se sentir afetado, com esta dança, começarei a desconfiar de sua virilidade. — Manu falava enquanto abria as portas da biblioteca, que ficava num amplo espaço de grandes janelas e estantes com livros e objetos, um tanto curiosos, e um deles, em particular, atraiu a atenção de Gizelly, principalmente quando viu a prima colocar algo circular de cor escura no objeto.
– Que coisa é essa?
– Isto minha querida prima, é o futuro! – Manu disse sorridente, acariciando o objeto com carinho.
O aparelho consistia em um cilindro com sulcos coberto por uma folha de estanho. Uma ponta aguda era pressionada contra este cilindro e, conectados à ponta oposta, ficavam um diafragma (uma membrana circular, cujas vibrações convertiam sons em impulsos mecânicos e vice-versa) acoplado a um grande bocal em forma de cone. O cilindro era girado manualmente e, conforme o operador ia falando no bocal, a voz fazia o diafragma vibrar, o que fazia a ponta aguda criar um sulco análogo na superfície do cilindro. Quando a gravação estava completa, a ponta era substituída por uma agulha e o cilindro era girado no sentido contrário: a máquina desta vez reproduzia as palavras gravadas e o cone amplificava o som.
Gizelly olhava o estranho objeto com curiosidade, se aproximando com olhos intrigados e não percebeu sua prima a olhando com um sorriso diabólico, e assim que Gizelly estava próxima o bastante, Manu girou a manivela do fonógrafo, fazendo uma música alegre vibrar pela sala, pregando um susto em Gizelly, a fazendo pular para trás.
– Céus! Manu! Ainda me matas um dia!
– Não sejas tão exagerada. – Manu ria abertamente puxando a prima pela mão, até o meio da biblioteca. – Agora vamos ao mais importante da dança, a atitude.
Música on: "España Cañi" (Banda de Música Ntra. Sra. de La Oliva).
Soltando a mão de Gizelly, Manu ajeita a postura erguendo o queixo, e num trançar de mãos, as elevou acima de sua cabeça, enquanto olhava fixamente nos olhos de Gizelly, de forma desafiadora.
– Essa é uma dança forte e com ritmo marcante que envolve quem dança. – Manu bateu um dos pés no chão o puxando para trás descendo as mãos em movimentos circulares até as laterais de seu vestido, segurando a barra da saia do lado esquerdo a erguendo. Gizelly olhava a tudo atentamente, admirada pela forma como sua prima seduzia com movimentos tão sutis.
– Nesta dança o homem encarna o espírito de toureiro, digno e orgulhoso, que de forma decidida e graciosa conduz à senhora pelo salão como se ela fosse a sua capa. – A mulher continuava sua explicação enquanto dava voltas em torno de Gizelly sacudindo a saia do vestido. – Mas tu, não és submissa a ele. És a capa, mas também és o touro. – Parou de frente a prima, batendo os pés com força no chão, a encarando, e colocando uma das mãos sobre seu ombro, empurrava Gizelly para trás enquanto falava. – É uma dança de tempos bem-marcados onde se sente uma tensão entre os dançarinos ao longo de toda a dança. – E passando uma das mãos pela cintura de Gizelly, Manu a puxou para si num movimento vigoroso, colando seus corpos. – Devem refletir a emoção feroz da luta de forma elegante e sedutora. – Disse a última parte entre sussurros, enquanto passava seu rosto pelo de Gizelly, a soltando logo em seguida.– Céus... – Gizelly suspirou, soltando o ar que nem sabia que estava prendendo, fazendo a prima gargalhar alto.
Gizelly completaria mais um ano de vida, e em virtude disto, o Barão resolveu dar um grandioso baile, e contaria com a presença de toda aristocracia cafeeira, além dos nobres visitantes do velho mundo, e Manu viu a oportunidade perfeita para sanar, definitivamente, todas as suas suspeitas. As primas estavam preparando uma ardilosa surpresa para "Renato". O que restava saber, era quem sairia mais surpreendido do tal evento...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lies - Girafa
RomanceBrasil, 1886. Em meio ao progresso ferroviário, a pressão inglesa e aos movimentos abolicionistas, duas famílias firmam um acordo vantajoso para ambas. Gizelly e Renato iriam se casar. Envolto a trocas de cartas, tramas e complôs, uma mentira se to...